Como a escola de Marco de Canaveses combate (realmente) a obesidade infantil
Quando a Escola Secundária de Marco de Canaveses, através do seu coordenador do PESES (Promoção e Educação para a Saúde e Educação Sexual), alertou a Santa Casa da Misericórdia local que 20% dos alunos do 7% ano apresentavam excesso de peso ou mesmo obesidade, uma equipa de trabalho estudou o assunto e passou à acção.
A resposta surgiu através do projecto IMC (Índice de Massa Corporal), uma iniciativa que arrancou em Março de 2014 e que já acompanhou 45 alunos, dando-lhe dicas para a adopção de estilos de vida saudáveis, nas áreas de nutrição e psicologia.
Os primeiros alunos frequentaram o 7º ano em 2013/2014 e, nesse grupo cobaia, 90,9% dos adolescentes apresentavam obesidade e 9,1% excesso de peso. Depois de oito intervenções dos técnicos da Santa Casa, a percentagem de alunos obesos deste grupo desceu para 56,5%; o número de adolescentes com excesso de peso subiu para 30,4% – passagem dos adolescentes obesos para este grupo); e o número de adolescentes com peso adequados situou-se nos 13%.
No ano lectivo de 2014/2015 a acção repetiu-se. Então, 42,9% dos adolescentes – outros – apresentavam obesidade e 57,1% excesso de peso. Na 5ª intervenção dos técnicos verificou-se uma redução de adolescentes obesos para 31,3%, um aumento de adolescentes com excesso de peso e peso adequado, respectivamente, para 62,5% e 6,3%.
Este ano, segundo a escola, arrancará o terceiro grupo de adolescentes que será avaliado. Em simultâneo, uma análise qualitativa das intervenções permitiu constatar a adopção de hábitos alimentares mais saudáveis, como a redução do consumo de refrigerantes, de cereais açucarados ao pequeno-almoço e de produtos ricos em gordura e açúcar nos lanches. Por outro lado, verificou-se o aumento do consumo de hortícolas no prato e na sopa, o aumento do consumo de fruta e de pão aos lanches, em vez de refrigerantes e bolos, e de consumo de água ao longo do dia.
“O nosso objectivo é que o projecto se mantenha nos próximos anos lectivos. Um dos objectivos do projecto é realizar um estudo longitudinal, isto é, acompanhar de forma contínua os adolescentes do 7.º ano até ao 12.º ano, até que saiam desta escola”, explicou ao Green Savers Ana Marques, elemento da mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Marco de Canaveses (SCMMC) e uma das responsáveis pelo projecto.
Até ao momento, os alunos sinalizados foram integrados num grupo de intervenção para adopção de hábitos de vida saudáveis, conduzido por técnicos de saúde da SCMMC nas áreas da nutrição e psicologia.
“A alteração para hábitos alimentares saudáveis pressupõe diferentes estratégias: avaliação antropométrica e nutricional, recolha de história alimentar e educação alimentar individualizada, sessões de grupo de educação alimentar com alunos e encarregados de educação, psicoeducação e técnicas de entrevista motivacional e resolução de problemas”, continuou Ana Marques.
Para o próximo ano lectivo, os responsáveis do projecto pretendem incluir a prática de actividade física, individual e de grupo, com o apoio dos professores de Educação Física da escola. “Pretendemos que os alunos se interessem por uma actividade, e ainda motivá-los para o efeito. Para reforçar o espírito de grupo, promovendo a motivação entre pares, pretendemos dinamizar desportos colectivos como caminhadas, passeios de btt, canoagem, jogos de futebol, entre outros. Para além disso, pretendemos reforçar a mudança comportamental em família. Sabemos que os pais têm um papel determinante neste processo, uma vez que são quem compra, quem disponibiliza, prepara e confecciona as refeições”, continuou a responsável.
O que leva os jovens a ganharem peso?
