Andrés Harris: “Os arquitectos latinos praticam a mesma arquitectura há 50 anos”
Quando aceitou a nossa proposta de entrevista, o arquitecto chileno Andrés Harris avisou logo: “Não posso responder a perguntas sobre a Foster + Partners, porque temos um acordo de confidencialidade e há uma pessoa no escritório responsável pela comunicação”.
A entrevista, porém, superou as nossas expectativas. Acessível e frontal, Andrés Harris explicou os benefícios da arquitectura biomimética, criticou a falta de inovação dos arquitectos latinos – portugueses incluídos –, e deixou um roteiro para os jovens arquitectos se estabelecer além-fronteiras. Na verdade, o que ele próprio fez, há uns anos.
Andrés Harris é um dos oradores da Urbaverde, a Feira das Cidades Sustentáveis. A sua conferência está marcada para 14 de Abril. Leia a sua entrevista exclusiva ao Green Savers.
O que irá apresentar, em Abril, durante a Urbaverde?
Falarei sobretudo sobre uma nova forma de trabalharmos a sustentabilidade e o design sustentável, sem seguirmos as soluções convencionais que apenas abordam a sustentabilidade à medida que o design é resolvido e utilizando acessórios como painéis fotovoltaicos ou as sombras exteriores.
Explicarei como a arquitectura biomimética é uma solução que tem de ser integrada na fase inicial do design – e como as ferramentas paramétricas permitem-nos gerar design complexo e eficiente.
Dado que o design inspirado na natureza é baseado na complexidade, as técnicas avançadas de design são necessárias não apenas para conseguir essa complexidade mas, sobretudo, para traduzir esta complexidade em técnicas de construção eficientes e que consumam menos tempo.
O que é, exactamente, a arquitectura biométrica?
O design biomimético, ou arquitectura biomimética, é design inspirado na natureza. O design inspirado na natureza está a evoluir há milhares de anos, e a chave para a sua sobrevivência é a adaptação ao ambiente e outras pressões externas. A biomimética é a ciência que vai buscar propriedades aos sistemas naturais (como os animais, plantas ou outros organismos vivos) e às suas estratégias para a adaptação e evolução e adapta-as ao design.
Esta ciência gera uma relação sinergética em que o design, estrutura e performance é integrada num único sistema complexo.
Podemos ver este design, no dia-a-dia, no design de um helicóptero ou o velcro, se falarmos de roupa. Na arquitectura este tema vai mais longe, integrando a estrutura e a performance do design.
Que inovações estão a mudar a arquitectura?
As principais inovações na arquitectura – que eu irei explicar, extensivamente, na minha apresentação – estão a ter lugar no design, processos de fabrico e materiais. O design paramétrico e os novos processo de fabrico estão a mudar a forma como os projectos estão a ser desenhados e construídos, e a grande vantagem é que este facto está a reduzir os constrangimentos para o design, uma vez que tudo o que hoje desenhamos pode ser construído.
No passado, o design estava constrangido por dificuldades de construção e a impossibilidade de construir e fabricar formas e estruturas complexas, como superfícies com curvas duplas, ou estruturas com uma morfologia irregular. Um exemplo disto é o longo e difícil processo pelo qual a Ópera de Sydney passou desde o momento em que o design foi desenvolvido até o dia em que o edifício foi construído.
Hoje em dia podemos desenhar estruturas ainda mais complexas sem o medo de não sermos capazes de as construir.
O Andrés não tinha muita experiência de trabalho antes de chegar à Foster + Partners. Depois, quase imediatamente, começou a trabalhar em grandes projectos, grandes edifícios. Como conseguiu gerir todo este processo?
Na verdade, eu já tinha uns anos de experiência antes de ir para Londres, mas a razão principal pela qual eu me mudei para aqui foi para melhorar os meus conhecimentos e aprender novas estratégias de design.
Pecebi que há uma grande diferença de conhecimento na América Latina e outos países latinos (incluindo Portugal), nos quais o design ainda é influenciado pelos dogmas modernistas. Senti que precisava de fazer qualquer coisa sobre isso e trazer conhecimento avant-garde – e inspiração – dos países europeus que lideram o design, como o Reino Unido, a Holanda ou a Alemanha.
