COP28: O que se espera é menos palavras e mais ação climática
A 28.ª conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, mais conhecida como COP28, aproxima-se a passos largos e muitos olhares expectantes estarão fixados no Dubai entre os próximos dias 30 de novembro e 12 de dezembro.
Numa altura em que os eventos climáticos extremos, frequentemente resultando em desastres devastadores, tornam claro o poder dos efeitos das alterações climáticas, intensificados muitas vezes pela forma como os humanos têm tratado o planeta Terra, a comunidade científica alerta que a janela de oportunidade para agirmos e fazer alguma coisa para travar e até reverter os danos e evitar cenários bastante negros está a fechar-se rapidamente.
Este ano, a cimeira climática global acontece nos Emirados Árabes Unidos (EAU) e será presidida por alguém que tem interesses na indústria dos combustíveis fósseis, o que, logo desde o momento da sua nomeação, tem motivado críticas por parte dos movimentos e organizações ambientalistas.
Não só o facto de ter sido escolhido como anfitrião da COP8 um país fortemente dependente do petróleo, e por isso pouco inclinado para estancar esse mercado, foi visto com desconfiança, como também a indicação de Sultan al-Jaber, representante dos EAU na cimeira, para líder dos trabalhos gerou alvoroço. Isto, porque Sultan al-Jaber é também o diretor-executivo da petrolífera estatal ADNOC.
Passaram oito anos desde a histórica COP21, ocorrida em França, em que os governos do mundo estabeleceram o Acordo de Paris, que foi celebrado como o começo de uma nova era de combate à degradação da Terra. Contudo, apesar do entusiasmo inicial, desde então tem vindo a esboroar-se, e a retórica político-diplomática acabou por se traduzir em ações poucos significantes, quando se traduziu em alguma coisa de todo.
Há um ano, no Egipto, da COP27 saíram alguns avanços positivos no que toca à ação climática global, como a criação de um fundo para compensar as perdas e danos sofridos pelas comunidades mais vulneráveis a extremos climáticos (embora não tenha ficado definido como iria funcionar). Contudo, a cimeira terminou num tom agridoce por não terem sido assumidos compromissos e metas concretos para o abandono, ainda que fosse progressivo, dos combustíveis fósseis. A própria Greenpeace alertou que continuávamos a caminhar para um “inferno climático” e outras organizações diziam que o objetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 graus Celsius, como estipulado no Acordo de Paris, estava a fugir-nos por entre os dedos, embora, com vontade política e o devido financiamento, ainda não estive além das possibilidades.
As promessas da COP28
Com muito trabalho para fazer e com pouco tempo para fazê-lo, a COP28 surge num momento decisivo para a ação climática global. Numa declaração conjunta publicada este mês, a presidência da COP e o comissário europeu para o clima, Wopke Hoekstra, garantiam estar empenhados em fazer avançar ações no âmbito da mitigação e adaptação às alterações climáticas, tornar operacional o fundo de perdas e danos, reforçar as energias renováveis e reduzir a produção e uso de energia fóssil. Em suma, o principal objetivo é conseguir impedir que o planeta ultrapasse, até ao final do século, a marca dos 1,5 graus de aquecimento global face aos níveis pré-industriais.
Bianca Mattos, técnica de Políticas na associação ambientalista portuguesa ANP|WWF, explicou-nos que “na COP28, é imperativo que as Partes cheguem a acordo sobre uma estratégia para uma melhor implementação das ações, políticas e medidas necessárias para cumprir os objetivos atuais”. Isto, para ser possível “alcançar objetivos mais ambiciosos para reforçar a resiliência climática das pessoas e da natureza”.
Nesta cimeira, “precisamos de sinais políticos fortes para eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis o mais tardar em 2050, com os países desenvolvidos a alcançarem-no mais cedo, incluindo objetivos para as energias renováveis, a eficiência energética e o acesso à energia”, disse a especialista.
Entre os principais pontos da agenda da COP28, identificou “a plena operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, com promessas substanciais de novos fundos e progressos em fontes alternativas; uma decisão sobre um quadro abrangente para o Objetivo Global de Adaptação com a estrutura de orientação acordada na COP27; o aumento da provisão de financiamento público pelos países desenvolvidos para mais de 100 mil milhões de dólares por ano, em conformidade com as necessidades dos países em desenvolvimento; e o alinhamento de todos os fluxos financeiros privados e públicos com os objectivos climáticos”.
A meta dos 1,5 graus de aquecimento global ainda é alcançável?