Hoje, a obesidade infantil representa um gravíssimo problema de saúde pública a nível mundial. Na sua génese foram identificados vários factores, podendo ser eles genéticos, metabólicos, ambientais e psicológicos. “O importante é conhecer os aspectos da vida do adolescente que contribuem para este processo” – avança Ana Marques – “e assim delinear uma estratégia individual de intervenção”.
A intervenção pode passar por reduzir o aporte energético, incentivando escolhas alimentares mais saudáveis; aumentar o gasto energético, através da prática da actividade física regular e tendo em conta o papel da família no comportamento alimentar da criança/adolescente, logo, um aspecto fundamental para o sucesso é a recomendação para a mudança comportamental em família.
“O ideal seria apostar na prevenção do excesso de peso e obesidade, através da adopção de estilos de vida mais saudáveis desde idades mais precoces, tornando desta forma as intervenções mais efectivas”, continua a responsável. E a responsabilidade da prevenção tem de passar por todos: decisores políticos, indústria alimentar, escolas e serviços prestadores de cuidados de saúde.
Desenvolvido pela SCMMC e Escola Secundária de Marco de Canaveses, o projecto IMC contou com o apoio dos estagiários do Serviço de Nutrição e daqueles que estão a fazer o acesso à Ordem dos Nutricionistas.
Há muito que a SCMMC participa activamente na educação para a saúde das escolas locais. Os projectos Hospital dos Pequeninos, Dia Aberto da Misericórdia ou a palestra “Efeito das substâncias psicoativas” são três dos exemplos desta cooperação. Que vai continuar.
ANA MARQUES: “ESTE PROJECTO PODE SER REPLICADO EM QUALQUER ESCOLA DO PAÍS”
Que conselhos dão a outros responsáveis por educação escolar para que eles consigam desenvolver projectos que possam reduzir os níveis de obesidade nos jovens e apostarem na reeducação alimentar?
O primeiro conselho passa por dinamizar rastreios, de modo a caracterizarem o panorama da escola e identificarem os jovens em situação de risco. [Devem] estabelecer uma parceria com instituições de saúde, pois apenas os Técnicos de Saúde da área da Nutrição e Alimentação têm competência para analisar e verificar os casos sinalizados e efectuar o acompanhamento devido. Finalmente, devem promover a formação aos professores sobre alimentação, sensibilizando-os para esta problemática, de modo a que sejam os primeiros a sinalizar situações de risco.
Este projecto poderia ser replicado numa outra escola, instituição ou localidade?
Este projeto poderá ser replicado de diversas formas: na mesma escola, na medida em que gradualmente vai integrando mais alunos. No ano lectivo 2014/2015, para além do acompanhamento destes alunos já referenciados foram integrados novos alunos do 7.º ano com excesso de peso e obesidade. Este processo terá continuidade no ano lectivo 2015/2016.
Ao longo dos próximos anos conseguirá acompanhar todos os alunos com excesso de peso/obesidade do 3.º ciclo, e posteriormente, também ao nível do ensino secundário.
Poderá também ser replicado em outras Escolas, que estabeleçam parceria com Serviços de Nutrição e Psicologia de Instituições de Saúde e Faculdades. Os moldes de aplicação podem ser replicados em qualquer escola do país, uma vez que apenas são usados os recursos das instituições.
A nutricionista responsável pelo Serviço de Nutrição e Alimentação da SCMMC elaborou um Manual de Procedimentos com a descrição metodológica do Projeto IMC. Todos os avaliadores foram previamente treinados de forma a padronizar os procedimentos e técnicas, permitindo uma avaliação e recolha de dados precisos e válidos. Desta forma, a nutricionista poderá dar formação a profissionais de outras instituições e escolas, de modo a padronizar procedimentos e, assim, replicar o projeto com a maior precisão possível.
Este artigo faz parte de um vasto trabalho sobre os vencedores do Food & Nutrition Awards 2015. Todos os vencedores da iniciativa portuguesa podem ser consultados neste link.