Como é que as moscas geneticamente modificadas podem reduzir os resíduos e mantê-los fora dos aterros



Uma equipa da Macquarie University propõe a utilização de moscas-soldado negra (Hermetia illucens) geneticamente modificadas para enfrentar os desafios da poluição a nível mundial e produzir matérias-primas valiosas para a indústria, incluindo o mercado mundial de alimentos para animais, que representa 500 mil milhões de dólares.

Num novo artigo publicado na revista Communications Biology, os cientistas da Universidade Macquarie esboçam um futuro em que as moscas geneticamente modificadas poderão transformar a gestão de resíduos e o fabrico sustentável de produtos biológicos, abordando vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

A bióloga sintética Kate Tepper é a principal autora do artigo e investigadora de pós-doutoramento na Applied BioSciences da Universidade Macquarie.

“Um dos grandes desafios no desenvolvimento de economias circulares é fazer produtos de alto valor que podem ser produzidos a partir de resíduos”, diz Tepper.

Emissores de aterros sanitários

Estima-se que 40 a 70 por cento dos resíduos orgânicos a nível mundial vão parar a aterros.

“A deposição de resíduos orgânicos em aterro gera cerca de cinco por cento das emissões anuais de gases com efeito de estufa a nível mundial e temos de reduzir este valor para zero por cento”, afirma Tepper.

Os subprodutos orgânicos do tratamento de águas residuais – biossólidos municipais – podem ser utilizados como alternativa aos fertilizantes sintéticos para o cultivo de plantas e para fechar os ciclos de nutrientes.

No entanto, Tepper observa que existem preocupações crescentes com os produtos químicos tóxicos presentes nos resíduos, incluindo os perigosos “produtos químicos para sempre”, como as substâncias per e polifluoroalquílicas (PFAS).

Nos países em desenvolvimento, os resíduos orgânicos depositados em áreas abertas podem contaminar a água utilizada para beber ou irrigar, atraindo pragas, propagando doenças e degradando o habitat natural, e os agricultores queimam frequentemente os restos de culturas que não podem utilizar, causando poluição atmosférica.

As moscas-soldado negras já são valorizadas na gestão de resíduos, onde consomem resíduos orgânicos comerciais antes de serem transformadas em “biomassa de insetos” em alimentos para animais domésticos e criadores de galinhas e peixes comerciais.

Mas a equipa da Macquarie acredita que a engenharia genética pode aumentar a utilidade da mosca-soldado negra, permitindo-lhe transformar resíduos em alimentos para animais ou matérias-primas industriais valiosas.

As larvas podem biofabricar enzimas industriais atualmente utilizadas nas indústrias pecuária, têxtil, alimentar e farmacêutica e que representam um mercado global de milhares de milhões de dólares por ano.

As moscas também podem ser modificadas para gerar lípidos especializados para utilização em biocombustíveis e lubrificantes, substituindo os produtos derivados de combustíveis fósseis.

A engenharia de insetos para produzir enzimas e lípidos industriais que não são utilizados nas cadeias de abastecimento alimentar alargará os tipos de resíduos orgânicos que podem ser utilizados, e a equipa de investigação propõe modificar a mosca para que possa digerir resíduos orgânicos contaminados, lamas de depuração e outros resíduos orgânicos complexos.

“Até o cocó da mosca, chamado ‘frass’, pode ser melhorado para melhorar o fertilizante”, diz  Tepper. “As moscas podem ser concebidas para limpar contaminantes químicos nos seus excrementos, que podem ser aplicados como fertilizantes livres de poluentes para cultivar culturas e evitar que os contaminantes entrem nas nossas cadeias de abastecimento alimentar”, acrescenta.

Fabrico sustentável de produtos biológicos

O autor sénior, Maciej Maselko, que dirige um laboratório de biologia sintética animal na Macquarie University’s Applied BioSciences, afirma: “Os insetos serão a próxima fronteira para aplicações de biologia sintética, lidando com alguns dos enormes desafios de gestão de resíduos que não conseguimos resolver com os micróbios”.

Os micróbios geneticamente modificados requerem ambientes estéreis para evitar a contaminação, juntamente com muita água e nutrientes refinados.

“Podemos alimentar as moscas-soldado negras com lixo puro e sujo, em vez de esterilizado ou completamente pré-processado. Quando o lixo é cortado em pedaços mais pequenos, as moscas-soldado negras consomem grandes volumes de resíduos muito mais rapidamente do que os micróbios”, explica Maselko.

Os investigadores sugerem que a engenharia genética poderia aproveitar a estrutura existente, elevando as moscas de simples processadores de resíduos a plataformas de fabrico biológico de alta tecnologia. No documento, os investigadores traçam um roteiro que exige melhores ferramentas de engenharia genética para os principais insetos.

“A contenção física faz parte de uma série de proteções. Estamos também a desenvolver camadas adicionais de contenção genética para que os animais que escapem não se possam reproduzir ou sobreviver na natureza”, alega Maselko.

Comercialização

A Macquarie University, em parceria com alguns membros da equipa de investigação, apresentou pedidos de patentes relacionados com o fabrico biológico da mosca-soldado negra, já em curso através de uma empresa spin-out da Macquarie University, a EntoZyme.

Tepper afirma que a introdução de insectos geneticamente modificados tem potencial, não apenas no mercado multibilionário da gestão de resíduos, mas também na produção de uma série de insumos industriais de elevado valor.

“Se queremos uma economia circular sustentável, os aspectos económicos têm de funcionar”, sublinha Tepper.

“Quando houver um incentivo económico para implementar tecnologias sustentáveis, como a engenharia de insetos para obter mais valor dos resíduos, isso ajudará a impulsionar esta transição mais rapidamente”, conclui.





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