Ciência e Investigação sobre o Oceano em foco na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas
No quarto dia da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas de 2022, que está a decorrer em Lisboa, no Parque das Nações, debateu-se o Aumento do Conhecimento Científico e o Desenvolvimento da Investigação e da Capacidade de Transferência da Tecnologia Oceanográfica. O sexto Diálogo Interativo decorreu esta manhã, com a co-presidência de Amélie de Montchalin, Ministra da Transição Ecológica e da Coesão Territorial de França e Franz Tattenbach, Ministro do Ambiente e da Energia da Costa Rica, com os palestrantes Vladimir Ryabinin, Secretário Executivo da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, Jane Lubchenco, Vice-diretora de Clima e Meio Ambiente do Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca em Washington D.C., Peter de Menocal, Presidente do Instituto Oceanográfico de Woods Hole em Massachusetts, Hide Sakaguchi, Presidente do Instituto de Pesquisa de Políticas Oceânicas da Fundação para a Paz de Sasakawa, e com a moderação de Margareth Leinen, Diretora da Instituição de Oceanografia Scripps e vice-chanceler de Ciência Marinha da Universidade da Califórnia em San Diego. A sessão contou ainda com o debate de Cameron Diver, Deputado e Diretor-geral da Comunidade do Pacífico da Nova Caledónia e Ratih Pangestuti, do Centro de Indústria Biomarinha e da Agência Nacional de Investigação e Inovação da Indonésia.
Amélie de Montchalin começa por referir que o alto mar representa 64% dos oceanos, e que mesmo hoje continua ainda a ser bastante desconhecido. De momento, a humidade está apenas a “abrir a porta” aos recursos que lá se encontram e como tal devemos protegê-los. Defende que deve ser adotado um instrumento juridicamente vinculativo para preservar e garantir a sustentabilidade da biodiversidade, que vá além da jurisdição nacional.
Como reforça, a França tem um passado importante neste tema dos oceanos, – referindo o que foi alcançado com Jacques Cousteau – e vai estar sempre presente para apoiar o progresso científico neste campo. Exemplifica mencionando que o país tem investido nesse sentido em infraestruturas e frotas oceanográficas avançadas, bem como na cartografia do oceano.
“Devemos respeitar a natureza sempre apoiando-nos no progresso técnico da ciência e na inovação”, defende, acrescentando que “nós temos necessidade da natureza, assim como a ciência nos será essencial para podermos vencer os desafios imensos com os quais somos confrontados”. Além do progresso técnico dos conhecimentos, existe o progresso das consciências, que permite a compreensão do mundo à volta por parte dos cidadãos. Termina refletindo que “a ciência deve ser uma corrente que arrasta a sociedade para um progresso e sustentável e justo”.
Por sua vez, Franz Tattenbach, diz que a Costa Rica é um país comprometido com o ambiente, com a sustentabilidade e com a utilização adequada dos recursos marinhos. A tecnologia permite-nos conhecer com maior clareza o impacto da ação humana nos mares e nos recursos marinhos, para reverter a perda da biodiversidade e os perigos que constituem a contaminação. Perigos esses como as artes de pesca que são perdidas, que são a principal causa da pesca fantasma, e a poluição dos plásticos. O país está a desenvolver metodologias para monitorizar os manguezais, e a tentar adaptar-se às catástrofes naturais e a aperfeiçoar os sistemas marinhos às alterações do clima.
Refere-se a Lisboa como “uma terra de grandes navegadores e com uma grande cultura marinha”, que reúne esta semana os líderes “para um dialogo construtivo com todos os amigos do oceano e que advocam o seu uso sustentável”. Conclui enfatizando que é preciso cooperação para alcançarmos soluções e que a valorização é a única maneira de conseguirmos avançar, o que requer o compromisso de todos.
É feita uma breve introdução ao tema por Margareth Leinen, que se foca no conceito de interação entre ciência e gestão de recursos, e ciência e política. A moderadora afirma que “podemos fazer mais do que melhorar a nossa compreensão e utilização do oceano. Podemos, com a ciência moderna, transformar a ciência e a nossa compreensão e desenvolvimento sustentável”. Para isso, devem ser criados sistemas de observação do oceano do século XXI, para que seja possível compreender os ecossistemas, bem como a microbiologia, que é essencial para obter essa compreensão. Deve ser aprofundada a relação entre o oceano e os homens, entre a saúde e o oceano. É preciso haver “oceanos inteligentes” tal como as cidades inteligentes e casas inteligentes “que tanto ouvimos falar”, alega. É necessário fazer com que os dados estejam disponíveis e encontrar formas de transformar os dados em informação e ações – o que sublinha ser “exatamente o que precisamos”.
Para Vladimir Ryabinin, “temos de passar da ciência à ação”, já que em 2020 ainda nenhum dos objetivos da ODS14 estavam completos. Existem formas de gerir o oceano e a sua gestão deve ser iniciada desde já, para q possamos contribuir com o objetivo até 2030. Isso envolve políticas relativas às pescas, alterações climáticas, zonas costeiras, biodiversidade… Como argumenta, é preciso saber como podemos produzir energia renovável, alimentos, capturar emissões de carbono, aumentar as economias, tudo isto de forma sustentável. Para isso defende que é preciso um compromisso para reorganizar a economia, investir na ciência e nas atividades oceânicas. Diz ainda que “precisamos de transformar as soluções propostas em ações”, o que exige também “mais investimento”. Sublinha ainda que “temos 8.5 anos para construir a nova ciência do oceano”.
