COP28: Países em desenvolvimento dizem que acordo peca pela “mínima ambição possível” e por “litania de lacunas”



Esta quarta-feira, os governos do mundo acordaram em dar início ao fim da era dos combustíveis fósseis, para travar as alterações climáticas e os seus efeitos devastadores, reafirmando o compromisso para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius.

Muitos foram as reações de celebração e de sentido de dever cumprido que se ouviram e sobre as quais se escreveu profusamente, que declaravam a inauguração de um novo capítulo da História da humanidade. De facto, o texto final do Global Stocktake (GST), que avalia o progresso feito para cumprir as metas do Acordo de Paris de 2015 e traça o caminho para o que precisa de ser feito para torná-las realidade, assume, pela primeira vez em 30 anos de COPs, que as emissões de gases com efeito de estufa são a causa do aquecimento de 1,1 graus que a Terra já evidencia.

Contudo, em todas as 21 páginas do texto, a expressão ‘combustíveis fósseis’ é apenas referida duas vezes. Ainda assim, pode ler-se que é “com alarme e séria preocupação” que os Estados “notam” que “as atividades humanas, principalmente através das emissões de gases com efeito de estufa, causaram inequivocamente o aquecimento global de cerca de 1,1 graus Celsius”.

Os países em desenvolvimento estão entre os que mais sofrem com os efeitos das alterações climáticas, pelo que a aprovação do Fundo de Perdas e Danos, logo no primeiro dia da COP28, foi acolhido como uma grande vitória.

Ainda assim, e apesar dos significativos progressos, o acordo sobre o texto GST não agradou a todos os Estados, e os países insulares, cujos territórios estão, por exemplo, a desaparecer sob o avanço dos mares, foram particularmente críticos não só do resultado da cimeira, mas também sobre o processo.

Falando em nome da Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS), um grupo criado em 1990 para representar 39 países arquipelágicos, desde as Caraíba ao Pacífico, passando por África e pelo Índico, Anne Rasmussen criticou a presidência da cimeira, assumida pelos Emirados Árabes Unidos, por ter dado o texto como aprovado sem a AOSIS estar presente no plenário.

Anne Rasmussen, presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), a discursar no plenário da COP28 que aprovou o acordo final.
Foto: AOSIS / Twitter

Discursando perante as quase duas centenas de delegações, a representante da Samoa tomou a palavra para dizer que o presidente da COP, Al Jaber, oficializou a decisão “e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento não estavam na sala”.

Rasmussen explicou que o grupo estava a coordenar o trabalho dos 39 países e que, por essa razão, não tinha conseguido chegar a tempo. Ainda assim, a representante não poupou críticas.

Salientando que os resultados do GST são fundamentais para “assegurar que ainda conseguimos limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius” e que o texto contém “referências fortes à ciência”, lamentou que, do ponto de vista da AOSIS, a tão aguardada correção de rumo para evitar os piores cenários climáticos “ainda não ficou assegurada”.

Rasmussen aponta que o texto, no parágrafo 26, não compromete os países a atingirem o pico das suas emissões até 2025, um requisito central indicado pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) para ser possível limitar o aquecimento do planeta. “Referimos a ciência ao longo de todo o texto e até neste parágrafo, mas abstemo-nos de um acordo para tomar ações relevantes de forma a agir em linha com o que a ciência diz que temos de fazer”.

“Esta não é uma abordagem que nos deve ser pedido para defender”, lançou.

Depois, Rasmussen vira-se para o célebre parágrafo 28, onde estão contidas as únicas duas referências diretas aos combustíveis fósseis. Na alínea d), os países comprometem-se com uma transição “para além dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de forma justa, ordeira e equitativa”.

Para a AOSIS, essa é uma formulação “dececionante” por limitar um eventual fim do fóssil ao fornecimento de energia.

Além disso, a representante da Samoa admite preocupação com a redação da alínea e), que lista várias opções tecnológicas para reduzir as emissões, como as renováveis, a nuclear e tecnologias de captura e sequestro de carbono. Estas soluções são vistas por alguns como “falsas soluções” e “distrações” que podem tirar fôlego aos esforços para realmente acabar com as emissões de gases com efeito de estufa.

Sobre isso, Rasmussen afirma que “estão a pedir-nos para apoiar tecnologias que podem resultar em ações que enfraquecem os nossos esforços”.

E as críticas estendem-se também à alínea h), na qual o texto refere o “abandono progressivo, o mais rapidamente possível, de subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis que não respondam à pobreza energética ou a transições justas”. Para a porta-voz da AOSIS, esta secção do documento é “uma litania de lacunas” que, na verdade, não afirma “um abandono progressivo dos subsídios” e “não nos move para lá do status quo”.

O discurso de Rasmussen foi um entre vários outros que ‘deitam água na fervura’ das celebrações do acordo, e terminou com uma ovação de pé por parte de vários delegados presentes na sala do plenário.

Estados menos desenvolvidos dizem que acordo reflete “a mínima ambição possível”

Outros grupos de Estados em desenvolvimento também fizeram ouvir o seu descontentamento com o desfecho da COP28.

Pela parte dos Estados Menos Desenvolvidos (LDC), que descreve como um coletivo de “46 nações que estão especialmente vulneráveis às alterações climáticas, mas que foram as que menos contribuíram para o problema”, Madeleine Diouf Sarr, presidente do grupo, afirma que “este resultado não é perfeito, esperávamos mais”.

Madeleine Diouf Sarr, presidente do grupo dos Estados Menos Desenvolvidos (Least Developed States, LDC).
Foto: LDC Chair / Twitter

Em comunicado, a representante do Senegal critica que o acordo alcançado “reflete a mínima ambição possível”, apontando que foi dada prioridade a interesses políticos ao invés de se ouvir a ciência.

“A decisão no Dubai é histórica por incluir a primeira referência aos combustíveis fósseis, mas estamos preocupados com as lacunas que deixa abertas, que podem limitar verdadeiras reduções de emissões e a ambição”, salienta.

No que toca ao financiamento climático, outro grande tema que marcou a COP28, Sarr diz que “é reconhecido no texto os biliões de dólares que são precisos para responder às alterações climáticas nos nossos países” e “a grande diferença entre as necessidades dos países em desenvolvimento e o financiamento disponível”, mas denuncia que o acordo “falhar em dar uma resposta credível a este desafio”.

Avançando que no próximo ano será definido uma nova meta para o financiamento global, que atualmente está nos 100 mil milhões de dólares ao ano, Sarr considera que “a nova meta deve refletir as necessidades totais dos nossos países para responderem às alterações climáticas, incluindo custos para mitigar, adaptar e responder a perdas e danos”.





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