Dez anos após o Acordo de Paris: avanços em Portugal e desafios globais persistem
Há precisamente dez anos, em Paris, 195 países adotavam o Acordo de Paris, o primeiro tratado universal e vinculativo de combate às alterações climáticas. Uma década depois, o balanço é misto: se por um lado o acordo teve um impacto positivo, especialmente em Portugal, por outro não consegue dar resposta completa à crise climática global, alertam organizações ambientalistas e especialistas.
O antigo ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes, que em 2015 representava Portugal na COP21, destacou, em entrevista à agência Lusa, a importância do marco: “Estamos mesmo a cumprir o nosso papel, e o acordo foi muito importante para Portugal e para a Europa”. Matos Fernandes considera que o mais relevante não é comparar o que está a acontecer com o que era suposto, mas refletir sobre o que teria acontecido caso o Acordo não tivesse sido assinado: “O que sinto é que sem ele o mundo estaria muito pior em termos de emissões, do discurso e da ambição.”
Na altura, o então ministro sublinhava o empenho de Portugal “com a profunda descarbonização da sua economia” e os “grandes passos em termos de redução da poluição industrial”, bem como a promoção das energias renováveis. “O país está preparado e empenhado para ir mais longe porque o objetivo é um futuro sem emissões de carbono”, disse. Atualmente, Matos Fernandes admite que 2025 possa não ser ainda o ano em que as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) atinjam o seu limite, mas reafirma a necessidade de continuar a lutar: “Se essa meta for ultrapassada há que procurar outras metas, sem medos, e não baixar os braços.”
O ex-ministro aponta ainda para os resultados positivos em Portugal: “Só na geração de eletricidade reduzimos 83%”, recordando o encerramento da refinaria de Leça da Palmeira, desativada em 2021. Hoje, Portugal é mais independente em termos energéticos e mantém “o quinto preço mais baixo na indústria da Europa”.
No plano global, a leitura de organizações ambientalistas é mais crítica. Alexandra Azevedo, presidente da associação Quercus, admite à agência noticiosa portuguesa que falta ambição ao Acordo de Paris e aponta “conflitos de interesses e falta de entendimentos globais”, mas reconhece avanços em iniciativas regionais, como a conferência da Colômbia de 2026 sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. “Ficarmos paralisados porque não é possível um acordo global não”, afirmou. Quanto à COP30, realizada recentemente em Belém, Brasil, considerou que o Acordo “nem foi honrado”, embora o seu “espírito não caiu por completo”.
Francisco Ferreira, presidente da associação Zero e especialista em ambiente, sublinha que o Acordo ainda cumpre um papel referencial: “É bom haver uma consciência global quanto ao horizonte de temperaturas”, e alerta para a urgência de acelerar a redução de emissões. Segundo Ferreira, “2030 é amanhã e estamos distantes das metas do Acordo”. Apesar de haver uma trajetória mais positiva comparando com 2015, quando o mundo caminhava para um aquecimento global de 3,5 a 4ºC, “ainda não será este o ano em que se inverte o aumento das emissões de GEE”.
O especialista recorda que a humanidade continua a destruir sumidouros de carbono e a gerar mais emissões, enquanto o oceano absorve 90% do calor excedente: “Queremos manter os 1,5ºC, mas todos temos consciência de que o caminho, a cada dia que passa, precisa de uma inversão muito mais dramática.” Ferreira destaca ainda o mecanismo de revisão quinquenal das contribuições dos países, apontando que na COP30 se acelerou o processo e se aumentou a ambição.
Para Matos Fernandes, apesar das dificuldades globais, Portugal tem avançado com a sua agenda climática, e países como a China mostram que é possível crescer economicamente ao mesmo tempo que se investe em sustentabilidade: “Não precisou de um ‘acordo verde’ como a Europa para perceber que a forma de fazer crescer a economia é investir na sustentabilidade. E está mesmo a conseguir.”
Dez anos depois de Paris, a mensagem é clara: embora o Acordo de Paris não consiga resolver sozinho a crise climática, “o seu espírito não caiu por completo” e continua a servir como referência para políticas públicas, iniciativas regionais e mudanças concretas, em Portugal e no mundo.