11 veados libertados no Parque Natural Sintra-Cascais para ajudar na prevenção de incêndios (com vídeo)
A Cascais Ambiente introduziu, esta quinta-feira, 11 veados no Parque Natural Sintra-Cascais, como parte de um plano alargado de reordenamento da paisagem que conta com várias medidas, nomeadamente, a paisagem mosaico.
Em declarações à Green Savers Carlos Carreiras, Presidente da Câmara Municipal de Cascais, explicou que o fogo rural de 2018 levou a uma “reflexão profunda sobre a forma como estamos a gerir este território e como o mesmo tem evoluído ao longo dos últimos 50 anos face às dinâmicas económicas e sociais inerentes a um território como Cascais”. Assim, acrescentou, foi desenvolvido um plano estratégico, denominado Plano de Paisagem, que identifica estas questões e define objetivos a médio e longo prazo para a gestão integrada deste território, que tem uma área de 3000 hectares.
O plano prevê o envolvimento dos proprietários dos terrenos rústicos que detêm mais de 50% da área, “pelo que qualquer estratégia à escala da paisagem implica o envolvimento de todos, neste caso não só os proprietários, mas todos aqueles que vivem e trabalham neste território de parque natural”, sublinhou o autarca.
Além da gestão da paisagem, este plano visa a sua adaptação às alterações climáticas e ao risco de incêndio. “Ou seja, admitindo que o fogo faz parte da nossa dinâmica e que irá sempre ocorrer, este plano pretende reduzir a intensidade, severidade e frequência através de modelos de gestão que confirmam descontinuidades, proporcionando melhores condições para o combate e extinção”, explicou.
Dimensão ecológica, económica e social
Para o Presidente da Câmara Municipal de Cascais, o plano tem uma dimensão ecológica dado que as medidas preconizadas nos modelos de gestão, “além da redução do risco, conferem oportunidades através de uma paisagem de mosaico que permite que outras espécies da nossa fauna e flora se instalem face ao aumento da complexidade estrutural da vegetação, ou seja: mais nichos ecológicos, mais diversidade”.
E prevê ainda duas outras dimensões: uma associada à dinâmica económica e social com a reativação de um ecossistema agrícola local, muito presente na zona da Malveira da Serra, com modelo agroecológico. Esta dimensão “tem um papel determinante na proteção das aldeias dado que a agricultura proporciona, per si, descontinuidade”, sublinhou, alertando que “também é importante promover a dinâmica económica através da reativação de um mercado saloio, proporcionando emprego e valor acrescentado para esta zona que já foi agrícola e que agora está mais suscetível aos fogos rurais”.
A outra, continuou, está associada ao turismo de natureza que “necessita de um conjunto de pressupostos para poder operar, nomeadamente a segurança, o ordenamento do território e a parceria entre os operadores de modo a termos um produto estruturado que acrescente valor em toda a sua linha de operação”, desde a restauração e alojamento ao guia turístico. “Todos temos de estar cientes da importância de salvaguardar este território que para uns é a sua área de residência e de negócio, para outros o seu recreio e espaço de lazer”, apontou.
“Estes animais vão estar num cercado com 240 hectares, que pretendem de futuro aumentar, em regime livre, desenvolvendo a sua atividade social e modelando a paisagem em complemento com os demais animais”, Carlos Carreiras
Os veados, 10 fêmeas e um macho, “são o culminar da introdução de um conjunto de outros animais herbívoros como cavalos garranos e sorraias, burros mirandeses, vacas maronesas e corços, que se complementam na gestão da paisagem”. Carlos Carreiras explicou que cada uma destas espécies foi selecionada tendo por base a sua distribuição geográfica, mas também a sua dieta alimentar, “facto determinante face aos objetos de redução da biomassa e contribuição para a redução do risco de incêndio”. Estes animais vão estar num cercado com 240 hectares, que pretendem de futuro aumentar, em regime livre, desenvolvendo a sua atividade social e modelando a paisagem em complemento com os demais animais, revelou.
Plano já deu frutos no incêndio do ano passado
Este ordenamento já deu os seus frutos, já que, no ano passado, houve um fogo no PNS-C que progrediu lentamente o que permitiu, a par da geolocalização dos animais, retirar os cavalos Sorraia do cercado em boas condições.
O autarca defende que o papel da herbivoria neste território “tem um impacto a médio-longo prazo, em particular na manutenção da vegetação nas áreas que foram estrategicamente abertas mecanicamente ou recorrendo a fogo controlado”. Estas clareiras abertas em zonas de matos, acrescentou, “proporcionaram descontinuidade horizontal tendo, em algumas zonas, impedido as progressões, noutras desaceleraram a velocidade de progressão”. Estes animais ao pastarem nestas clareiras “asseguram descontinuidade e, simultaneamente, promovem oportunidade para que outras espécies ocorram, como as orquídeas, tendo já sido identificadas na Quinta do Pisão cerca de 22 espécies”, sublinhou.
