Alterações climáticas dificultam cada vez mais implementação de mandatos de paz



Os eventos climáticos extremos, amplificados pelas alterações climáticas, desafiam cada vez mais a capacidade da Organização das Nações Unidas (ONU) para implementar os seus mandatos, disse ontem o subsecretário-geral para Operações de Paz, Jean-Pierre Lacroix.

Num debate de nível ministerial do Conselho de Segurança da ONU sobre mudanças climáticas, paz e segurança, Lacroix indicou que cerca de 3,5 mil milhões de pessoas vivem em áreas fortemente afetadas pelos efeitos das alterações climáticas, considerando que os riscos de paz e segurança relacionados ao clima devem aumentar cada vez mais no futuro.

De acordo com o subsecretário-geral, é visível a forte correlação entre os Estados que enfrentam fragilidades e os que lidam com as alterações climáticas: dos 16 países mais vulneráveis ao clima, nove acolhem uma missão de campo da ONU, nomeadamente República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Sudão, Sudão do Sul, Afeganistão, Somália, Mali, Haiti e Iémen.

“As operações de paz da ONU são profundamente afetadas pelo impacto das mudanças climáticas. As nossas missões testemunham em primeira mão as vulnerabilidades duplas impostas pela alteração climática e pela insegurança. Em vários dos nossos países anfitriões, as mudanças climáticas estão a fazer diminuir os recursos naturais, a afetar a coesão social e a gerar conflitos”, explicou.

A título de exemplo, as fortes inundações observadas no Sudão do Sul reduziram a mobilidade das forças de paz da ONU, que são agora forçadas a usar helicópteros ou barcos.

Mais coerência entre ação climática, paz e segurança não é apenas um imperativo político, mas também faz sentido do ponto de vista económico, defendeu Jean-Pierre Lacroix, argumentando que alinhar os mecanismos de construção da paz e financiamento climático – tanto da ONU, quanto fora da organização – permitiria às Nações Unidas otimizar a utilização dos recursos já limitados de maneiras mais eficientes.

Atualmente, as maiores operações de manutenção da paz da ONU dependem quase exclusivamente de geradores que “utilizam diesel caro e importado, que requer transporte em condições muitas vezes perigosas”, lamentou o subsecretário-geral.

Em certos cenários, essas missões estão entre as maiores fontes individuais de consumo de energia e emissões de gases de efeito estufa dos países anfitriões, pelo que a ONU trabalha para introduzir progressivamente soluções de energia renovável, de forma a reduzir a sua pegada ambiental e minimizar o risco de segurança para quem efetua o transporte de combustível.

Em 2021/2022, apenas 6% da eletricidade usada pelas operações de paz da ONU foi gerada a partir de fontes de energia renováveis, disse Lacroix.

A reunião de hoje foi presidida por Mariam Almheiri, ministra de Mudanças Climáticas e Meio Ambiente dos Emirados Árabes Unidos – país que convocou a sessão e que preside este mês ao Conselho de Segurança – e contou ainda com a presença de vários ministros e do ex-presidente da Colômbia e Prémio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, que defendeu que a “paz entre os humanos não terá sucesso a menos que vocês também façam as pazes com a mãe Natureza”.

Também a ministra da Administração Estatal e Função Pública de Moçambique, Ana Comoana, marcou presença na reunião em Nova Iorque, onde falou do seu país como um exemplo onde os eventos climáticos extremos levam ao aumento do número de conflitos.

“Moçambique é um exemplo disso. O nosso país tem vindo a sofrer ciclicamente com os efeitos adversos das alterações climáticas. (…) Não há dúvida de que as alterações climáticas têm um impacto negativo no projeto de construção da paz e da segurança internacionais”, disse.

Enfatizando as declarações da ministra moçambicana sobre a necessidade de relacionar estes dois problemas, o enviado para o Clima dos Estados Unidos da América, John Kerry, aproveitou para criticar a anterior administração de Donald Trump: “um Presidente que lamentavelmente desistiu do Acordo de Paris e atrasou-nos por quatro anos, sem dinheiro no orçamento”.

“Não há espaço para procrastinação. A crise está a crescer. Está a minar a nossa paz e segurança coletiva. E sem uma ação coordenada do Conselho de Segurança e de cada entidade governamental que lida com isso, o impacto mundial vai piorar”, afirmou Kerry.

“Temos que garantir que a crise climática seja incluída na prevenção de conflitos e na mediação das missões de manutenção da paz da ONU em todo o mundo. E todos nós precisamos ajudar a fazer isso acontecer. (…) Temos tecnologias. Temos ótimas universidades. Temos ótimos laboratórios. Podemos fazer mais para nos unirmos e lidar com esta crise”, frisou.

Cerca de 70 participantes, incluindo membros do Conselho, Estados-membros da ONU e missões de observação, inscreveram-se para participar na reunião, incluindo Portugal.

Os membros do Conselho de Segurança têm estado divididos sobre até que ponto as alterações climáticas são uma questão de paz e segurança e em que circunstâncias merecem a atenção do órgão.

A maioria dos membros do Conselho defende um envolvimento mais sistemático do órgão nas questões de alterações climáticas, paz e segurança.

Em 22 de março, quatro desses membros – Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes Unidos – assumiram o compromisso de pedir a inclusão das alterações climáticas e análise de conflitos como um tema transversal nos ‘briefings’ da ONU ao Conselho.





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