Alimentos ultraprocessados estão a dominar as dietas globais
Os alimentos ultraprocessados (UPFs) estão a aumentar a sua quota e a dominar as dietas globais, apesar do risco que representam para a saúde em termos de aumento do risco de múltiplas doenças crónicas, avança a Universidade de São Paulo em comunicado.
Segundo a mesma fonte, numa apresentação no Congresso Internacional de Obesidade deste ano (ICO 2024, São Paulo, 26-29) de junho, o Professor Carlos Monteiro da Universidade de São Paulo irá destacar os perigos que os UPFs representam para a saúde global e recomendar que sejam regulados de forma semelhante ao tabaco, com rótulos de advertência e restrições à publicidade.
O Professor Monteiro e os seus colegas foram responsáveis pelo desenvolvimento da classificação alimentar Nova, um sistema de agrupamento de géneros alimentícios comestíveis com base na extensão e finalidade do processamento alimentar que lhes é aplicado, com uma classificação de 1 (menos processado) a 4 (UPF).
O docente discutirá o conceito e o modelo de negócio que impulsiona os UPFs – nomeadamente, para serem competitivos, os substitutos devem ser mais convenientes, saborosos e acessíveis do que os alimentos integrais e as refeições preparadas na hora. Monteiro explica: “Para maximizar os lucros, estes alimentos ultraprocessados devem ter um custo de produção mais baixo e ser consumidos em excesso”.
Os UPFs são formulações prontas a consumir, de longa duração e hiper-palatáveis de substâncias e aditivos baratos derivados de alimentos, com pouco ou nenhum alimento inteiro e suscetíveis de substituir todos os outros grupos Nova para maximizar os lucros da indústria.
Pandemia da obesidade e outras doenças
O Professor Monteiro irá discutir a forma como os UPFs estão a substituir os alimentos mais saudáveis e menos processados em todo o mundo, causando também uma deterioração da qualidade da dieta devido aos seus vários atributos prejudiciais. Em conjunto, estes alimentos estão a provocar a pandemia da obesidade e de outras doenças crónicas relacionadas com a alimentação, como a diabetes.
Os UPFs fornecem atualmente quase ou mais de metade das calorias das dietas em países desenvolvidos como o Canadá (47%), os EUA (60%) e o Reino Unido (57%), com proporções mais baixas, mas crescentes, em países de rendimento médio como o Brasil (20%).
Explicando as possíveis razões por detrás das grandes variações nas percentagens de calorias alimentares provenientes de UPF entre países, o Prof. Monteiro afirma: “Os níveis elevados de cerca de metade ou mais das calorias totais provenientes de alimentos ultraprocessados são observados apenas nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália”.
Uma explicação, acrescenta, “é a menor resiliência dos padrões alimentares tradicionais nestes países e o facto de a indústria dos UPF ter nascido sobretudo nos EUA e depois ter-se deslocado para outros países anglo-saxónicos”.
Os níveis no Brasil, continua, “são semelhantes aos da Colômbia e inferiores aos do Chile e do México, cerca de 35%. No entanto, em todos estes países se registam aumentos. Os países europeus, com fortes culturas alimentares, também têm níveis mais baixos do que nos EUA”.
A exposição a dietas com elevado teor de UPF aumenta o consumo de gorduras totais, saturadas e açúcares adicionados, e diminui o consumo de fibras, proteínas e potássio.
O Prof. Monteiro falará também sobre o ensaio clínico de Kevin Hall (EUA) e colegas que mostra que os UPF provocam um enorme aumento do consumo de calorias e do aumento de peso.
Outros efeitos secundários de uma dieta rica em FPP incluem um menor consumo de fitoquímicos saudáveis que melhoram a saúde e um maior consumo de químicos nocivos, como a acrilamida (criada durante o processamento), os bisfenóis que podem penetrar nos alimentos a partir das embalagens e aditivos como os emulsionantes e os adoçantes artificiais.
Em termos de risco de doença, as dietas UPF demonstraram estar associadas a pelo menos 25 doenças crónicas, incluindo obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemias, hiperuricemia, ataque cardíaco, doença cerebrovascular, doença de Crohn, úlcera péptica, doença renal crónica, doença pulmonar obstrutiva crónica, adenoma colorretal, cancro colorretal, cancro da mama, adenocarcinoma do esófago, cancro da cabeça e do pescoço, “fragilidade”, depressão, ansiedade e demência.
Em termos gerais, foram encontradas associações diretas entre a exposição aos UPF e 32 parâmetros de saúde que abrangem a mortalidade, o cancro e os resultados de saúde mental, respiratória, cardiovascular, gastrointestinal e metabólica.
Campanhas semelhantes às do tabaco
O Prof. Monteiro concluirá com uma análise das semelhanças entre as indústrias dos UPF e do tabaco. “Tanto o tabaco como os UPF causam numerosas doenças graves e mortalidade prematura; ambos são produzidos por empresas transnacionais que investem os enormes lucros que obtêm com os seus produtos atrativos/viciantes em estratégias de marketing agressivas e em lobbies contra a regulamentação; e ambos são patogénicos (perigosos) por conceção, pelo que a reformulação não é uma solução”, explica.
O autor sugere que poderão ser necessárias campanhas de saúde pública semelhantes às que são efetuadas contra o tabaco para travar os perigos dos UPF. Essas campanhas incluiriam os perigos para a saúde do consumo de UPFs.
Defende ainda que a publicidade aos UPF deve ser proibida ou fortemente restringida e que devem ser introduzidas advertências na frente das embalagens semelhantes às utilizadas para o tabaco (embora reconheça que os rótulos de advertência de várias formas, como os octógonos pretos nos produtos com elevado teor energético, de açúcar, de sal ou de gorduras saturadas, presentes em alguns países, já incluem uma grande proporção de UPF).
E conclui: “A venda de UPFs em escolas e unidades de saúde deveria ser proibida e deveria haver uma forte tributação dos UPFs, sendo as receitas geradas utilizadas para subsidiar alimentos frescos.”