Na arquitectura, se não inovamos acabamos por ficar sentados no nosso diploma e nunca seremos bem-sucedidos. Acabamos por fazer parte de um grande grupo de designers que repetem estilos e ideias de outros.
Os principais arquitectos da Amércia Latina – ou da Península Ibérica – estão a praticar uma arquitectura que não é muito diferente da que era feita há 50 anos. As grandes caixas minimalistas de cimento ou vidro foram feitas pelo Richard Neutra, Eames ou Le Corbusier há meio século e ainda são utilizadas, como fonte de inspiração, na América Latina e Península Ibérica.
Eu quis aprender com o design inovador que está a ser produzido por Rem Koolhas e Zaha Hadid, por isso decidi tirar um curso de pós-graduação na sua escola de arquitectura: a The Architectural Association.
O Norman Foster foi sempre a minha principal fonte de inspiração, desde que decidi tornar-me arquitecto, pelo seu design de alta tecnologia e estratégias de design sustentável. Mas nunca sequer sonhei vir a trabalhar para ele.
Tornei-me pioneiro em design paramétrico na América Latina, fui um dos primeiros arquitectos que conheci esta nova (naquela época) técnica de design e inspirei muitos outros arquitectos, que seguiram as minhas pisadas.
Quero fazer a diferença e acabar com os velhos dogmas de design que ainda estão no activo nos países latinos – e vi muitos outros jovens e talentosos arquitectos e designers com o mesmo sonho e vontade de inovar nos próximos cinco anos.
Quando cheguei à Foster, comecei a trabalhar de pequenas coisas, como resolver alguns problemas de fachadas, com o conhecimento que ganhei no meu primeiro ano em Londres e a experiência que já tinha do Chile. Mas assim que comecei a ganhar mais experiência e confiança, virei-me para o design, trabalhei assuntos mais complexos.
Nasceu – e licenciou-se – no Chile, mas foi para Londres muito cedo. Muitos dos jovens arquitectos portugueses estão desempregados. Que conselhos lhes dá para irem para o estrangeiro?
O meu conselho está relacionado com a resposta anterior. Nunca percam as vossas ambições, mantenham os objectivos o mais alto possível. Estes objectivos e ambições vão liderar o caminho, se não podem completá-los em Portugal, alarguem os vossos horizontes e procurem maneiras de os atingir no estrangeiro, mas nunca se esqueçam de onde vieram e o que podem fazer pelo País que chamam de casa.
Aprendi que este mundo é muito pequeno e que as fronteiras sociais e culturais apenas existem na cabeça das pessoas. Eu tive muita sorte, porque sou fluente em inglês desde jovem, mas já vi pessoas da China e Espanha a trabalhar sem nenhum conhecimento – ou pouco – de inglês. Os seus conhecimentos linguísticos melhoraram durante a sua estadia aqui, por isso a linguagem não é, definitivamente, um obstáculo.
Tem planos para voltar ao Chile? Como está a arquitectura no seu País?
Ando sempre de um lado para outro e acabo sempre por voltar para o Chile. Tenho a ideia de regressar um dia, mas ainda há muito para fazer aqui antes de voltar de vez. Como disse, as fronteiras estão a desaparecer por causa dos avanços na comunicação e o networking, que está a crescer rapidamente, por isso estou certo que no futuro não haverá esta coisa de ter uma casa permanente, até porque podemos estar em todo o lado ao mesmo tempo através da internet e comunicação de banda larga.
A arquitectura no Chile está a mudar rapidamente. Durante muitos anos, no Chile, eram sempre os mesmos arquitectos que construíam, e eles eram inspirados pela arquitectura modernista, como já expliquei. Quando estava a estudar arquitectura, lembro-me de ver coisas minimalistas em todo o lado, inclusive nas revistas de arquitectura, e todos se estavam a copiar.
Mas as coisas estão a mudar, e as novas tecnologias e estratégias de design estão a espalhar-se entre os jovens arquitectos. O facto de o Chile ser rico em recursos naturais, como a madeira, aço e cobre, permitiu uma mudança suave para as novas técnicas, construções e inovações que usam materiais abundantes na natureza.
