Bernardo Rodrigues Augusto, EY: “Os retalhistas de vestuário têm de sensibilizar os consumidores para o valor dos direitos humanos”



Não há outsourcing que seja eficaz na garantia da reputação de uma organização que não tenha preocupações ligadas à sustentabilidade e direitos humanos, incluindo na área do retalho. “A circulação de informação nas nossas sociedades mediatizadas, juntamente com uma crescente rastreabilidade de matérias-primas e produtos acabados, leva a que o risco reputacional seja demasiadamente elevado e dissuasor de uma atitude facilitista nestes domínios”, explicou ao Green Savers Bernardo Rodrigues Augusto.

Em entrevista ao Green Savers, o manager da área de Climate Change and Sustainability Services da EY afirma que as empresas são cada vez mais chamadas a reportar de forma transparente – e que isto não inclui apenas o seu desempenho de sustentabilidade.

A área da EY dedicada às alterações climáticas e sustentabilidade vai completar o seu primeiro ano em Abril. Que balanço faz dos últimos 12 meses?

Um balanço necessariamente positivo, porquanto foi possível à EY passar a oferecer aos seus clientes uma oferta integrada de serviços na área da sustentabilidade, beneficiando da conjugação de esforços entre as linhas de serviço já existentes e os recursos e experiência que a EY a nível global desenvolve nesta área desde 1992. Este primeiro ano de actividade foi marcado pela afirmação da marca EY na área da sustentabilidade a nível nacional, algo que se procurou fazer através do estabelecimento de parcerias estratégicas com uma multiplicidade de actores na esfera pública e empresarial. Um exemplo do que acabei de referir é a parceria estabelecida com o Green Project Awards para verificação da edição de 2015 do GPA.

Quais os principais projectos trabalhados pela sua equipa no último ano e quais as perspectivas para o curto e médio prazo?

Como marcos importantes no caminho trilhado até agora, destacaria a integração plena da prática portuguesa nos cerca de 700 profissionais à escala global que trabalham em sustentabilidade na EY e a nossa articulação crescente com as equipas da região do Mediterrâneo, onde temos cerca de 70 pessoas dedicadas a estas temáticas. Um dos pontos altos alcançados passou pela certificação da EY Angola enquanto parceiro certificado da Global Reporting Initiative para a África Subsaariana, o que nos coloca numa posição privilegiada para contribuir para a capacitação do capital humano de Angola e de um conjunto de 16 outros países africanos, onde importa destacar igualmente Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

No curto-médio prazo a nossa estratégia passa pela continuação do investimento na formação de equipas multidisciplinares que permitam suportar a procura crescente do mercado em Portugal e Angola, em três áreas que a EY elegeu à escala global como prioritárias em matéria de sustentabilidade: a avaliação do valor total de uma organização nas suas dimensões ambientais, sociais e económicas, a gestão sustentável de cadeias de fornecedores e o apoio aos nossos clientes na transição para um modelo de relato integrado.

O que motivou a EY a lançar uma área tão específica dentro da sua estrutura, em Portugal?

Fomos motivados essencialmente pela necessidade de serviços integrados que os nossos clientes manifestavam nesta área. A transição para novos modelos de produção e consumo sustentável, a mudança de paradigma no que respeita à transparência e prestação de contas, a necessidade de as organizações olharem para além dos seus limites organizacionais, criando valor para todas as partes interessadas e não apenas para os seus accionistas, conduzem à necessidade de uma nova geração de serviços profissionais, que de forma inovadora integre a sustentabilidade na sua oferta. Esta aposta na integração entre linhas de serviço levou a que naturalmente a EY procurasse que as suas equipas passassem a contar com estas valências. A estratégia global de crescimento da empresa para 2020, suportada na visão “Building a Better Working World” criou igualmente o contexto para que à escala nacional surgisse a oportunidade de oferecer serviços na área da sustentabilidade.

O que faz a EY para melhorar os objectivos de sustentabilidade dos seus clientes e aconselhar os clientes a tomar as melhores decisões nesta área?

