Alterações climáticas: Geoengenharia oceânica pode ajudar, mas há riscos e “não é a solução para todos os problemas”



A geoengenharia é um ramo científico que, posto de forma simples, procura fazer alterações no ambiente de forma que seja possível alterar as condições com vista a um determinado fim. No caso das alterações climáticas, têm sido debatidas algumas técnicas, que ainda são mera teoria, para fazer descer a temperatura do planeta, como, por exemplo, a criação de ‘escudos’ sobre a Terra que reduzam a quantidade de radiação solar que sobre ela incide.

E as soluções em cima da mesa não se ficam pela atmosfera ou pelo espaço, sendo que algumas delas olham para os oceanos como elementos fundamentais para reduzir a temperatura do planeta, sobretudo como depósitos de dióxido de carbono (CO2) capturado do ar. Outras pretendem aumentar a capacidade dos mares para refletir a luz vinda do Sol, diminuindo o aquecimento das águas marinhas.

No entanto, apesar de, no papel, poderem parecer boas ideias para combater as alterações climáticas, ‘cautela’ deve ser a palavra de ordem. Um grupo de cientistas de vários países, incluindo Portugal, alertam, num artigo publicado recentemente a revista ‘Science’, que “a manipulação do oceano para mitigar as alterações climáticas pode ser prejudicial para os ecossistemas do fundo do mar”.

A investigadora Ana Colaço, do Instituto de Ciências Marinhas – Okeanos, da Universidade dos Açores, é uma das autoras deste trabalho e falou com a ‘Green Savers’ sobre os perigos que a geoengenharia representa para a vida nas profundezas dos oceanos, um mundo sobre o qual ainda muito pouco se conhece.

Espécie de coral de profundidade do género Stylaster. Fonte: NOAA OKEANOS EXPLORER Program; Our Deepwater Backyard: Exploring Atlantic Canyons and Seamounts 2014

 

“Até podemos pensar que a ideia é boa, mas o problema é o que vem depois”, salienta a cientista, apontando que algumas técnicas que estão hoje a ser academicamente debatidas podem não ser mais do que “tapar problemas num lado e a destapar noutro”.

Algumas propostas para reduzir a acidez dos oceanos, causada pelo contacto da água com o dióxido de carbono atmosférico, visam colocar no mar rochas alcalinas, com o objetivo contrabalançar pH mais reduzidos e neutralizar essa acidez. Ainda outras, através de processos eletroquímicos, pretendem afundar as águas mais ácidas, trazendo à superfície as mais neutras. Tudo isto, como nos diz Ana Colaço, terá impactos significativos e potencialmente devastadores nos ecossistemas e na vida ao longo de todo a coluna de água.

“O mar profundo tem um equilíbrio frágil”, pelo que algumas das propostas da geoengenharia oceânica, para que possam realmente ter algum impacto significativo no clima, “poderão ter grandes impactos”, como ao nível da concentração de oxigénio disponível e indispensável às espécies que vivem nesses habitats e nos processos de reciclagem de nutrientes.

Por isso, Ana Colaço, bem como os seus colegas cientistas que assinam o artigo, e que fazem parte de um grupo de trabalho sobre alterações climáticas da Deep-Ocean Stewardship Initiative, argumenta que, no que toca às geoengenharias, é preciso haver conhecimento científico “para podermos perceber as suas consequências” e “para não fazermos coisas à-toa que depois podem ter impactos bastante nefastos”.

“Se criarmos vários quilómetros quadrados de macroalgas, elas vão absorver imenso CO2. Mas depois estas algas ou são utilizadas como alimento ou como adubos, como já se faz em alguns locais, mas muitas das propostas da geoengenharia querem afundá-las no fundo do mar”, explica, sublinhando que os organismos que habitam as profundezas marinhas são capazes de reciclar matéria que lá chega desde a superfície, “mas se for demasiada matéria pode criar anoxia”, ou seja, a redução acentuada da quantidade de oxigénio dissolvido.

E sem oxigénio, muitos animais e plantas marinhos “podem morrer sufocados” e provocar fortes desequilíbrios ecológicos.

Ana Colaço, no entanto, assegura que os cientistas deste grupo não estão, à partida, contra a geoengenharia oceânica, “mas queremos é que, antes de se começar qualquer coisa, haja uma ação coordenada, que haja bases em conhecimento científico, que sejam feitas com transparência, que se façam estudos de impacto”. Em suma, estes investigadores querem que se pense bem nas coisas antes de se avançar sem qualquer noção clara das possíveis consequências.

Fonte: NOAA Okeanos Explorer Program, Gulf of Mexico 2012 Expedition

 

E deixa um aviso: a geoengenharia “não é a solução para todos os problemas”. Para a investigadora portuguesa, a redução das emissões de gases com efeito de estufa “é fundamental” e que essas técnicas não devem ser encaradas como um substituto.

Acima de tudo, “tem de haver bom senso, e isso passa pelo conhecimento científico”, declara, afiançando que “cada vez mais temos visto que tudo o que é feito com base no conhecimento científico é feito de forma mais eficiente, mais sustentável”.

