Clima: ExxonMobil negou consequências do aquecimento mas conhece-as há 50 anos
Os cientistas da petrolífera ExxonMobil foram notavelmente precisos nas suas previsões sobre o aquecimento global há quase 50 anos, apesar de a empresa fazer declarações públicas a contradizer os seus próprios cientistas, indica um estudo agora divulgado.
Publicado na revista Science Thursday, a investigação incidiu sobre a pesquisa financiada pela Exxon, que não só confirmou o que estes cientistas previam, como também usou mais de uma dúzia de modelos aplicados em computador que também anteciparam o aquecimento global tão bem ou melhor do que os cientistas académicos ou dos governos.
Isto ocorreu ao mesmo tempo que este conglomerado empresarial de energia alimentava publicamente dúvidas sobre a existência de alterações climáticas e desvalorizava a precisão dos modelos usados pelos cientistas. A Exxon argumenta que a sua compreensão das alterações climáticas evoluiu ao longo dos anos e que os críticos atuais estão a interpretar mal a sua pesquisa inicial.
Cientistas, governos, ativistas e sítios noticiosos, incluindo o Inside Climate News e o Los Angeles Times, há vários anos que noticiaram que a ‘Exxon knew’ (‘A Exxon Sabia’) a ciência das aliterações climáticas desde 1977, ao mesmo tempo que lançava duvidas sobre a mesma, em público.
O que o estudo de agora fez foi detalhar o quão exata estava a investigação financiada pela Exxon.
Entre 63% a 83% dessas projeções cumprem padrões estritos para a exatidão e anteciparam de forma correta que a temperatura média global iria subir 0,2 graus Celsius (.C) em 10 anos.
A investigação científica financiada pela Exxon foi “espantosa” na sua precisão e exatidão, disse uma das coautoras do estudo, Naomi Oreskes, professora de História da Ciência em Harvard. Mas acrescentou que tamanha foi também “a hipocrisia, porque muita da desinformação da Exxon, ao longo de muitos anos, foi que os modelos climáticos não eram confiáveis”.
O principal autor do estudo, Geoffrey Supran, que começou esta investigação em Harvard, tendo-se mudado entretanto para a Universidade de Miami, onde leciona Ciência do Ambiente, disse que esta diferença era maior do que a descoberta anteriormente em documentos sobre a petrolífera.
“Trabalhámos sobre a linguagem, a retórica nos documentos, mas também os dados. E devo dizer que, neste sentido, a nossa análise comprova realmente que a Exxon sabia” (‘Exxon knew’), disse Supran. Isto “dá provas irrefutáveis que a ExxonMobil previu com exatidão o aquecimento global anos antes (deste ser evidente), mas que depois passou a atacar a ciência subjacente”.
O documento publicado dos investigadores, o designado ‘paper’, citou o que era o presidente executivo da Exxon em 1999, Lee Raymond, que disse então que as projeções sobre o clima “estavam baseadas em modelos climáticos totalmente não comprovados ou, o mais frequente, em especulação pura”. O seu sucessor disse, em 2013, classificou os modelos como “incompetentes”.
A investigação promovida pela Exxon para compreensão das alterações climáticas desenvolvida em parceria com a comunidade científica e as suas quatro décadas de investigação própria resultaram em mais de 150 ‘papers’, incluindo 50 revistos por pares, o sistema designado em Inglês por ‘peer-review’, disse o porta-voz da empresa, Todd Spitler.
“Esta questão tem aparecido nos últimos anos mais recentes e, de cada vez, a nossa resposta é a mesma: os que falam sobre a ‘Exxon Sabia’ estão errados nas suas conclusões”, afirmou Spitler, em resposta por correio eletrónico à AP.
“Alguns procuram distorcer os factos e a posição da ExxonMobil, sobre a ciência climática e o seu apoio a soluções efetivas, apresentando debates internos bem-intencionados como uma campanha voluntária de desinformação pela empresa”, acrescentou.
