Da lixeira à reciclagem: em Moçambique o plástico ajuda a estudar e matar a fome
Madalena Júlio, de 16 anos, apanha à mão plásticos na maior lixeira de Moçambique para sustentar a família, num negócio em que entrou há três anos.
“Comecei a apanhar porque a minha mãe não tinha dinheiro para pagar a escola. Eu apanhava o lixo para vender e comprar cadernos”, conta à Lusa, enquanto aguarda na fila de pagamento do plástico vendido a uma empresa de reciclagem nos arredores da lixeira de Hulene, Maputo.
O pai é deficiente e a mãe está desempregada.
A lixeira é a fonte de sobrevivência da família de 11 pessoas que vive a poucos metros.
Madalena aventurou-se no meio do lixo durante o quinto ano de escolaridade e hoje, no oitavo, intercala os dias de apanha de plásticos com os dois irmãos.
“Temos uma esquina [na lixeira] onde acumulamos o plástico até que seja suficiente para vender”, explica Madalena.
A recolha de plástico em Maputo, um negócio dominado maioritariamente por jovens e mulheres, tem sido a base de rendimento de muitas famílias, principalmente das que vivem nos arredores da lixeira.
Ali ao lado, Lisete Boavida, 57 anos, entrou na mesma lide em 2000 para sustentar cinco filhos, depois de ter sido abandonada pelo marido.
“Comecei e a minha vida está a andar até hoje”, sublinha.
“Consegui criar os meus filhos e tenho netos. Através do trabalho ali [na lixeira], construi uma casa”, que embora precária, tem “energia e água”, refere.
Lisete e Madalena cruzam-se sempre quando entregam os fardos de plástico no ponto de recolha da empresa que o separa e lava.
“Temos uma máquina que tritura e lava ao mesmo tempo. O resultado é um plástico limpo, pronto para ir a uma fábrica, para ser derretido e transformado”, detalha Luís Stramota, diretor executivo da Valor Plástico, uma empresa de reciclagem em Maputo.
O lixo plástico ali vendido já foi usado em garrafas, sacos, bacias, tigelas, bidões e recipientes de cosméticos, chega embrulhado em redes mosquiteiras de combate à malária, é pesado e vendido a 10 meticais (11 cêntimos de euro) cada quilo.
A manhã é agitada na empresa, a cada instante chegam novos catadores carregados de plásticos, à cabeça ou em carros de mão (‘tchovas’), as máquinas “roncam” sem parar e o espaço para circular fica mais apertado.
A Valor Plástico tem cerca de 800 catadores registados e processa, por dia, cerca de 12 a 14 toneladas de plástico.
Segundo Stramota, a lixeira de Hulene recebe diariamente cerca de 1.000 toneladas de resíduos, dos quais aproximadamente 120 a 160 toneladas são de plástico, referindo que “há uma grande operação de coleta e muitas famílias têm a sua base de sustento lá”.
“Nos últimos meses processámos cerca de 800 toneladas. O facto de se ter atribuído um valor ao plástico faz com que as pessoas o procurem e façam a recolha”, acrescenta Luís Stramota.
Da Valor Plástico, o lixo que já virou matéria-prima segue para a Topack, uma das raras empresas em Moçambique a transformar o lixo plástico noutros utensílios, dando-lhes uma nova vida, completando um ciclo.
“A reciclagem permite-nos reutilizar os mesmos produtos por um determinado número de vezes, diminuindo assim o impacto no nosso meio ambiente”, refere Jaime Lima, diretor geral da Topack.
“Nós adquirimos e recolhemos plástico oriundo de outras indústrias e de catadores. Fazemos a seleção por tipo e depois há o processo de transformação”, explica.
Há um ruído ensurdecedor na fábrica: grandes máquinas estão em funcionamento para dar uma “nova vida” ao lixo plástico, uma atividade que emprega cerca de 200 pessoas.
“Convertemos matéria-prima e reciclada de plástico em produtos que podem ser usados em casa, noutras indústrias, assim como na área da logística”, explica Lima.
Tudo acontece como num toque de magia: bocados de plástico entram numa máquina e em 30 segundos sai uma bacia pronta a ser usada ou outro utensílio, de acordo com o molde: cabides, tigelas, açucareiros, reservatórios de água, cadeiras, mesas ou grades para a indústria de bebidas.
“O grande prazer que dá ao trabalhar nesta indústria é poder ajudar o próximo, ver a reação das ‘mamanas’ e jovens quando nos vendem o plástico e sabem que têm garantida pelo menos a refeição do dia”, conclui Luís Stramota, da Valor Plástico.