Amazónia: “Desflorestação tropical continua apesar de esforços globais para travar a perda de floresta”, alertam cientistas
Mais empresas precisam de assumir e implementar medidas que visem tornar as suas cadeias de valor livres de desflorestação para que seja possível combater a destruição de Amazónia e proteger a diversidade dos ecossistemas.
Um estudo publicado na ‘Environmental Research Letters’ estima que todos os anos 4.800 quilómetros quadrados de floresta amazónica sejam perdidos para a expansão das plantações de soja, à medida que a procura por esse produto agrícola cresce em todo o mundo.
Em 2006, num evento promovido pelo Grupo de Trabalho da Soja, realizado em São Paulo, foi adotada uma moratória que pretendia travar a desflorestação na Amazónia devido ao crescimento das plantações de soja e criar cadeias de abastecimento que não alimentem a destruição dessa floresta tropical.
Contudo, desde então até 2015, os compromissos assumidos pelas empresas para deixarem de comprar soja produzida em zonas desflorestadas permitiram apenas proteger 1,6% da Amazónia brasileira, ou seja, uma área de cerca de 2.300 quilómetros quadrados.
Os investigadores das universidades de Cambridge, Nova Iorque, Boston e Zurique descobriram também que na região do Cerrado, uma área de savana tropical no Brasil, os compromissos assumidos pelas empresas para com o combate à desflorestação “não foram implementados”.
A maioria da soja produzida não é diretamente consumida pelos humanos, sendo principalmente usada para alimento de galinhas, porcos, peixes e gado, além de ser usada para cerca de 27% da produção global de óleos vegetais e é um elemento fundamental de dietas vegetarianas e veganas.
Dizem os cientistas, em que 2021, pelo menos 94 empresas tinham adotado compromissos de ‘desflorestação zero’ para as suas cadeias de abastecimento, mas muitos não terão saído do papel.
Rachael Garrett, do Instituto de Investigação da Conservação da Universidade de Cambridge e uma das autoras do estudo, afirma que “os compromissos ‘desflorestação zero’ são um importante primeiro passo, mas têm de ser implementados para terem efeito sobre as florestas” e que “até ao momento, só as grandes empresas dispõem dos recursos necessários para fazê-lo”.
“Se os comerciantes de soja tivessem realmente implementado os seus compromissos de produção sem desflorestação, os atuais níveis de perda de floresta no Brasil poderiam ter sido reduzidos em cerca de 40%”, diz a especialista.
A desflorestação é a segunda maior fonte, a nível global, de gases com efeito de estufa, depois da queima de combustíveis fósseis, e é um dos principais motores da perda de biodiversidade, da degradação da qualidade de vida de grupos indígenas e do aumento de desigualdades e de conflitos nas regiões onde ocorre.
Dizem os autores do estudo científico que a implementação da ‘moratória da soja’, de cariz voluntário, teve maior expressão na Amazónia brasileira, mas que no Cerrado isso não se verificou. Se as empresas tivessem implementado os seus compromissos nessa região, rica em biodiversidade, “com a mesma eficácia” que se verificou na Amazónia, “a desflorestação devido à soja poderia ter sido reduzida em 46%”, explicam.
Os cientistas argumentam que o setor privado tem um papel central a desempenhar no combate à perda de floresta e na sua conservação, mas salientam também que deve haver um maior apoio por parte das lideranças políticas. E apelam a que os compromissos assumidos pelas empresas que aderiram à ‘moratória da soja’ sejam também implementados no Cerrado, “o que poderá contribuir substancialmente para a conservação da floresta e dos habitats”.