A Exxon, uma das maiores empresas mundiais de gás e petróleo, tem sido objeto de numerosos processos judiciais, que alegam que a empresa sabia o dano que o seu petróleo e o seu gás causariam ao clima, mas enganou o público, com o recurso ao lançamento de dúvidas sobre as alterações climáticas.
No processo mais recente, o Estado de Nova Jérsia acusou cinco empresas de petróleo e gás, incluindo a Exxon, de mentir ao público durante décadas, apesar de saberem as consequências negativas da queima dos combustíveis fósseis para o clima.
Processos similares foram avançados pelos Estados de Nova Iorque e Califórnia, que acusam a Exxon e outras empresas de petróleo e gás de lançarem campanhas de relações públicas para criarem dúvidas sobre as alterações climáticas.
Em um deles, a então procuradora-geral do Estado do Massachusetts, Maura Healey, disse que os esforços de relações públicas da Exxon eram “reminiscentes dos da velha e prolongada campanha da indústria do tabaco de negação dos efeitos perigosos dos cigarros”.
Conglomerados petrolíferos, como a Exxon e a Shell, foram acusadas em audições no Congresso dos EUA, em 2021, de espalharem mentiras sobre o clima, mas os seus dirigentes negaram as acusações.
Donald Wuebbles, professor emérito de ciências atmosféricas da Universidade do Ilinóis, disse à The Associated Press que nos anos 1980 trabalhou com cientistas financiados pela Exxon e que não ficou surpreendido pelo que a empresa conhecia dos modelos. Era o que a ciência e os cientistas sabiam.
“Era claro que a ExxonMobil sabia o que estava a acontecer”, disse Wuebbles. “O problema é que ao mesmo tempo estavam a pagar a pessoas para espalhar mentiras. Esta e a grande questão”.
Já Oreskes contrapôs que “há uma grande diferença entre ‘a moda e a publicidade’, que as empresas fazem para levar as pessoas a compras os seus produtos ou os políticos para conseguirem o seu voto, e mentiras sem rodeios que distorcem informação factual, que foi o que a Exxon fez”.
Diversos outros cientistas e ativistas consideraram que o que o estudo mostra sobre a Exxon é algo importante e sério.
“O dano causado pela Exxon tem sido imenso”, disse o reitor da Universidade do Michigan, Jonathan Overpeck. “Eles sabiam que os combustíveis fósseis, incluindo o petróleo e o gás, iriam alterar em muito o clima do planeta, de formas que iriam ser muito prejudiciais, em termos de vidas, sofrimento humano e impacto económico. E, mesmo assim, apesar de o saberem, escolheram a desvalorização pública do problema das alterações climáticas e dos perigos que representam para as pessoas e o planeta”, disse.
A cientista climática Natalie Mahowald, da Universidade de Cornell, perguntou: “Quantos milhares (ou mais) de vidas foram perdidas ou impactadas negativamente pela campanha deliberada da Exxon Mobil para esconder a ciência?”
Os críticos consideram que as ações do passado da Exxon no que respeita às alterações climáticas comprometem a credibilidade dos seus compromissos de redução de emissões de gases com efeito de estufa.
Depois de seguirem as ações de influência (‘lobbying’) da Exxon e centenas de outras empresas relativas às alterações climáticas, a InfluenceMap, uma entidade que analisa informação sobre como as empresas estão a influenciar a crise climática, concluiu que a Exxon está a agir contra os objetivos da Conferência de Paris e que está entre as empresas mais negativas e influentes que resistem às políticas de resposta à rutura climática global.
“Toda a investigação que fizemos sugere que os esforços para adiar as respostas ao problema continuam nos dias de hoje, dando prioridade à cadeia de valor da indústria de petróleo e gás, em detrimento da ameaça ‘potencialmente existencial’ das alterações climáticas”, disse Faye Holder, dirigente da InfluenceMap.
“As mensagens de negação (da ameaça) e adiamento (da resposta) podem parecer diferentes, mas a intenção é a mesma”, apontou.