Como precisa Jane Lubchenco, a ciência tem um papel importante para ajudar a perceber as consequências das escolhas que fazemos – enquanto indivíduos, organizações e governos -, mas também a trazer soluções e esperança. No entanto, isto é apenas possível se a ouvirmos, se a mesma for vista como credível e se a utilizarmos. E há medida que os cientistas têm vindo a desenvolver programas científicos, a tornar a informação perceptível, relevante e credível, é premente tomar uma decisão. Como descreve, baseando-se em estudos, existe uma associação entre o clima e o oceano. “O oceano não é apenas uma vítima das alterações climáticas, é também uma fonte valiosa de soluções”, que podem ajudar a acelerar a inclusão do mesmo na agenda do clima, argumenta. O oceano tem um papel central em garantir a segurança, postos de trabalho, combater a perda de biodiversidade e as desigualdades. Confirma ainda que os Estados Unidos querem contribuir para esta finalidade e que estão a acelerar soluções e esforços baseados na natureza, como por exemplo, o facto de terem iniciado pela primeira vez uma avaliação da natureza a nível nacional.
Na opinião de Peter de Menocal, existe um esforço inclusivo que deve ser feito a nível internacional, e a colaboração conjunta e reciproca é decisiva. Existem várias ações específicas que têm de ser postas em prática, nomeadamente, agir imediatamente, acelerando a luta da ação climática, e colocar a ciência na linha da frente, nas soluções que vão gerir as gerações futuras, agindo de forma ética e responsável. “O oceano pode ser um herói ao tentar salvar o planeta terra” garante, já que representa “o reservatório de carbono mais importante a nível mundial, podendo armazenar mais de 50% do carbono da atmosfera”. Diz ainda que deve haver uma plataforma e rede de observação que disponibilize dados precisos e fidedignos relativos ao carbono que encontramos no oceano, à quantidade de nutrientes e aos fluxos biomoleculares, que “definem a força e eficiência dos movimentos do carbono a nível do oceano da superfície à profundidade”.
Por último, Hide Sakaguchi, declara que a investigação científica tem dado como provado que o peixe requer menos alimento para produzir 1 kg de carne do que qualquer outro animal, para alimentar os seres humanos. Como relembra, a relação entre predador e presa é variável, e que um ecossistema não é simples já que é composto por variadas espécies. Nesse ponto, os impactos ambientais físicos, químicos, biológicos e geológicos e os impactos humanos aceleram drasticamente a oscilação da população de espécies. Como tal, para obtermos oceanos sustentáveis e promovermos economias azuis sustentáveis devem fazer-se estimativas e controlar-se as populações de todas espécies, inclusive as dos seres humanos, baseadas no conhecimento cientifico.
Indica que ainda são precisos tanto modelos como dados de observação para podermos disponibilizar os dados que devem ser introduzidos no sistema. Reconhece também que ainda pouco se sabe sobre biologia marinha e os mecanismos que existem para formar ecossistemas no vasto oceano. “Devemos tentar minimizar os impactos humanos através do desenvolvimento tecnológico”, defende. Dá ainda o exemplo de um projeto, que se encontra em curso, o Suruga Bay Smart Ocean Project – Instituto de Pesquisa de Políticas Oceânicas da Fundação para a Paz de Sasakawa, um projeto de “oceano inteligente”, onde uma área de 100 por 100 km está coberta por uma rede 5G, no Japão. Os pescadores trabalham com este sistema e as redes fixas debaixo de água estão equipadas com sensores para monitorizar as espécies e o número que se encontra na rede. Esclarece que este minimiza os desperdícios e os custos de transporte, e maximiza a frescura do pescado e o sabor, trazendo apenas o número necessário de peixes pra terra.
Após as apresentações dos oradores, Cameron Diver debate algumas das ideias que foram transmitidas. Ressalva que há necessidade de investir na capacidade de investigação, em dados científicos concretos e que “é critico conseguirmos investir na soberania científica dos estados do Pacifico”. Exemplos disso são investimentos nas embarcações de investigação para monitorizar as maior atuneiras do mundo – que representam 50% das captura anuais do atum, e que têm uma grande contribuição para a segurança alimentar global.
Defende ainda que “os povos que atravessavam o Pacífico foram os primeiros e os mais fantásticos cientistas do mundo – não nos podemos esquecer disso. Temos de trazê-los para o nosso debate de como podemos gerir o oceano com base em dados concretos e científicos”, sendo que, para isso, é muito importante o financiamento. “A falta de apoio compromete a ciência do oceano”, assegura, apelando ao investimento para conseguirmos ter “a nova ciência que vamos precisar no futuro”. Para isso é preciso estar no oceano, sob o oceano e termos os conhecimentos que precisamos.
“Um oceano saudável é a maior solução do planeta para tantos desafios relativamente ao desenvolvimento sustentável”, diz, como por exemplo, a crise do clima, a crise da biodiversidade, para atingir o desenvolvimento económico sustentável, para manter os direitos, a equidade geracional e a segurança alimentar. “Um oceano saudável é a chave para não deixar ninguém para trás”, conclui.
Como deixa claro Ratih Pangestuti, “para garantir um futuro saudável o oceano precisa de medidas concretas”. A cientista refere vários aspetos importantes relacionados com as ações baseadas na ciência e investigação para implementação do ODS 14. Salienta que é preciso fortalecer a ciência dos oceanos nos estados vulneráveis, dado que as disparidades neste campo continuam a existir entre o mundo desenvolvido e em desenvolvimento. Outras questões são as infraestruturas e o financiamento; é necessário ter bases de investigação nos países mais vulneráveis, haver cooperação e colaboração entre cientistas e existir mais financiamento público e privado. Sublinha ainda que “o conhecimento local indígena deve ser incluído no processo” para ajudar a preencher as lacunas existentes, e que os “conhecimentos tradicionais são importantes para proteger os recursos marinhos”.