Na EY olhamos para as organizações nossas clientes numa perspectiva alargada e estratégica. As empresas têm que integrar a sustentabilidade na sua estratégia de negócio não segundo uma lógica de compartimentação mas porque tal é essencial para a resiliência da organização no longo prazo. A primeira pergunta que colocamos aos nossos clientes é se têm uma ideia clara sobre quais as oportunidades e riscos decorrentes da sustentabilidade. Nem sempre esta relação é clara. O mundo actual encontra-se num processo de reanálise dos aspectos fundamentais da relação entre economia e recursos naturais, e qualquer empresa que não internalize estes factores no seu planeamento e alocação de risco dos seus activos coloca-se numa posição de fragilidade competitiva com reflexos negativos no médio-longo prazo.

Gostaria de referir ainda que os objectivos de sustentabilidade não podem, eu diria mesmo, não devem, ser dissociados dos objectivos de negócio das organizações. Essa é a nossa abordagem com as organizações que nos procuram. Por outro lado, tomar decisões numa qualquer organização relativamente a temáticas complexas como as que normalmente estão em causa em sustentabilidade, implica recolher informação que muitas vezes não está disponível. A identificação dessas necessidades de informação e a internalização desses indicadores nos sistemas de informação já existentes é imprescindível para informar as decisões nestas matérias.

As empresas portuguesas estão no bom caminho para melhorarem as suas práticas de sustentabilidade ou ainda há muito trabalho a fazer para que tal aconteça? Porquê?

O tecido empresarial nacional tem vindo a evoluir nestas matérias, fruto de trinta anos de políticas ambientais em Portugal, de um crescente escrutínio social mas também do facto de ser cada vez mais clara a ligação entre competitividade e sustentabilidade. As organizações que implementam boas práticas de sustentabilidade tornam-se mais atractivas como empregadores, têm um melhor relacionamento com as autoridades públicas e introduzem factores de diferenciação que no final permitem não só manter a licença social para operar como também subir na cadeia de valor. Neste último ponto está amplamente demonstrada a relação profícua entre inovação e sustentabilidade. Claro que ao olharmos para o panorama nacional temos um situação heterogénea, com algumas grandes empresas e PME a terem uma actuação de referência, mesmo a nível internacional, nestas matérias e com algum tecido empresarial ainda a necessitar de percorrer um longo caminho. As associações empresariais têm tido um papel fundamental na capacitação dos seus associados nestas matérias e na divulgação de boas práticas, o que permite encarar com algum optimismo o futuro.

 

Apesar de a sustentabilidade, desde há muito, ser um tema mediático e que capta a atenção dos consumidores e colaboradores das empresas, a verdade é que existem dezenas de grandes multinacionais que não conseguem descolar da mediania aceitável – um exemplo é a indústria têxtil, que não consegue melhorar a condições de vida dos trabalhadores dos fornecedores, nos países asiáticos. O que leva uma empresa com reputação global as perpetrar – e perpetuar – estas práticas?

A existência de práticas dessa natureza existirá sempre. A solução passa por aumentar a transparência e prestação de contas na cadeia de fornecedores, dando força a iniciativas já existentes como por exemplo a Business Social Compliance Initiative; disseminando a adopção de códigos de conduta e normas voluntárias como a SA8000 e contribuindo para o nivelamento das exigências legais existentes em matéria de direitos humanos, condições de trabalho e requisitos de protecção ambiental. Só assim é que as assimetrias actualmente existentes nos quadros legais vigentes nas várias regiões à escala global, elas próprias indutoras de distorções que incentivam o dumping social e ambiental, podem desaparecer. A EY com base na sua experiência internacional em matéria de auditoria social e ambiental a cadeias de fornecimento publicou, em 2014, o estudo Human Rights and Professional Wrongs, que apresenta um conjunto de aspectos chave para melhorar o desempenho das empresas nesta área, relativamente aos quais destaco o facto de as empresas terem de incorporar as preocupações com os direitos humanos muito mais cedo no seu ciclo de negócios; embora seja muito positivo o reforço das práticas de auditoria de conformidade social, estas são realizadas quando já foram tomadas as decisões mais importantes a esse nível.

 

Por outro lado, as empresas devem apostar em relações mais longas com um menor número de fornecedores. No mundo da ‘fast fashion’, muitas fábricas são seleccionadas e preteridas em função do preço e do prazo de entrega, o que prejudica a qualidade da relação comercial e desencoraja as fábricas a investirem verdadeiramente nas condições de trabalho.

