Até 400 milhões de pessoas poderão ser deslocadas pela subida do nível do mar
O ritmo atual de subida do nível do mar levará entre 250 e 400 milhões de pessoas a precisarem “de novas casas, em novos locais” em menos de 80 anos, alertou ontem o presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Num debate aberto de nível ministerial sobre o aumento do nível do mar e as suas implicações para a paz e segurança internacional, no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), Csaba Korosi citou dados do Programa Mundial de Investigação Climática que dão conta de um aumento do nível do mar de 1 a 1,6 metros até 2100.
Korosi frisou que o deslocamento de centenas de milhões de pessoas associado a esse aumento, representará um risco à segurança internacional.
Csaba Korosi levantou ainda questões de soberania territorial, indicando que a subida do nível do mar induzido pelas alterações climáticas também está a provocar novas questões legais que estão no cerne da identidade nacional.
“O que acontece com a soberania de uma nação, ou membro da ONU, se ela afundar no mar? Existem regras sobre a criação de Estados, mas nenhuma sobre seu desaparecimento físico. Quem cuida das populações deslocadas? Ou como as primeiras mudanças nas linhas costeiras influenciariam as fronteiras marítimas? E como isso afetaria as zonas económicas exclusivas?”, questionou o presidente da Assembleia-Geral da ONU.
“Com boa parte da agricultura global concentrada em planícies costeiras e ilhas baixas, o aumento do nível do mar também está a trazer à tona questões de longo prazo sobre a sobrevivência da humanidade”, observou ainda o diplomata húngaro.
Apesar de salientar que a Comissão de Direito Internacional e o Sexto Comité da Assembleia-Geral assumiram uma postura proativa ao considerar essas questões para debate urgente, Korosi pediu uma maior ação climática.
“Conhecemos os riscos e vemos as incertezas e instabilidades que vamos enfrentar. E não podemos duvidar que isso abrirá as portas para conflitos e disputas, colocando em risco a paz e a segurança globais. E onde esta porta estiver aberta, este Conselho tem a responsabilidade de agir”, disse ainda, dirigindo-se ao Conselho de Segurança da ONU, responsável por zelar pela paz e segurança internacionais.
É fundamental investir na prevenção hoje, em vez de abordar as implicações da escassez de alimentos ou da migração amanhã, sublinhou ainda Korosi.
“Já temos crises suficientes para lidar. (…) Imploro ao Conselho que assuma o seu papel nesse esforço coletivo. Se não, temo que a Assembleia-Geral da ONU em 2050 represente menos de 193 Estados-Membros”, concluiu, aludindo a um eventual desaparecimento de Estados devido à subida do nível do mar.
A reunião de hoje, presidida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta, Ian Borg, contou ainda com um ‘briefing’ do secretário-geral da ONU, António Guterres, que afirmou que os “mares a subir são futuros a afundar”, frisando que a elevação do nível do mar é um multiplicador de ameaças.
Citando dados da Organização Meteorológica Mundial, Guterres afirmou que os níveis médios globais do mar aumentaram mais rapidamente desde 1900 do que em qualquer século anterior nos últimos 3.000 anos.
Além disso, o oceano como um todo aqueceu mais rápido no último século do que em qualquer outro momento nos últimos 11.000 anos, referiu.
De acordo com o ex-primeiro-ministro português, o perigo é especialmente agudo para quase 900 milhões de pessoas que vivem em zonas costeiras: “uma em cada dez pessoas” no mundo.
“As consequências de tudo isto são impensáveis. Comunidades de baixa altitude e países inteiros podem desaparecer para sempre. Assistiríamos a um êxodo em massa de populações inteiras em escala bíblica e veríamos uma competição cada vez mais acirrada por água doce, terra e outros recursos”, anteviu António Guterres, indicando que a elevação do nível do mar já está a criar novas fontes de instabilidade e conflito.
A subida do nível do mar e outros impactos climáticos já estão a forçar algumas realocações em locais como Fiji, Vanuatu, Ilhas Salomão, entre outros, de acordo com a ONU.
Malta, que preside este mês ao Conselho de Segurança da ONU, indicou que o objetivo deste debate aberto é explorar como o órgão pode enfrentar os riscos associados ao aumento do nível do mar na arquitetura da segurança global e investir em mecanismos preventivos.