CIGRÉ: a associação fundada em 1921 que vai ajudar na descarbonização dos sistemas eléctricos



No final de Fevereiro, a REN recebeu, nas suas instalações de Sacavém, o Encontro Anual do CIGRÉ Portugal, uma reunião que reuniu vários especialistas do sector eléctrico e abriu com uma sessão sobre o “Relacionamento TSO-DSO (entre operadores de Transporte e Distribuição) no futuro Sistema Eléctrico Europeu”, um dos temas do futuro do sector. “É um tema que está na ordem do dia e que vai colocar em confronto duas tendências opostas, o que nos leva a querer pensar como vai ser futuro”, explicou, na ocasião, Victor Baptista, presidente do Comité Nacional da entidade.

Fundado em 1921, em Paris, o CIGRÉ (Conselho Internacional das Grandes Redes Eléctricas) é uma associação sem fins lucrativos que promove a colaboração entre especialistas de todo o mundo, incentivando-os a partilhar conhecimento e unir forças para melhorar os sistemas eléctricos de hoje e amanhã.

Em Portugal, o CIGRÉ chegou na década de 60, ainda que o primeiro membro colectivo tenha-se inscrito em 1947. “A acção do CIGRÉ assenta na promoção e organização da colaboração entre especialistas de todo o mundo, através da criação de uma plataforma de partilha de conhecimentos com vista à melhoria contínua dos sistemas de energia eléctrica”, explicou ao Green Savers Pedro Cabral, secretário-geral do CIGRÉ.

A participação no CIGRÉ constitui, assim, uma forma de actualização e formação contínua dos técnicos das utilities de transporte de energia eléctrica e de gestão dos sistemas eléctricos nacionais de todo o mundo.

“É um instrumento fundamental na procura e desenvolvimento das soluções necessárias a responder aos desafios que os sistemas eléctricos têm pela frente: descarbonização, sustentabilidade económica, produção descentralizada e participação dos consumidores nos mercados”, revelou Pedro Cabral.

Em Portugal, o comité do CIGRÉ é de “pequena dimensão”, admite Pedro Cabral, sendo constituído por 40 membros individuais e 11 colectivos, entre os quais a REN, que acolheu a reunião. Ainda assim, deverá em breve passar a ter representação em 15 dos 16 Comités de Estudo, através de membros regulares ou de membros observadores, e em mais de 30 Grupos de Trabalhos.

Das iniciativas de divulgação do trabalho do CIGRÉ desenvolvidas pelo Comité Nacional Português, nos últimos anos, destacam-se a Reunião Anual do Comité de Estudo C3 “System Environmental Performance”, em Setembro de 2009, à qual esteve associado o Colóquio Internacional do CIGRÉ “Renewable Energy Sources: Environmental and Social Issues”, e o Simpósio Internacional “Policy, Incentives & Regulation”, em Abril de 2013.

Uma das soluções adoptadas pela portuguesa REN para as linhas de muita alta tensão – e o seu impacto numa espécie protegida de cegonhas – foi posteriormente implementada por outros operadores internacionais de transporte de energia. Este é o espírito do CIGRÉ: partilha de conhecimentos e resultados e procura permanente de soluções melhoradas.

O Green Savers falou com Pedro Cabral sobre o CIGRÉ e a forma como o sector das grandes redes eléctricas estão a olhar para a sustentabilidade.

No encontro, debateu o relacionamento TSO-DSO (entre operadores de Transporte e Distribuição) no futuro sistema eléctrico. Quais os grandes desafios nesta matéria e por que razão está Portugal na ordem do dia devido a esta questão?

O tema do relacionamento TSO-DSO no futuro sistema eléctrico está muito ligado com actividade principal da REN, que é conceber, desenvolver e gerir a rede. A evolução tecnológica, por um lado, assim como a evolução do mercado eléctrico e o surgimento de duas tendências em tudo opostas – a centralização do processo de decisão vs a descentralização completa do processo de decisão através do conceito de consumidor/produtor, que afecta toda a cadeia de valor do sector – são os grandes drivers que levam a tentar adivinhar como vão ser geridos os sistemas eléctricos no futuro.

Os desafios são muitos e importantes. Para os DSOs podem elencar-se exemplos como a melhoria da inteligência da rede para lidar com o número crescente de unidades de produção dispersa, a aplicação do código de rede “Reference for Generators” na geração dispersa, o melhoramento de dispositivos de protecção ligados às redes de distribuição e a ligação entre centros de despacho dos DSOs e dos TSOs, para melhorar o intercâmbio de informação em tempo real.

