Artigo de opinião de Álvaro Cidrais: “Estamos todos à rasca”
A geração actual está à rasca? Qual quê! Estamos todos à rasca… incapazes de compreender uma nova sociedade em que os padrões de conduta têm de ser reinventados. Estamos assim porque temos medo de não poder consumir tanto como no passado, querendo mantermo-nos jovens, esbeltos, saudáveis. Revoltamo-nos porque não podemos comprar tanto. Porque percebemos que, afinal, nem tudo são rosas. Temo-nos enganado pelos discursos do progresso.
Há uma sobreposição, num mesmo tempo, de gerações e de concepções muito diferentes da vida. Há formas muito diversas e potentes de aceder e manipular informação, de comunicar, de exercer o poder, de conviver, e que decorrem da evolução das democracias e das tecnologias.
Os mais Kotas, ultrapassados pela intensidade da nova sociedade, das relações que os meios digitais promovem, porque desconhecem e não a entendem, estão incapazes de compreender os padrões comportamentais dos jovens. Apesar de mais informados, perderam o “controlo da vida”! As suas referências estão inadequadas. Estão inseguros e despejam sobre os jovens essa angústia que os acompanha.
Os mais jovens (inexperientes e mimados), sem as referências dos mais velhos (inadaptados a este novo mundo) inventam os seus valores e as suas soluções inovadoras e titubeantes, perante o ar alienado e o ritmo de vida acelerado dos seus pais. Naturalmente, neste turbilhão de acontecimentos, noticiados diariamente sem fim, ficam à rasca. Descobrem, boquiabertos, que, afinal, a vida não é só facilidades e mimo. Há contrariedades e frustrações com as quais têm de lidar. Mas os pais, os meios de comunicação (cada vez menos relevantes) e os professores não os educaram neste sentido. Ensinaram-nos a curtir as coisas boas da vida!
De repente, encontram-se perdidos, inseguros, emocionalmente mal treinados, sobrecarregados de informações e de relações. Vislumbram que, ao contrário do que pensavam, não controlam nem se controlam. Naturalmente, acusam os pais, os professores, os governos e todos os outros por não os terem educado devidamente. Que espanto! Mas, não sabem o que fazer e por isso vão para os blogs e para a rua gritar.
Afinal, o grande problema de Portugal não é a sua economia, nem as finanças, nem a governação incompetente. O problema é muito mais profundo. Tem que ver com a crise de um modelo de progresso (racionalista, individualista, hedonista e competitivo), com a mudança da base tecnológica das relações e com a ausência de uma educação adequada, apesar de haver muito mais instrução e competência técnica.
A solução deste assunto passa pelo conceito de Educare (fazer emergir do interior da pessoa aquilo que ela tem de melhor) e pela adaptação de todas as gerações aos novos mundos das relações mediadas pelos meios digitais de informação e comunicação (móvel e fixa).
Continuando assim, incapazes de mudar o paradigma da educação (e dos ensinos) e em dificuldades para redefinir os valores mais adequados à sã convivência num mundo novo, investidos em analisar os problemas apenas pela componente económica, caminhamos para a perpetuação do problema e para vir a ter mais gerações «à rasca», incapazes de pensar e de fazer o que necessitam para deixar de se sentirem frustradas porque não podem consumir tanto.
Mas há um resultado positivo… ou talvez não! Consumindo menos, poderemos fazer durar um pouco mais os recursos esgotáveis deste planeta. Mas, com elevados níveis de frustração por não termos o que queremos, tendemos para os conflitos violentos. Deus nos acuda!
*Álvaro Cidrais é licenciado em Geografia e Mestre em Geografia Humana: Desenvolvimento Regional, sendo actualmente docente universitário na Universidade Lusíada de Lisboa, consultor/assessor de gestão e formador, trabalhando como consultor independente em áreas relacionadas com a sua especialização. Foi ainda co-autor de dois livros com Xosé Manuel Souto, da Universidade de Vigo, designadamente “Planeamento Estratéxico de Mercadotecnia Territorial” e “História do Eixo Atlântico”.
Recorde aqui outros artigos de opinião deste colunista.