Como uma simples fuga de gás pode destruir prédios inteiros
As consequências de um desastre com gás natural podem ser assombrosas – labaredas de fogo que podem atingir vários metros de altura e edifícios que colapsam em segundos. O mundo teve oportunidade de experienciar mais uma explosão de gás na última quarta-feira, quando, devido a uma fuga e um rebentamento, dois edifícios colapsaram na zona de East Harlem, em Manhattan, Nova Iorque. Os últimos dados das autoridades davam conta de oito mortos e cerca de 60 feridos.
Ron Lavezzo, chefe da divisão de incêndios da Bay Area de Millbrae, é um profissional familiarizado com os desastres provocados por fugas de gás. Lavezzo esteve entre os primeiros profissionais no terreno da explosão da conduta de gás de San Bruno, em 2010 – uma explosão de grandes dimensões que as primeiras notícias dos órgãos de comunicação sobre o acontecimento davam conta da queda de um avião que incendiou o bairro inteiro e não de uma explosão de gás.
“Depois da explosão e San Bruno, comecei a familiarizar-me com o número de condutas de gás que existiam no meu bairro”, indica o bombeiro com mais de 30 anos de experiência à Atlantic Cities.
Os desastres com gás podem ocorrer de muitas maneiras diferentes, com vários níveis de danos – desde janelas partidas a violentas explosões que carbonizam quarteirões inteiros. Este bombeiro descreveu à Atlantic Cities a sua experiência no combate aos incêndios provocados pelas explosões de gás e o tipo de situações que podem provocar estes rebentamentos violentos.
Qual é a configuração de uma grande explosão de gás?
O gás natural é transportado em condutas, de diferentes diâmetros e espessuras. Os problemas começam quando uma destas condutas desenvolve fissuras que causam as fugas, devido à idade e falta de manutenção ou devido a trabalhos de construção ou reparação.
No caso do incidente de San Bruno, o causador foi uma ruptura da conduta, de dimensões consideráveis e a alta pressão. No caso do incidente de Nova Iorque ainda ninguém sabe o que aconteceu. Porém, Lavezzo indica que existe a possibilidade de pequenas fugas de gás, provenientes de condutas urbanas mais pequenas e com menos pressão, terem causado a explosão e colapso dos edifícios. “Se houver uma fuga de gás numa casa que não está ocupada, o gás espalha-se por toda a habitação e é como uma bomba”, indica. Outra hipótese é a existência de um tubo que tenha uma fuga durante algum tempo no subsolo, formam-se câmaras de gás – se não houver ventilação – que pode rebentar prédios inteiros.
Existe algo de errado com os gasodutos e condutas das grandes cidades?
Não propriamente, mas as grandes cidades estão construídas em cima de grandes redes de condutas antigas, frágeis e de difícil manutenção. Destas condutas antigas, as mais problemáticas são as construídas em ferro fundido, que podem ser anteriores à II Guerra Mundial.
O ferro fundido ou o ferro forjado eram os materiais mais utilizados pelas empresas para construírem as suas condutas em muitas cidades do mundo, tanto nos Estados Unidos como na Europa, desde o início até meados do século XX. Apesar de serem resistentes, estas condutas em ferro são vulneráveis à corrosão e a sua rigidez torna-as mais intolerantes a várias pressões, como reparações ou o tráfego à superfície. A maior parte destas condutas foi já substituída por outras de materiais mais seguros, mas ainda existem tubos neste material.
Como a investigação determinou posteriormente, a explosão de San Bruno foi provocada por uma fuga numa secção de uma conduta com mais de 50 anos com soldaduras defeituosas.
O que é que pode transformar uma fuga de gás numa grande explosão?
A explosão de San Bruno começou com a emissão de grandes quantidades de vapores. Quando o gás atingiu um fio de alta tensão, o gás espalhado converteu-se em chamas que consumiram tudo á passagem. Porém, no caso de Manhattan, podem ter sido outros os factores que desencadearam a explosão, segundo Lavezzo.
Uma beata de cigarro que é atirada para um sistema de escoamento pode ser o suficiente para desencadear uma explosão no caso de fuga, ou cabos de telecomunicações ou electricidade expostos. Numa residência, basta um cabo eléctrico, uma tomada, uma lâmpada partida, um interruptor que faz mau contacto ou qualquer tipo de ignição.
É normal uma fuga de gás destruir um edifício inteiro?
De acordo com Lavezzo, não. Mas os exemplos de San Bruno e de Manhattan são exemplos do poder imprevisível e aterrador das fugas de gás. As maiorias das chamadas de emergência devido a fugas de gás são relativas a pequenos incidentes. Porém, se a fuga acontecer num espaço confinado, é criada uma área com grande potencial energético, que exerce pressão ao expandir-se e ainda mais pressão ao explodir. “Por não existir nenhuma ventilação, a explosão e pressão fazem colapsar tudo o que está nas imediações desse local”, indica Lavezzo.
Contudo, os resultados mais normais são pequenos danos e janelas partidas. Porém, a explosão aliada a outros factores, como o mau estado de conservação dos edifícios ou más funções pode efeitos muito mais destruidores.
Existem maneiras de dizer se uma explosão é iminente?
O cheiro pútrido de metil-mercaptano, um produto químico que á adicionado ao gás natural e ao gás propano, para os tornar olfactivamente detectáveis, é um sinal de alerta. Os residentes de Harlem indicam que sentiram esse cheiro na noite antes da explosão. Em 2010, também os residentes de San Bruno indicaram a presença do cheiro dias antes da grande explosão.
Se a fuga for substancial, também é possível ver o gás, sob a forma de vapor, antes de entrar em combustão.
É possível prever tragédias como estas?
É difícil indicar. A tarefa das empresas de gás para substituir a totalidade dos tubos de ferro ainda é grande. E irá existir sempre profissionais da construção civil que não sabem da existência de condutas de gás e escavam nesses locais – ou até sabem da existência mas preferem correr o risco.
Já existem aparelhos e alguma tecnologia que permite detectar as fugas de gás, mas as empresas baseiam-se essencialmente em queixas e avisos dos clientes para detectarem e resolverem as fugas. Apesar de existirem alarmes para as fugas de gás, Lavezzo duvida que o seu uso consiga ser implementado a uma larga escala.