“O perfeito é inimigo do bom” e “blá, blá, blá”: COP26, a cimeira climática que cumpriu mas não satisfez



A 26.ª cimeira do clima da ONU manteve a ambição de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus até ao fim do século, mas o resultado final deixou insatisfeitos ecologistas e países mais vulneráveis às alterações climáticas.

No princípio de novembro, com um ano de atraso por causa da pandemia de covid-19, a cidade escocesa de Glasgow acolheu a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas com as notáveis ausências de líderes de alguns dos países mais poluentes do mundo, nomeadamente o Presidente chinês, Xi Jinping, e o Presidente russo, Vladimir Putin.

Ao cabo de 14 dias de trabalhos, produziu-se o Pacto Climático de Glasgow, cujo texto final foi debatido até ao último minuto, com a Índia a pressionar e conseguir alterar a defesa do fim da exploração de carvão pela defesa da diminuição do uso desa fonte de energia.

O argumento, defendido pelo ministro do Ambiente indiano, Bhupender Yadav, foi que o uso de carvão e combustíveis fósseis permitiu aos países mais desenvolvidos “altos níveis de bem-estar” e que os países em desenvolvimento “têm direito a um quinhão justo” com um “uso responsável” desses combustíveis.

Pela primeira vez, o país que é o terceiro maior responsável mundial pelas emissões de gases com efeito de estufa comprometeu-se com uma data para se tornar neutro em emissões: 2070, vinte anos depois dos Estados Unidos e União Europeia e dez anos depois da China, que tem a economia mais poluidora do mundo.

A principal insatisfação dos países mais pobres foi a falta de avanço nos compromissos de financiamento assumidos pelos países mais desenvolvidos, que continuam aquém da promessa de mobilizar anualmente 100 mil milhões de dólares para apoiar a adaptação das nações mais vulneráveis aos efeitos atribuídos às alterações climáticas que já se fazem sentir nos seus territórios.

No texto final do pacto, “incita-se” os países desenvolvidos a duplicarem o financiamento [que em 2019 atingia cerca de 80 mil milhões de dólares] até 2025, apelando-se também ao setor privado e a instituições financeiras multilaterais para colaborarem.

Um dos compromissos conseguidos, com o acordo de mais de 100 países [com a China de fora], foi reduzir até 2030 as emissões de metano em 30% em relação a 2020, uma medida que se espera que contribua com menos 0,2 graus centígrados no aquecimento global até 2050.

Outra resolução, também adotada por mais de uma centena de países que representam 85% das florestas mundiais, defende que se trave a desflorestação até 2030, uma iniciativa para a qual foram mobilizados quase 20 mil milhões de dólares e que é uma nova arrancada para o compromisso assumido em 2014 de reduzir para metade a desflorestação em 2020, meta que ficou por cumprir.

De Glasgow saiu ainda um acordo sobre o mercado de emissões de carbono com a aprovação do chamado “livro de regras” do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, um objetivo adiado sucessivamente desde 2015 e que condensa as regras para ajudar a reduzir as emissões carbónicas, impedindo a dupla contagem de emissões por parte do vendedor e comprador envolvidos numa transação de licenças de emissão.

O ativismo de rua acompanhou os trabalhos da cimeira à distância, com uma manifestação que juntou milhares de pessoas nas ruas de Glasgow, divididas em blocos de grupos que defendem a “justiça climática”, como comunidades indígenas, ativistas antirracismo, agricultores, juventude, sindicatos e partidos políticos.

Se em Madrid, em 2019, as delegações ouviram em pessoa os responsos de Greta Thunberg, este ano a sua intervenção foi mais discreta e também mais descrente, resumindo-se a opinião sobre a cimeira da ativista ambiental sueca na expressão “blá, blá, blá”.

No fim da COP26, foi o vice-presidente da Comissão Europeia e representante europeu nas negociações, Frans Timmermans, a resumir de forma mais pragmática o resultado: “O perfeito é inimigo do bom”.





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