Ainda há muito a fazer, porém: máquinas de impressão 3D e técnicas que eram desconhecidas há apenas dois anos.
O Chile é conhecido pelos seus sismos. Como pode a arquitectura ajudar a liderar com esta tragédia regular?
Integrando a estrutura no design. A estrutura é crucial na arquitectura, uma vez que define a sua performance contra as pressões naturais extremas. Ao gerar estruturas redundantes que podem com os movimentos laterais e verticais, tornando-as parte do design em vez de transformá-las em grossas vigas e colunas. Isto pode definir um novo estilo de arquitectura.
O Chile tem uma grande experiência de engenharia e os grandes sismos, como o de há dois anos, não causaram os danos dos sismos do Haiti ou Nova Zelândia, países com menos experiência [nestes assuntos].
O sismo do Chile foi de 8.8 na Escala de Richter, contra o de 7.0 do Haiti. Os danos causados pelo sismo do Haiti nas pessoas e nas construções do País ainda estão a ter um tremendo impacto nos dias de hoje. O Chile estava na normalidade alguns dias depois do sismo, o que prova a importância da estrutura integrada nas fases iniciais do design.
Na natureza, a estrutura define os sistemas naturais do design por si só. As árvores, com a sua configuração fibrosa, os animais com os ossos e músculos e as plantas com os seus corpos de água pressurizada.
Conhece a arquitectura portuguesa?
Claro que sim. Conheci o Álvaro Siza quando ainda era estudante, há quase 10 anos, e fiquei muito impressionado com a sua sensibilidade ao detalhe e a sua capacidade de desenhar. Também admiro a arquitectura de Eduardo Souto de Moura, que mereceu o Prémio Pritzker de 2011. Inspirei-me na sua Serpentine Gallery para desenhar o pavilhão chileno para o festival de arquitectura de Londres, há dois anos.
Ainda assim, ainda penso em Portugal como um país latino, onde as pesadas estruturas minimalistas em cimento permanecem dominantes e onde há muito para inovar e investigar.
Em Junho, o Brasil vai receber o Rio+20, a cimeira das Nações Unidas para as alterações climáticas. Os arquitectos sabem que o mundo conta com eles, como líderes, para fazermos a transição para a economia verde?
Toda a teoria da ecomomia verde vai muito além da influência arquitectónica. No escritório onde trabalho, a sustentabilidade sempre foi uma das principais motivações para o design, e todos acreditamos que o mundo pode ser mais verde. Infelizmente, todas as teorias e ideias verdes que os arquitectos, ou outros cientistas, tiveram nos últimos anos, sempre estiverem dependentes do ambiente político envolvente.
A Foster é uma privilegiada por ter a oportunidade de colocar duas novas estratégias de design verde em prática, em MASDAR, um subúrbio de Abu Dhabi neutro em carbono. E temos sido muito bem-sucedidos aí.
Mas é extremamente difícil implementar estratégias verdes na América, China ou Índia, porque as pessoas que estão no poder vêem-nas como uma ameaça à sua própria indústria de produção de energia. Ou porque acham que é mais barato poluir, em vez de investir em estratégias de sustentabilidade caras, que ainda por cima têm benefícios a longo prazo.
Como arquitectos, o nosso papel passa por promover as estratégias verdes silenciosamente, através do nosso design. Ao fazer um edifício verde que contribui para o ambiente, o nosso design torna-se mais eficiente e atrai mais pessoas a adaptar a mesma estratégia – ou a empregar-nos.
A sustentabilidade também pode ser utilizada como uma estratégia de marketing, à medida que se torna um valor adicional no pacote completo. Podemos dizer que não pode geramos um grande design, mas também providenciamos estratégias eficientes e sustentáveis que terão um menor impacto no ambiente. O que quer dizer uma utilização mais eficiente – ou mesmo a produção de energia natural – é algo extremamente atraente no nosso trabalho.
Os edifícios que contribuem para o ambiente tornam-se ícones ou paradigmas e a sua permanência fica garantida.