Co-infecções em morcegos jovens podem estar na base da propagação do coronavírus

Os morcegos são benéficos para os nossos ecossistemas e para a nossa economia, mas, à medida que a destruição do habitat e os fatores de stress ambiental os colocam mais perto dos seres humanos, podem surgir riscos de doença.
A investigação, publicada na revista Nature Communications, oferece uma abordagem para antecipar o aparecimento de coronavírus. Verificou-se que os morcegos jovens são infetados com mais frequência e podem ser uma fonte importante de propagação do vírus a outras espécies.
O estudo revela também a dinâmica dos coronavírus que circulam nos morcegos australianos, que não representam qualquer risco conhecido para os seres humanos.
Endémicos nas populações de morcegos, a maioria dos coronavírus nunca infetam os seres humanos. Quando o fazem, como no caso dos surtos de SARS, COVID-19 e MERS, normalmente transbordam dos morcegos através de um hospedeiro animal de transição.
“Os coronavírus tendem a não ser uma grande preocupação para os morcegos”, afirma Alison Peel, da Faculdade de Ciências Veterinárias da Universidade, que liderou o estudo. “Mas podem comportar-se de forma diferente se passarem para novas espécies”, acrescenta.
Num dos estudos mais exaustivos deste tipo, os investigadores recolheram mais de 2500 amostras de fezes, através das quais os morcegos libertam o coronavírus, durante três anos. Foram recolhidas amostras de raposas voadoras negras e raposas voadoras de cabeça cinzenta em cinco locais de repouso na costa oriental da Austrália.
Os testes virais das amostras mostraram que o coronavírus era mais prevalente nos morcegos jovens entre março e julho, quando estavam a desmamar e a aproximar-se da maturidade. Este facto foi consistente ao longo dos três anos de estudo. Particularmente notável foi a elevada proporção de morcegos infetados com vários coronavírus ao mesmo tempo.
“Ficámos surpreendidos com a elevada taxa de co-infecção entre os juvenis e subadultos”, afirmou Peel. “A co-infecção apresenta a oportunidade de uma única célula ser infetada com múltiplos vírus, um importante precursor natural para a geração de novas estirpes.”
Os seis coronavírus detetados no estudo eram nobecovírus, uma subclasse que não salta para os seres humanos. Três deles eram novos. A sua análise foi útil porque representam um risco mínimo para as pessoas, mas são primos evolutivos dos sarbecovírus, os chamados vírus do tipo SARS, que são mais suscetíveis de se propagarem a outras espécies. A compreensão da evolução dos nobecovírus oferece uma visão paralela da evolução dos coronavírus mais perigosos.
“Acompanhámos com segurança como e quando o coronavírus circulou naturalmente nas populações de morcegos. Utilizando a genómica para rastrear infeções em animais individuais”, diz John-Sebastian Eden, coautor do estudo do Westmead Insitute for Medical Research e da Faculdade de Medicina e Saúde da Universidade.
“Os resultados oferecem um modelo para os cientistas que procuram compreender a emergência do coronavírus e os riscos futuros nas populações de morcegos em todo o mundo. Ao centrarem-se nas co-infeções em morcegos jovens durante determinados períodos, os investigadores poderão prever melhor a evolução natural e a emergência de coronavírus mais arriscados antes de estes representarem um risco para a saúde humana”, acrescenta.
Segundo Peel, é necessária mais investigação para compreender por que razão os morcegos jovens são mais suscetíveis à infeção e à co-infeção.
“Pode ser o resultado de animais recém-desmamados, cujo sistema imunitário ainda está em desenvolvimento, ou do stress enfrentado por morcegos adolescentes que procuram um parceiro pela primeira vez”, sublinha.
A mudança do ambiente também pode ser um fator.
“Sabemos, com base em investigações anteriores sobre outros vírus, que a perda de habitat causada pela invasão das populações humanas e pela escassez de alimentos pode criar stress nos morcegos, o que enfraquece a imunidade e os torna suscetíveis a infeções. Será importante descobrir se o mesmo acontece com os coronavírus”, revela.
A investigação de Peel e Eden começou em 2020, quando a pandemia de COVID-19 se instalou. Baseou-se em investigações anteriores sobre a propagação do vírus Hendra, que também tem origem nos morcegos.
“É raro ver esta escala e profundidade de dados na investigação virológica, mesmo entre os vírus humanos”, afirma Peel. “A recolha de amostras de morcegos individuais e de abrigos, bem como o rastreio de estirpes individuais em vários locais e anos, constitui uma base sólida para a investigação em curso sobre o papel do stress ambiental na emergência do coronavírus”, conclui.