Mineração em mar profundo

Atualmente, a exploração de minerais no fundo do mar não é permitida à luz do direito internacional, com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), um órgão criado em 1982 ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e que tem como função regular essa atividade em águas fora da jurisdição exclusiva dos Estados, a garantir que “nenhuma operação de mineração começou em lado algum no mundo”, pelo menos, não em águas internacionais.

No entanto, de acordo com a organização ambientalista internacional Greenpeace, isso pode mudar já a partir de julho deste ano, quando os países membros da ISA se reunirem na Jamaica para decidir sobre se a mineração avança ou não. Mas não parece haver consenso entre os vários governos, com alguns, como França, a Nova Zelândia e o Chile, a demonstrarem oposição a qualquer pressão comercial para que a atividade arranque já este ano.

Enquanto investigadora que se dedica ao fundo dos mares, Ana Colaço conta-nos que o que os cientistas pedem é que haja “mais conhecimento científico para que o código da mineração em mar profundo [que estabelecerá as regras dessa atividade] seja mais eficiente” e para que seja constituído por limites (de ruído, por exemplo) que permitam atenuar os efeitos sobre a vida marinha.

Mas antes de ser dada ‘luz verde’ para o arranque da mineração no mar profundo a uma escala industrial, os próprios países da ISA têm uma palavra a dizer e Ana Colaço acredita que os governos têm ouvido os cientistas, destacando os compromisso assumidos por vários países durante a Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que decorreu o ano passado em Lisboa, de não se avançar com a mineração sem antes se conhecerem ao certo os seus impactos.

Com o Acordo de Kunming-Montreal para a Biodiversidade, para proteger 30% de todos os ecossistemas até 2030, com o Tratado do Mar Alto, que prevê a criação de área protegidas marinhas em águas internacionais, e com a vontade expressa de alguns países para se investigar mais sobre os impactos da mineração em mar profundo antes de se avançar para a sua autorização, Ana Colaço confessa-nos que “estou confiante” de que se fará o que é preciso fazer, pois ninguém quer ser o primeiro a dar um passo errado.

As profundezas dos oceanos são tudo menos desprovidas de vida

Apesar de se poder pensar que o fundo dos oceanos, ambientes penumbrosos onde a luz do Sol não consegue penetrar, é um mundo desprovido de vida, a investigadora garante que nada podia estar mais longe da verdade.

“Falamos quase sempre dos recifes de corais nas zonas tropicais, mas temos recifes lindíssimos no mar profundo” que também exibem exuberantes cores de rosa, laranja, roxo e amarelo, revela-nos Ana Colaço, com um brilho de entusiasmo nos olhos. Nas profundezas marinhas, “há jardins de corais fantásticos”, bem como “campos de esponjas gigantescos”, com algumas que se parecem com “alfaces enormes azúis ou brancas”, e grandes extensões cobertas de organismos que se parecem com penas, da ordem Pennatulacea.

Coral de profundidade da espécie Paramuricea. Fonte: NOAA OKEANOS Explorer Program , 2013 Northeast U. S. Canyons Expedition

 

A investigadora explica que estes habitats profundos “têm uma função importantíssima, porque servem de refúgio a larvas e juvenis de peixes ou outros organismos” e podem também ser usados como “berçários” onde alguns animais depositam os seus ovos até “poderem crescer e enfrentar a vida”.

Além disso, essas zonas dos oceanos são também importantes locais de alimentação e de abrigo para adultos de várias espécies marinhas.

Tal como os corais de zonas mais superficiais, também os das profundezas ajudam na fixação de carbono, pois são constituídos por carbonato de cálcio e as gorgónias “têm escleritos, que também têm carbonato de cálcio”.

A juntar a tudo isso, “muitos dos ecossistemas de profundidade são responsáveis pela reciclagem dos nutrientes, que são importantíssimos para as zonas mais superficiais”, como para a fotossíntese.

No que toca às aplicações para a saúde humana, o fundo do mar está também repleto de tesouros biotecnológicos.

“Quando colocamos um implante dentário, mas temos perda de osso, é colocado um osso artificial. E está atualmente a ser estudada a hipótese de se poderem usar as esponjas de profundidade, que são à base de sílica, na regeneração óssea”, aponta a cientista, avançando que algumas das moléculas desses animais antigos podem ser “ótimos anticancerígenos”.

Como tal, o valor os ecossistemas de profundidade “não está só na sua diversidade de espécies, mas também na sua diversidade genética e molecular”.

E um exemplo muito prático, e muito próximo de todos nós, foi a descoberta de uma enzima numa bactéria de uma fonte hidrotermal no Oceano Pacífico que hoje é usada para replicar moléculas de ADN em testes PCR.

“Há uma panóplia gigantesca de coisas fantásticas no fundo o mar”, sentencia.

É por isso mesmo que “a geoengenharia e a mineração nos dão uma oportunidade única para olharmos para as atividades e de percebê-las antes de elas acontecerem, e desenvolvê-las de forma a terem o menor impacto possível e que não destruam nem afetem a saúde dos oceanos”, frisa Ana Colaço, acrescentando que hoje, comparando com o passado, existe muito mais tecnologia, e mais acessível, que permite obter muito mais conhecimento sobre o mar profundo e sobre os impactos que as atividades humanas, tal como a pesca, podem ter sobre esses ecossistemas únicos que se escondem longe da vista de quase todos nós.





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