Para os TSOs, afigura-se essencial que estes disponham de informação em tempo real sobre a capacidade de geração dispersa, melhorarem a gestão das trocas de potência reativa na fronteira DSO/TSO e melhorem o controlo das acções que podem afectar a operação das redes de distribuição. Como base para tudo isto, é essencial uma maior cooperação entre TSOs e DSOs.

Como é que os temas ligados ao ambiente e sustentabilidade podem coexistir com os interesses das empresas do sector eléctrico?

Os temas relacionados com o ambiente fazem parte dos processos de decisão de todos os sectores e não apenas do sector eléctrico. Sendo a energia uma das principais alavancas do combate às alterações climáticas, esta prática aplica-se por maioria de razão às empresas do setor eléctrico.

No que se refere à sustentabilidade, deve referir-se que ela não tem apenas a dimensão ambiental, sendo composta também pela dimensão económica e pela dimensão da segurança (conhecidas pelos três pilares da sustentabilidade). Mais uma vez, as organizações do sector energético têm uma longa experiência em lidar com estas dimensões nos seus processos de decisão e de procurarem os equilíbrios mais adequados.

Nesta conformidade, também o CIGRÉ soube desde cedo dar a resposta necessária, designadamente com a criação, há 14 anos, de Comités de Estudo como o C1 “System Development and Economics”, o C3 “System Environmental Performance”, o C5 “Electricity markets and Regulation” e o C6 “Distribution Systems and Dispersed Generation”.

Quais os principais eixos estratégicos do CIGRÉ para o triénio 2016-2018?

Na última reunião do Conselho de Administração do CIGRÉ foram aprovadas quatro dimensões de acção estratégica para os próximos anos. A primeira consiste no reforço do reconhecimento dentro da comunidade empresarial e cientifica quanto às mais-valias das soluções que o CIGRÉ pode aportar aos temas críticos do sector.

Em segundo lugar, surge a preocupação do CIGRÉ em responder melhor e de forma mais eficiente às necessidades dos seus membros.

A terceira dimensão aponta para o alargamento do espectro de actuação do CIGRÉ para além das áreas onde tradicionalmente actuou (passando a incluir os sistemas de distribuição, os sistemas de armazenagem e de produção descentralizadas, a transferência e gestão de informação), como forma de responder aos novos desafios do sector eléctrico.

Como quarta dimensão estratégica do CIGRÉ surge a prioridade em desenvolver a nova geração de pessoas, as suas competências e a diversidade (por exemplo, mais jovens membros e mais mulheres em cargos de responsabilidade nas empresas do sector).

Ao longo dos quase 100 anos de actividades, que decisões ligadas as sector eléctrico – ou outras – foram implementadas ou influenciadas pelo CIGRÉ?

O CIGRÉ é um fórum único no mundo que congrega os especialistas de todas as áreas respeitantes à tecnologia e gestão técnica dos sistemas de energia eléctrica, com centenas de pessoas altamente qualificadas – membros e não membros – a colaborar em Comités de Estudo e Grupos de Trabalho, produzindo documentação da mais relevante valia técnica, usada em todo o mundo na produção de normas (CENELEC e IEC), de legislação e de manuais de boas práticas.

A “plataforma” de troca de conhecimento e experiências múltiplas na resolução de problemas específicos decorrentes da actividade de planeamento, construção, exploração e gestão de sistemas eléctricos que constitui o CIGRÉ, tem permitido a implementação de soluções técnicas com o objectivo de eficácia e eficiência nas mais diversas utilities do mundo.

Meramente a título de um exemplo muito simples, mas com preocupações ambientais, referimos a solução REN adoptada nos apoios das linhas de muito alta tensão para evitar a construção de uma espécie protegida como as cegonhas, solução esta já posteriormente implementada por outros TSOs.

Ainda que quase centenário, a verdade é que o CIGRÉ continua a ser pouco conhecido pela maioria dos cidadãos. A que se deve esta falta de visibilidade?

A vocação do CIGRÉ não liga com estratégias de afirmação junto da maioria dos cidadãos, mas antes com o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras que respondam às necessidades técnicas das empresas do sector eléctrico e energético, responsáveis pela respectiva gestão e desenvolvimento.

A crescente exigência das competências e dos conhecimentos técnicos impostos pelos desafios do sector tornam este tipo de organizações fóruns especializados, vocacionados para organizações que desenvolvem e trabalham com tecnologia, e para os quais a maioria dos cidadãos não está sensibilizada.

Todavia, uma das preocupações atuais do CIGRÉ é reforçar o nível de reconhecimento das competências da organização dentro da comunidade científica e empresarial do sector.





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