Para Bianca Mattos, os esforços que têm vindo a ser feitos para alcançar a meta dos 1,5 graus de aquecimento global têm sido “lamentavelmente insuficientes”, pelo que, de momento, “estamos muitos longe do objetivo”. Por isso, o que acontecer nesta COP “determinará o tipo de futuro que a comunidade global e as gerações futuras enfrentarão”.
“De uma forma geral, não estamos no bom caminho para evitar um aquecimento de +1,5 – 2C”, confessou-nos, apontando que “os governos, as empresas e os financiadores têm de fazer mais” e lembrando que aplacar as alterações climáticas, bem como o reforço das renováveis, além de ajudar a evitar cenários climáticos potencialmente devastadores, permitirá combater a pobreza e estreitar o fosso de desigualdades que, por ora, se escancara entre os países mais ricos, e também mais poluidores, e os mais pobres, que acabam por sofrer as consequências mais duras das crises planetárias.
Ainda assim, a ambientalista considera que “ainda há tempo para fazer as escolhas certas que limitem a devastação das alterações climáticas a níveis controláveis e evitem uma catástrofe global provocada pelo clima”.
Avisando que “precisamos de reconhecer que 100% de energias renováveis é atualmente mais barato do que os combustíveis fósseis”, Bianca Mattos declara que “precisamos de acreditar que é possível reverter este cenário, pois a alternativa não é animadora”.
Será nesta COP que o fundo de perdas e danos entra, por fim, em funcionamento?
“Este será sem dúvida outro dos temas quentes de discussão”, garante-nos a ambientalista. Os povos e comunidades menos desenvolvidos e mais pobres são os que, em termos relativos, menos contribuem para as alterações climáticas, mas são também os que mais sentem os seus efeitos.
Como tal, a questão da justiça climática tem sido o ‘cavalo de batalha’ de vários Estados em desenvolvimento, que exigem que as nações mais ricas, que acusam de provocarem as crises planetárias, devem ajudar a financiar a mitigação e a adaptação climática daqueles que estão na linha da frente e que mais sofrem com eventos extremos causados pelas alterações climáticas.
“A justiça climática exige que se ajude os mais vulneráveis a sobreviver e a prosperar durante a crise climática”, afirma Bianca Mattos. Contudo, muitas questões sobre como deve o fundo funcionar estão ainda sem resposta, entre elas, quem devem ser os beneficiários, quem deve contribuir, quem o deve gerir.
“No nosso entender, a COP28 deve fazer avanços significativos na operacionalização total do Fundo para Perdas e Danos, que deve incluir um Fundo para Perdas e Danos autónomo com o seu próprio mecanismo de governação (ou seja, Conselho de Administração, administrador, secretariado), sob a autoridade e orientação da COP e da CMA [grupo de signatários do Acordo de Paris], novas promessas substanciais de financiamento público, um processo de análise e decisão sobre fontes alternativas de financiamento privado e o reconhecimento do papel e das limitações dos mecanismos de financiamento existentes mais vastos.”
Falta de financiamento impede avanços na ação climática
Um relatório recente da UNEP aponta que o progresso na adaptação climática “está a desacelerar em todas as frentes, quando devia estar a acelerar para responder ao aumento dos impactos e riscos das alterações climáticas”, e que as necessidades de financiamento dos países em desenvolvimento para a adaptação climática são entre 10 e 18 vezes superiores aos atuais fluxos de financiamento público internacional, cerca de 50% mais do que estimativas anteriores.
No atual sistema, sem dinheiro pouco se pode fazer, e medidas de adaptação e mitigação das alterações climáticas podem ser empreendimentos custosos, além das capacidades de muitos países, especialmente dos mais vulneráveis aos seus impactos.
Por isso, Bianca Mattos explica que “grande parte da promessa de equidade e justiça que o regime climático incorpora depende de recursos financeiros adequados” e que “a tão discutida correção de rumo prevista para este ano dependerá, em grande medida, do êxito no domínio financeiro”.
Embora se espere que mais promessas de financiamento sejam proferidas na COP28, é preciso mais do que palavras e compromissos. “É necessária execução”, alerta.
Em 2009, na COP15, os países assumiram o compromisso de, em conjunto, mobilizar cerca de 100 mil milhões de dólares por ano até 2020 para financiar a ação climática nos países em desenvolvimento. No entanto, esse objetivo “não foi atingido até agora, mas a sua concretização é fundamental para criar confiança nas negociações”, explica a ambientalista.
