Cidades Resilientes



Por Mariana Schmidt
Co-founder MNMA
mnma.com.br

 

“Cities have the capability of providing something for everybody, only because, and only when, they are created by everybody.”
Jane Jacobs

Estima-se que 75% da humanidade estará concentrada em centros urbanos até 2050.

A crise do espaço público de qualidade é muito maior em países que, neste último século, lutaram contra problemas socioeconómicos, onde a grande preocupação não foi criar espaços públicos novos, mas sim atender às necessidades básicas de infraestrutura para as suas populações que não pararam de crescer.

Em exemplos opostos, temos os países Latinos e os países Asiáticos, que durante o século XX procuraram resolver os seus problemas de infraestrutura urbana de forma muito diferente.

A Ásia, com seu boom económico dos últimos anos, traz o contraste das suas cidades onde a história milenar e os maiores avanços tecnológicos convivem lado a lado, mas não necessariamente de forma harmoniosa. A cidade de Kobe, no Japão, ergue-se como a expressão desta nova era tecno-urbana das cidades asiáticas, mesmo depois da devastação do terremoto de 1995, e possui hoje os mais avançados conceitos de tecnologia aliada à construção civil, transformados em infraestrutura urbana: recolha seletiva de lixo e reciclagem do esgoto de toda a região com o reaproveitamento de toda a rede elétrica subterrânea, controlados por sistemas computadorizados. Tudo isto envolto numa arquitetura que lembra o menos possível a sua função.

Na América Latina é mais evidente a forma como as cidades convivem com os problemas que se arrastam por séculos. Procuram-se novas áreas para a expansão imobiliária a passos rápidos, enquanto os excluídos do sistema ainda se amontoam nas favelas enquanto os problemas terceiro-mundistas ficam sem solução.

Mesmo tendo em conta considerações históricas e económicas como pontos de partida para a justificativa das diferentes formas de constituição dos espaços públicos, há fatores culturais e individuais que pesam no design do coletivo. Veja-se o exemplo de Nova Iorque que produz aproximadamente 24 000 toneladas de lixo por dia. Grande parte deste lixo é transportado para aterros sanitários em lugares distantes onde polui o solo e a água, e é um sistema extremamente ineficiente que custa à cidade mais de mil milhões de dólares por ano.

As cidades europeias, como Berlim, Paris e Barcelona, têm como principal desafio o fenómeno atual das migrações somado aos seus processos históricos, para se estabelecer novos parâmetros de espaços urbanos para o século XXI.
A consequência deste multiculturalismo é conceber espaços públicos que permitam relações não segregadas e que as limitações de fronteiras não se estabeleçam para o contínuo desenho atual desse novo momento urbano.

Qual é a cidade que nós queremos?

Mais do que simplesmente definir e construir espaços públicos, precisamos de dialogar sobre os mesmos.

As pessoas que estão fora do campo do planeamento urbano já estão a perceber as contribuições vitais que o urbanismo faz à nossa qualidade de vida: inserir natureza, preservar a memória cultural, reforçar as nossas responsabilidades coletivas, apoiar a expressão democrática e as manifestações artísticas.

Para além das definições, devemos fazer com que a Arquitetura seja sempre um instrumento de ação, um trabalho de fronteira: é impossível defini-la com precisão, e permeia outros territórios que ultrapassam o domínio da própria ação da Arquitetura.

Desenhar o espaço público significa fortalecer relacionamentos interpessoais significativos com dinamismo. Porque estes espaços devem ser visivelmente moldados pelas pessoas que os ocupam, de tal forma que a iconografia e a programação correspondam aos indivíduos da comunidade. Através destas representações físicas, os utilizadores destes espaços públicos começam, no seu quotidiano, a desenvolver um sentimento de pertença, propriedade e acolhimento dentro da identidade local partilhada.

Para exemplificar, incluo três casos muito interessantes.  A revitalização de um espaço subutilizado que se transformou com o uso de materiais locais numa área para crianças na região de Uraycamuy, Bolívia; a recuperação e conservação do rio Cheonggyecheon, em Seul; e o fecho de dois eixos viários principais da cidade de São Paulo, no Brasil, para o uso da comunidade: Av. Paulista e Viaduto João Goulart.

Uraycamuy, na Bolívia. Foto: Lara Piticido
Uraycamuy, na Bolívia. Foto: Lara Piticido
Uraycamuy, na Bolívia. Foto: Lara Piticido
Cheonggyecheon River, em Seul. Foto: Archdaily
Cheonggyecheon River, em Seul. Foto: Archdaily
Cheonggyecheon River, em Seul. Foto: Archdaily
Cheonggyecheon River, em Seul. Foto: Archdaily
Cheonggyecheon River, em Seul. Foto: Archdaily
Av Paulista, em São Paulo, Brasil. Foto: Facundo Guerra
Av Paulista, em São Paulo, Brasil. Foto: Facundo Guerra

Nestes projetos, há uma reavaliação do uso e da apropriação do espaço e vê-se bem o quanto as cidades precisam cada vez mais de lugares que operem o senso coletivo e se tornem modelos do que pode acontecer quando diversas organizações trabalham juntamente com os habitantes, fazendo com que valorizem e reconheçam os espaços à sua volta.

Neste contexto, um bom exemplo de iniciativa é o projeto 100RC idealizado pela Rockefeller Foundation, que apoia a adoção e incorporação de uma visão de resiliência que inclua não apenas os “choques” – terramotos, incêndios, inundações – mas também os stresses que enfraquecem o tecido de uma cidade. Exemplos disto são o desemprego, os sistemas de transporte público sobrecarregados ou ineficientes, falta de espaços públicos, violência endémica ou escassez crónica de alimentos e água. Ao abordar tanto os choques como as tensões, a cidade torna-se mais capaz de responder a eventos adversos e, em geral, é mais capaz de fornecer funções básicas em bons e maus momentos para toda a população.

Outro projeto que demonstra como a ação conjunta pode promover impactos em diferentes escalas é o Designing Waste: Strategies for the Zero Waste City, criado para ajudar a cidade de Nova Iorque a atingir a sua meta de reduzir o desperdício para aterros sanitários em 90% em doze anos. O projeto foi levado a cabo por uma grande equipa colaborativa de arquitetos, planeadores, proprietários de edifícios, gerentes e operadores e transportadores de resíduos, que trabalhou em conjunto para criar as Diretrizes de Design Zero de Resíduos.

Lixo acumulado em NY, EUA. Foto: Zero Waste City
Imagem: Zero Waste City

Independentemente do continente em que se viva, a responsabilidade final de construir a comunidade e sustentar a democracia pertence a cada um de nós individualmente – devemos desafiar-nos a reservar tempo para ser o público que ocupa esses espaços e definir seu curso.

 





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