Descobertas duas novas espécies de coníferas extintas na região de Leiria



Um grupo internacional de investigadores descobriu fósseis de duas novas espécies de coníferas, que terão vivido há cerca de 100 milhões anos, no Cretácico inferior. Os espécimes, identificados como pertencendo à família já extinta Cheirolepidiaceae, foram encontrados durante trabalhos de campo na região do Juncal, no distrito de Leiria.

Uma das espécies foi batizada com o nome científico Classostrobus doylei, em homenagem a James Doyle, Professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos da América, e a descoberta, feita em 2022, foi divulgada num artigo publicado recentemente na revista ‘Cretaceous Research’. Esta planta foi identificada através de um cone masculino, estrutura caraterística das coníferas que permite a dispersão de elementos reprodutores masculinos, os pólenes.

Imagens obtidas em microscopia eletrónica de varrimento de Classostrobus doylei sp. nov. do Cretácico Inferior da Formação de Figueira da Foz (Juncal). A. Cone masculino com microsporofilos dispostos helicoidalmente; escala 1 mm. B. Sacos polínicos com grãos de pólen in situ atribuíveis a Classopollis triangulus (setas); escala 50 µm.

 

Em declarações à Green Savers, Mário Miguel Mendes, um dos autores do trabalho, explicou que “tivemos a sorte de encontrar um cone masculino, muito bem preservado, no interior do qual se observam os sacos polínicos com Classopollis triangulus”. O investigador da Universidade de Coimbra e do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, recordou que foi “extremamente gratificante” ver a associação entre os pólenes C. triangulus e o cone C. doylei, quando colocou esse último no microscópio eletrónico de varrimento. Esse tipo de grãos de pólen, já descrito há muitos anos, é produzido por cones masculinos do género Classostrobus, mas até agora “não se conhecia o cone onde eram produzidos”, acrescentou o paleobotânico, declarando que “agora sabemos que Classostrobus doylei produz pólenes da espécie Classopollis triangulus”.

Poderá ser estranho que os grãos de pólen e as plantas que lhes dão origem sejam classificados com nomes científicos diferentes, como se fossem entidades biológicas distantes. Mas Mário Mendes contou-nos que, durante a fossilização, “as plantas sofrem um processo de transporte, pelo que não é fácil encontrar uma planta completa, ou seja, com estruturas reprodutoras e vegetativas”. É por isso que associar pólenes a espécies de plantas nem sempre é fácil, havendo, como tal, “muitos pólenes e esporos descritos como espécies” sem se conhecer qual a estrutura que os produziu.

“No fundo, estas descobertas tornam estes trabalhos incríveis porque nos permitem ir montando as várias peças que faltam no puzzle da evolução florística”, observou o português, apontando que “até suspeitamos que o cone Classostrobus doylei tenha sido produzido por uma espécie anteriormente descrita na mesma flora”, a Pseudofrenelopsis zlatkoi, devido às características do cone descoberto.

Além disso, os pólenes do género Classopollis não são comuns entre as coníferas, pelo que, por isso, os cientistas dizem que será “a característica mais distintiva da família Cheirolepidiaceae”.

A outra nova espécie descrita tem o nome de Frenelopsis callapezii, em honra Pedro Callapez Tonicher, Professor da Universidade de Coimbra. A descoberta, feita entre 2023 e 2024 e que será publicada em breve na revista ‘International Journal of Plant Sciences’, num artigo também da coautoria de Mário Mendes, foi possível através da análise da morfologia de estruturas caulinares, ou seja, ramos e caules da planta.

Imagens obtidas em microscopia eletrónica de varrimento de Frenelopsis callapezii sp. nov. do Cretácico Inferior da Formação de Figueira da Foz (Juncal). A. Aspeto geral dos ramos ilustrando o padrão de ramificação; escala 5 mm. B. Detalhe do ramo onde se observa a região nodal; escala 2 mm.

 

Sobre a nova espécie, a equipa de investigadores diz que “ao contrário de outras espécies do mesmo género, a Frenelopsis callapezii não possui longos tricomas, apenas papilas, e apresenta um tipo de ramificação que nos parece ser pouco usual nos frenelopsídeos”.

Com base na análise de outros fósseis encontrados no local onde foram identificadas as duas novas espécies, foi possível perceber que a flora do Cretácico inferior na região do Juncal era sobretudo dominada por coníferas e por fetos. Contudo, também foram encontradas angiospérmicas, ou plantas com flor, especialmente flores do género Saportanthus, e percebeu-se que, na flora ancestral dessa região, os pólenes do género Classopollis dominavam.

A presença dessas espécies de plantas sugere que, há cerca de 100 milhões de anos, a região do Juncal era caracterizada por “condições húmidas relacionadas com ambiente fluvial pouco profundo” e também pela “ocorrência de habitats interiores mais seco, ainda que moderadamente húmidos, dominados por coníferas”, disse-nos Mário Mendes.

Mas ainda há muito por descobrir sobre a vida vegetal antiga nesse local, com o cientista português a reconhecer que “existem alguns elementos da flora que ainda não percebemos a que grupo taxonómico pertencem”, indicando que “possivelmente, só a microtomografia de raios-X por radiação de sincrotrão nos irá dizer algo mais preciso”.

E avançou-nos que, na mesma área, foram encontrados “inúmeros fragmentos de âmbar”, que estão agora a ser estudados em parceria com investigadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e que se espera que venham a revelar ainda mais detalhes sobre a vida que há centenas de milhões de anos habitava a região.

Outros mistérios estão ainda por resolver. As coníferas, sendo plantas sem flor, dispersam os seus grãos de pólen através do vento, um fenómeno conhecido como polinização anemófila. No entanto, já foram encontrados grãos de pólen de Classopollis no sistema digestivo de Aboilus amplus, uma espécie já extinta de inseto alado, algo que leva os cientistas a pensar que as coníferas da família Cheirolepidiaceae podem ter sido as únicas coníferas a ser polinizadas por insetos.

“Este é outro enigma que eu gostaria de resolver antes de me retirar!”, confessa Mário Mendes, com entusiasmo.

Especialmente durante o início do Período Cretácico, as espécies da família Cheirolepidiaceae dominaram “inúmeros ecossistemas terrestres”, mostrando uma capacidade de adaptação notável “a uma variedade de climas e habitats”, afirmou o investigador português.

Com dimensões muito variáveis, desde arbustos a árvores, essas coníferas terão criado “áreas de floresta que influenciavam a estrutura do ambiente e as próprias condições climáticas locais”, explicou-nos, além de que serviam como “fonte importante de alimento para herbívoros”. Como se não bastasse, e à semelhança das plantas de hoje, forneciam aos solos nutrientes essenciais, sendo por isso fundamentais para outras espécies vegetais da altura com as quais coexistiam.

“Eram, com toda a certeza, uma parte crucial da dinâmica de nutrientes que suportava os ecossistemas complexos do Cretácico”, sentenciou Mário Mendes.

Quanto ao que terá levada à extinção da família Cheirolepidiaceae, o cientista português aponta que tudo indica que os cones masculinos se tenham tornado inférteis, impossibilitando, assim, a reprodução das espécies e, no final, ditando a extinção desse grupo de coníferas.





Notícias relacionadas



Comentários
Loading...