A agência climática das Nações Unidas (UNFCCC) calculou em 600 mil milhões de dólares por ano, entre 2020 e final de 2025, as necessidades de financiamento climático, algo que Bianca Mattos diz ser “uma obrigação de todos os países desenvolvidos e uma das prioridades financeiras durante os próximos meses e anos”. Para isso, as instituições financeiras, que têm sido apontadas como cúmplices da crise climática, devem, para a ANP|WWF, “eliminar o financiamento aos combustíveis fósseis aumentando o financiamento das renováveis, aumentar o financiamento para a ação climática como um todo, e mobilizar investimento privado e unificar os caminhos da descarbonização”.
A transição energética na luta climática
Apontando a transição energética como “um dos temas mais quentes e sobre os quais temos sólidas expectativas”, Bianca Mattos diz-nos que “a COP27 não conseguiu desenvolver de forma significativa as decisões da COP26 relativamente a este tema, mas mais de 80 países apelaram à “eliminação progressiva de todos os combustíveis fósseis não mitigáveis (“unabated”)”.
A especialista considera que os governos do mundo têm de reconhecer a “importância da transição energética para cumprir a meta dos 1,5 graus”, e tal deverá passar pela “eliminação progressiva dos combustíveis fósseis até 2050”, pela garantia de que “não serão desenvolvidas novas explorações de petróleo e de gás”, pela eliminação imediata dos subsídios a estes combustíveis, pela triplicação, no mínimo, da capacidade atual de energia renovável até 2030 (especialmente energia solar e eólica), e pela duplicação da taxa de melhoria da eficiência energética até 2023.
Resumindo, é preciso “um compromisso total para uma transição energética justa”.
Ana Marta Paz, membro da Direção Nacional da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), diz mesmo que o acordo que sair da COP28 deverá “mencionar o fim da utilização dos fósseis em detrimento da expressão ‘diminuição da utilização’”, que pode a deixar a porta aberta à continuação da exploração e uso da energia fóssil.
“O contributo dos combustíveis fósseis para o aquecimento global é inequívoco e existem alternativas”, sublinha.
A polémica da escolha de Sultan al-Jaber para presidente da COP28
Esta semana, a BBC relatou ter tido acesso a documentos que indicam que o Presidente da cimeira climática global, Sultan al-Jaber, teria planos para usar a sua posição para estabelecer negócios de petróleo e gás com dezenas de países que marcarão presença no evento.
Em reação, a organização ambientalista internacional Greenpeace disse que “se as alegações forem verdade, isto é totalmente inaceitável e um verdadeiro escândalo”.
Pela parte da ANP|WWF, “assistimos e participamos na COP28 conscientes desse facto e dos desafios que tal pode representar”, conta-nos Bianca Mattos, indicando que “apesar de a presidência ter um papel de influência, a verdade é que não tem um papel de decisor exclusivo, o que nos traz algum positivismo”.
Será que as COP realmente funcionam?
No que toca à eficiência das cimeiras globais das Nações Unidas, Bianca Mattos da ANP|WWF explica que “mesmo que as decisões e execuções não sejam tão céleres quanto gostaríamos, as cimeiras COP têm o potencial de fazer a diferença” e que “são de extrema importância pois são a única forma de manter os temas climáticos num alto nível de prioridade na agenda política”.
Ana Marta Paz, da LPN, partilha a opinião, afirmando que “podem ser uma forma eficaz de lidar com problemas que são globais”, pois, como nos recorda, “nenhum país pode lidar de forma autónoma” com desafios de tais dimensões. Ainda assim, não deixa de reconhecer que “várias COP têm deixado um amargo sabor no que toca aos compromissos reais que conseguiram alcançar”, uma vez que “continuamos a viver hipotecando o futuro das nossas sociedades quando existem alternativas para o desenvolvimento do bem-estar que permitem reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa”.
Como tal, considera que “é fundamental conciliar este mecanismo de conferência das partes com outras formas de tomadas de decisão que possam trazer a vontade das populações para os compromissos globais”, pois nem sempre o que os governos levam com eles nos seus discursos refletem “o que são as perdas reais” sofridas pelas suas populações. É por isso que destaca a importância do acesso e da participação das organizações não-governamentais (ONGs) nas cimeiras, algo que assume especial relevo numa COP que, segundo o seu presidente, se pretende que seja a mais inclusiva de sempre.
Portugal, a UE e a cimeira climática
Quanto à participação de Portugal na COP28, enquanto membro da União Europeia (UE), estará alinhada com a delegação comunitária, que será chefiada pelo comissário europeu para as alterações climáticas, Wopke Hoekstra.
A UE tem procurado destacar-se na vanguarda da ação climática e assumido o papel de ‘exemplo a seguir’. Ainda assim, apesar de a Europa tentar vestir-se cada vez mais de verde, Ana Marta Paz, da LPN, recorda que a UE é um conjunto de vontades e ambições, muitas vezes discordantes. E no seio da comunidade, Portugal poderia, diz-nos, demarcar-se dos demais pela positiva, mas o que tem feito não tem sido suficiente.
