Alterações climáticas, sobre-exploração, destruição de habitats e poluição ameaçam sustentabilidade da pesca
Atualmente, cerca de 35% dos stocks de peixe a nível mundial estão a ser alvo de sobrepesca, face aos 10% que se registavam na década de 1970. De acordo com estimativas a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), é nos mares Mediterrâneo e Negro que se encontra a maior percentagem de stocks pescados de forma insustentável.
Para Laura Rodríguez, diretora-executiva do Marine Stewardship Council (MSC) para Portugal e Espanha, o aumento estimado da população mundial, que as Nações Unidas preveem que chegue aos 9,7 mil milhões até 2050, colocará uma maior pressão os stocks de peixe, com o consumo a duplicar nesse mesmo período, tendo sempre como pano de fundo as alterações climáticas. Tudo isso leva a responsável ibérica da organização sem fins lucrativos a salientar “a importância da pesca sustentável” e assinalar “a urgência de praticar uma pesca sustentável e um consumo de pescado sustentável com o selo azul do MSC para a proteção dos recursos marinhos para as gerações futuras”.
Contudo, em Portugal não há ainda qualquer pescaria com o selo azul do MSC, embora duas estejam a caminhar para dar início à avaliação, sendo uma delas a sardinha. Mas já 400 produtos da pesca comercializados em Portugal estão certificados.
Rodrigo Sengo, biólogo e consultor do MSC em Portugal, explicou à Greens Savers que as alterações climáticas exigem que tenhamos “informações constantes sobre o que está a acontecer”, apontando como exemplo a deslocação das populações de sarda e de cavala do Norte do oceano Atlântico para outras regiões devido ao aquecimento global. “E isso está a gerar problemas ao nível da gestão do recurso, porque agora está disponível para outros países, e vemos uma ‘luta’ pelas quotas desse recurso”, salienta.
Por cá, “Portugal em uma frota diversa e captura mais de 200 espécies de peixe e de marisco, e cada uma delas terá uma capacidade diferente de adaptação às alterações climáticas”, afirmou Rodrigo Sengo, indicando que atualmente investigadores portugueses estudam a forma como as populações de sardinha poderão evoluir em vários cenários de aumento da temperatura média global.
“Sabendo que é recurso volátil, ele tem sempre uma capacidade de adaptação”, apontou, alertando, contudo, que essa resiliência só é possível “quando ele é bem gerido”. Por isso, é fundamental “um acompanhamento constante” da pescaria para se perceber o estado dos stocks de pescado e para “irmos detetando estas mudanças no curto-prazo para depois fazermos a gestão a longo-prazo”.
No quadro das alterações climáticas, e apesar de ser considerado que Portugal dispõe de uma costa temperada, estima-se que existirá “um deslocamento para Norte de todas as populações” para águas mais frias, destacando que “espécies tropicais já estão a aparecer na costa algarvia”.
“Tudo isso pode ter impactos nos atuais recursos, ou pode até criar novos recursos para a pesca comercial”, elucidou Rodrigo Sengo, mas isso “só é possível se houver informação que nos permita saber se esse recurso é viável”.
Dessa forma, o MSC considera que “é importante que as pescarias cada vez mais se adaptem, pois não são imunes às alterações climáticas, mas vão desempenhar um papel muito importante, porque dependemos do pescado a nível mundial, não só como meio de subsistência, mas também como fonte de proteínas”, considerando que as Nações Unidas já consideraram que o que chamam de ‘alimentos azuis’ têm uma pegada carbónica comparativamente inferior a outros alimentos.
Questionado sobre se em Portugal a pesca poderá ser considerada sustentável, Rodrigo Sengo apontou que existem “bons exemplos”, indicando que o país “tem uma agenda política para garanti-lo”, avançando como exemplo a recuperação dos stocks de sardinha nas águas portuguesas.
“Portugal tem uma longa tradição de pesca e está a fazer o caminho certo”, declarou, acrescentando que a certificação pode ser um fator complementar que fortalece as práticas da pesca sustentável.
No âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que decorreu em junho em Lisboa, o Primeiro-ministro António Costa assumiu o compromisso de Portugal para “até 2030, classificar 30% das áreas marinhas nacionais”. Rodrigo Sengo considera que esses instrumentos de proteção ajudam também a “recuperar os recursos”, pois “ao delimitarmos uma área em que não estamos a pescar, estamos a deixar que esse recurso recupere”.