 

Finalmente, os retalhistas de vestuário têm de sensibilizar os consumidores para o valor dos direitos humanos. Uma melhoria significativa nos direitos humanos ao nível do contrato de fabrico tem obrigatoriamente de se reflectir na subida de preços. Se a empresa souber comunicar a melhoria dos atributos sociais e ambientais dos seus produtos os consumidores terão isso em consideração.

 

O facto de muitas empresas se esconderem debaixo do véu do outsourcing evita que a sua reputação saia incólume de uma tragédia humana – ligada ao desabamento de uma fábrica, por exemplo?

Não me parece que o recurso ao outsourcing seja eficaz na garantia da reputação de uma organização que não tenha preocupações deste tipo. A circulação de informação nas nossas sociedades mediatizadas, juntamente com uma crescente rastreabilidade de matérias-primas e produtos acabados, leva a que o risco reputacional seja demasiadamente elevado e dissuasor de uma atitude facilitista nestes domínios. Cada vez mais as empresas são chamadas a reportar de forma transparente, não só o desempenho de sustentabilidade dentro dos seus limites organizacionais, como também ao longo da sua cadeia de fornecedores. Esta tendência foi, aliás, reforçada pela publicação das novas directrizes da GRI em Maio de 2013, que veio incorporar um conjunto de requisitos de relato adicional em matéria de direitos humanos.

As empresas portuguesas já sabem que a sustentabilidade vai bastante além de objectivos ligados ao ambiente, e que se espalha pelos ramos social e económico, entre outros?

A sensibilidade das empresas para essas questões começa a ser uma realidade, muito por mérito do trabalho de algumas associações que se dedicam a elas desde os anos 90 do século passado, para além de um conjunto de iniciativas de carácter sectorial no âmbito da responsabilidade social e da inovação que têm permitido dar visibilidade a estas temáticas. Destacaria pelo seu carácter transversal, entre outros, o trabalho realizado até ao momento pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, pelo GRACE e pela Rede Portuguesa de Responsabilidade Social nas Organizações, que têm sido fóruns privilegiados de disseminação de boas práticas e informação nestes domínios.

E já sabem que as auditoras independentes são importantes, estrategicamente, para garantir a máxima eficiência das suas políticas de transparência, responsabilidade social e ambiental?

Os processos de obtenção de garantia externa de fiabilidade relativamente a informação de sustentabilidade são uma componente fundamental na credibilidade da divulgação de informação não-financeira. Apesar de em Portugal se revestirem de carácter voluntário, a sujeição, por exemplo, de um relatório de sustentabilidade a um processo deste tipo reveste-se de grande utilidade, porquanto permite às empresas uma visão externa sobre os processos de elaboração do relatório e dos processos de obtenção e gestão da informação que lhe estão subjacentes. Tem portanto um valor que vai muito além do ganho de credibilidade externa obtida através da emissão de um relatório independente a atestar a robustez e completude da informação divulgada, apresentando benefícios ao nível da melhoria dos processos internos de reporting. Apesar dos benefícios, apenas 1/3 das organizações que reportam em Portugal verificam externamente o seu relatório, o que coloca o desafio de demonstrar às empresas as mais-valias da utilização deste instrumento.

Há muito que se diz que a consciência ambiental e social tem de começar a administração das empresas. No entanto, em Portugal, não é isso que transpira para fora das empresas. O que tem de mudar na mente dos gestores para olhar para a sustentabilidade como um verdadeiro driver do negócio, tão essencial como outras variáveis para o sucesso das empresas?

Os gestores, tal como os restantes profissionais que constituem uma organização, norteiam as suas acções por um quadro conceptual e técnico que decorre da sua formação académica e pessoal. Mudar este quadro implica necessariamente olhar para a formação de bases destes profissionais e para a formação específica ao nível dos curricula dos cursos de gestão sobre questões de sustentabilidade. Para lá desta dimensão mais estrutural, que tem vindo a alterar-se, é necessário que os gestores tenham acesso a informação que lhes permita construir (e defender) um business case que demonstre que a sustentabilidade aporta valor e que a internalização destas questões nas estratégias empresariais permite um melhor aproveitamento de oportunidades com reflexo económico e financeiro no longo prazo. Esta é, aliás, uma das áreas estratégicas em que trabalhamos actualmente na EY, a valoração de activos intangíveis, de externalidades ambientais e sociais, de modo a que as dimensões que actualmente não têm reflexo na informação financeira das empresas





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