Questionado sobre que que medidas de estabilização e recuperação da área ardida estão a implementar, o governante explicou que o município de Cascais tem na Cascais Ambiente uma equipa que, face às vicissitudes, se especializou no planeamento e execução de planos de pré-emergência. “Assim que um episódio de fogo rural ocorre, além de acompanhar o teatro de operações, esta equipa vai para o terreno após a extinção do fogo e avalia os danos face à intensidade/severidade do incêndio”, garantiu.
Com esta análise, continuou, identificam-se os riscos inerentes como perda de solo por erosão, contaminação por invasão biológica, contaminação de linhas de água, entre outros, e são definidas áreas prioritárias para restauração ecológica. Segundo o responsável, as medidas são várias “mas compreendem sementeiras de gramíneas anuais em zonas de declive para estabilização do solo face às suas raízes fasciculadas, a utilização de estilha de madeira para conferir estrutura e fibra, a construção de barreiras de retenção de cinzas nas linhas de água recorrendo a pedras ou fardos de palha, ao nível de material carbonizado deve-se permitir rapidamente a sua reincorporação no solo para reduzir a erosão e funcionar como armadilha de sementes que se fixam nestes cordões. Será aqui que as plantas pioneiras vão iniciar o processo de recolonização do território afetado”.
A Quinta do Pisão e o Cercado de Vida Selvagem
Neste evento em que foram introduzidos os animais, foi também apresentado o projeto “a Quinta do Pisão e o Cercado de Vida Selvagem”. O arquiteto João Melo revelou à Green Savers que a Quinta do Pisão, parque de Natureza, “representa uma porta de entrada para o Parque Natural de Sintra-Cascais, uma paisagem moldada pelo Homem desde o período do neolítico, hoje em dia um local de referência para a população e um laboratório de paisagem para a comunidade científica”. Este cercado, explicou, tem por objetivo “reintroduzir a megafauna na paisagem de modo a restabelecer uma dinâmica ecológica que foi perdida quando o Homem caçou até a extinção ou destruiu o habitat natural”.
Com esta área de pastoreio em regime livre, “voltamos a ter novamente no parque natural estes animais como modeladores da paisagem, que contribuem diretamente na gestão do território numa perspetiva de ecologia funcional, ou seja, o papel do veado ou cavalo em particular, mas o impacto que este tem ao exercer a sua atividade num determinado território”. O transporte e a disseminação de sementes ou a transferência de matéria orgânica através dos seus excrementos “são alguns exemplos de como estes herbívoros contribuem através de processos estocásticos para que outras espécies de plantas e aves ou mesmo mamíferos possam regressar a esta paisagem”, sublinhou.
Maiores desafios e expectativas para o futuro
Sobre os maiores desafios à implementação deste projeto, revelou que se prendem, “por estranho que pareça, com o fator humano, a capacidade que temos de ter para reaprender a conviver com animais selvagens. Esta coexistência é determinante para o sucesso da operação”.
“Os maiores desafios prendem-se, por estranho que pareça, com o fator humano, a capacidade que temos de ter para reaprender a conviver com animais selvagens”, João Melo
Por isso, acrescentou, “temos vindo a realizar sessões de esclarecimento junto da população local no sentido explicar as mais valias da presença destes animais na traseira das suas casas, os cuidados que devem ter quando passeiam neste território, manter a distância de segurança, o cão sempre com trela, não alimentar ou perturbar os animais, enfim, dar espaço à natureza, mudarmos a nossa forma de olhar para a paisagem que ainda é muito egocêntrica para uma dimensão mais ecocêntrica”.
Para o futuro, a ideia será aumentar esta área de influência, com a expansão para outros territórios em áreas do parque natural, de modo a conferir escala e mais impacto. Para tal, explicou, “é necessário envolver os proprietários dos terrenos rústicos que em parceria com o município e sem qualquer tipo de encargos, podem assim ver os seus terrenos geridos, limpos de matos e protegidos da devassa”.
Por outro lado, o desenvolvimento de uma dinâmica territorial distinta associada ao turismo de natureza com a formalização da Malveira da Serra como um hub para este tipo de atividade, turismo e natureza onde se inclui o desporto aventura. “Este é um vetor estratégico que Cascais tem vindo a fazer, que se reflete na atribuição do Galardão Platina pela organização Green Destinations, que reconhece os destinos mais sustentáveis a nível mundial”, concluiu.
Veja aqui o vídeo com o momento da libertação dos veados.