“A UE poderia ser um dos líderes na apresentação de propostas ambiciosas na COP28. No entanto, a UE é o resultado da ambição dos seus Estados-Membros. Portugal tem tido uma posição muito aquém do esperado na luta contra as alterações climáticas, o que é incompreensível pois é um dos países que já sofre e sofrerá maiores impactos negativos”, lamenta a ambientalista.
“A mensagem de desprezo dos nossos governantes sobre esta questão está à vista de todos, por exemplo na forma como as manifestações pacíficas de jovens por medidas fortes contra as alterações climáticas, na defesa do nosso futuro comum, têm sido violentamente reprimidas por forças policiais.”
Bianca Mattos espera que os resultados da cimeira se traduzam, por cá, em “compromissos credíveis”, refletidos na legislação nacional e “acompanhados por um planeamento e uma implementação adequados a nível setorial, com o envolvimento dos ministérios competentes”.
Quer isto dizer que as decisões tomadas na COP “não têm significado se não forem apoiadas por políticas nacionais e pela implementação de ações transformadoras”. Como exemplo, a especialista da ANP|WWF aponta a Lei de Bases do Clima, “que, apesar de bem construída, precisa de ser cumprida na íntegra”.
“O governo precisa de implementar ações concretas para mitigar as emissões, promover uma transição para as renováveis que não comprometa os valores da biodiversidade, e transformar os nossos sistemas alimentares para que sejam efetivamente menos impactantes para o planeta.”
Mais uma COP, mais uma viagem
“Queremos que a COP28 seja uma COP de credibilidade climática, onde as palavras, as promessas e o financiamento estejam todos alinhados com a velocidade e a escala de ação necessárias para evitar os piores impactos da crise climática”, diz Bianca Mattos. Para ela, e para a ANP|WWF, os governos que se farão representar na cimeira devem ter a coragem e a vontade política para acordar um “roteiro de ação capaz de inspirar e levar os países, incluindo Portugal, a implementar políticas que reduzam rapidamente as emissões”.
Voltar a pôr o planeta na rota dos 1,5 graus, decidir “eliminar gradualmente os combustíveis fósseis o mais tardar em 2050”, dar arranque ao Fundo de Perdas e Danos “com fundos prometidos”, aumentar o “financiamento dos países desenvolvidos para mais de 100 mil milhões de dólares por ano” e alinhar “todos os fluxos financeiros privados e públicos com os objetivos climáticos”, são as grandes expectativas para esta COP28.
Em 2022, mais de 80 países apoiaram a eliminação progressiva de todos os combustíveis fósseis, mas não se conseguiu força política suficiente para que o compromisso figurasse na declaração final.
“Agora, apelamos aos negociadores que deem prioridade a esta questão e incluam um compromisso claro de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis na COP28”, diz Bianca Mattos, pois “a ciência é clara: se não conseguirmos fazer a transição dos combustíveis fósseis e adotar fontes de energia renováveis, perderemos a oportunidade de limitar o aquecimento global a 1,5°C”.
“Se a COP28 fará ou não a diferença vai depender de uma série de factores, incluindo a vontade dos líderes mundiais de se comprometerem com ações ambiciosas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a mobilização de recursos financeiros para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento e a capacidade de ultrapassar a oposição das empresas de combustíveis fósseis e de outros interesses instalados”, salienta, e os olhos do mundo estarão postos no Dubai nas próximas semanas.
Para além do tão esperado anúncio do fim da energia fóssil, Ana Marta Paz, da LPN, espera que “as soluções baseadas na natureza sejam consideradas no acordo como a solução-chave para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, uma vez que representam as soluções mais eficientes em termos de custos e que simultaneamente trazem outros serviços de ecossistema importantes para a sociedade”.
A ambientalista explica que, por exemplo, “a adoção de técnicas agrícolas que promovam o armazenamento de matéria orgânica no solo podem contribuir para diminuir a concentração de carbono (sob a forma de gases com efeito de estufa) na atmosfera, ao mesmo tempo que melhoram a fertilidade e produtividade dos solos”.
As esperanças e também as exigências são muitas, e não são de agora. O tempo urge e a ação tem tardado em surgir. Resta agora saber se os líderes políticos estarão disponíveis para ouvir as vozes que clamam por ação climática efetiva, ou se os interesses económicos e políticos, uma vez mais, conseguirão fazer descarrilar o ‘comboio’ e adiar para um futuro cada vez mais incerto o que precisava de ter começado a ser feito ontem.