O especialista acredita que as áreas marinhas protegidas têm também um impacto “mais abrangente” nos ecossistemas e “são importantes para a sustentabilidade das pescas”, referindo que em algumas áreas marinhas protegidas é possível pescar, pelo que “terão sempre um efeito positivo”. Assim, a definição dessas zonas de proteção não representa ameaças ao setor, por limitarem as áreas da atividade, mas assumem-se como ferramentas essenciais para assegurar a sustentabilidade dos stocks e, consequentemente, da própria pesca.
Apesar de ser um setor que se pauta por práticas tradicionais, Rodrigo Sengo contou-nos que os pescadores estão dispostos a abraçar a sustentabilidade. “Às vezes podemos discordar sobre como essas mudanças devem ser feitas, ou em que tempos, mas eles sentam-se à mesa e estão dispostos a ouvir e a discutir sobre como se pode avançar.”
O documentário ‘Seaspiracy’, disponível na plataforma Netflix e realizado por Ali Tabrizi, apela ao fim dos subsídios públicos e ao abandono do consumo de peixe por uma alimentação à base de plantas. Sobre isso, o consultor do MSC afirmou que a organização é também “contra subsídios a atividades que danifiquem os recursos marinhos”, mas apontou que “temos a tendência a generalizar” e que “foi isso que aconteceu no documentário”, e não acredita que deixar de comer pescado seja “a única solução” para proteger os oceanos.
“Hás 25 anos que tem vindo a ser demonstrado que a pesca sustentável é possível e que é possível reverter a tendência de destruição dos ecossistemas marinhos”, afiançou-nos o biólogo, que indica que estudos científicos, incluindo assinados pelo próprio MSC, apontam para que “pescarias certificadas que estão a operar sobre um recurso sustentável, esse recurso tem uma biomassa mais elevada”.
“Na pesca, existem muitas coisas que têm de mudar, mas não podemos aceitar que o fim do consumo de pescado seja a solução para que os mares estejam mais protegidos”, asseverou, garantindo que a resposta está “na forma de pescar e na consciência com que o fazemos”.
Sobre se a pesca industrial pode representar uma maior ameaça aos ecossistemas marinhos e às populações de peixes e de outros animais, Rodrigo Sengo explicou que “a pesca industrial assume um papel relevante, porque grande parte do consumo de pescado a nível mundial advém dessa atividade, pela grande capacidade de captura de pescado”. Por isso, devido às dimensões da atividade, têm maiores impactos sobre os ecossistemas, mas o especialista disse que “se nós não trabalharmos com esse setor não podemos torná-lo mais sustentável”.
“Acreditamos que a pesca industrial tem também um papel a desempenhar na proteção dos oceanos e tem que se transformar”, e a sua certificação é o caminho certo para alcançar esse propósito, indicou. Desde que haja vontade e um foco na sustentabilidade, é possível reduzir os impactos da pesca industrial sobre os oceanos.
Esta segunda-feira, em Lisboa, num evento promovido pelo MSC, foi também debatido o papel dos retalhistas na promoção de um consumo mais sustentável de pescado e sobre a forma como podem atuar como plataformas que coloquem ao alcance dos consumidores produtos da pesca sustentável.
Em conversa com a Green Savers, Elke Muranyi, Corporate Responsability Diretor do Aldi Portugal, contou-nos que a ideia amplamente difundida de que os produtos certificados são mais caros do que os produtos que não o são é, em grande medida, “um mito”, embora reconheça que alguns produtos certificados possam realmente apresentar um preço ligeiramente superior aos restantes.
“Pode haver algum produto certificado em alguma altura que seja mais caro, mas como temos contratos a longo-prazo com alguns fornecedores tentamos equilibrar essas diferenças”, adiantou a responsável, que acredita que os portugueses estão cada vez mais dispostos a comprar produtos certificados. Ainda assim, assume que poderá haver “alguma reticência”, mas acredita que tal se deverá a “falta de informação”, que depois não permite ao consumidor fazer a comparação entre os produtos com certificação e os que não a têm.
Elke Muranyi destacou a importância da comunicação dos produtos certificados, para que o consumidor não tenda apenas a comprar os que são mais conhecidos, mas que, cada vez mais, esteja ciente “das mais-valias dos produtos certificados”.
Contudo, essa mudança de mentalidades e de hábitos de consumo não é algo que aconteça “de um dia para o outro”, e assinalou a importância de sensibilizar e “convencer pela causa”.