Dia da Energia: Contadores Inteligentes. Tecnologia ao Serviço de Quem?



Por Ana Bernardo, Diretora Executiva da ACEMEL – Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado

O Dia da Energia, celebrado a 29 de maio, convida-nos a refletir sobre a forma como usamos, produzimos e regulamos a energia.

Num momento em que a transição energética se torna imperativa, importa olhar com sentido crítico para as ferramentas que temos à disposição e que nos podem ajudar a gerir melhor este recurso fundamental. Os contadores inteligentes são uma dessas ferramentas.

De acordo com a informação prestada pelo Operador da Rede de Distribuição (E-REDES) no final do ano de 2024 ficou concluída a instalação de 6,6 milhões de contadores inteligentes de eletricidade no nosso país, a totalidade dos Clientes de Baixa Tensão Normal (BTN) de energia elétrica.

A concretização deste projeto correspondeu ao estipulado no Decreto-Lei n.º de 14 de janeiro, uma vez que este determinou a integração, em rede inteligente, de todos os clientes em BTN em Portugal continental, até final de 2024.

Adicionalmente, a Diretiva ERSE n.º 9/2024 reforça este enquadramento regulamentar, estabelecendo prazos concretos para a instalação de contadores inteligentes e a sua integração nas infraestruturas das redes inteligentes, determinando que essa integração deveria ocorrer até ao final de 2024 para a totalidade dos clientes de Portugal continental.

Tratou-se de um processo longo e caro. Iniciou por volta de 2009 com o projeto InovGrid da EDP e com a instalação de contadores deste tipo na cidade de Évora (cerca de 30000). Contudo, embora também utilizassem como elemento distintivo os condutores de energia elétrica para a comunicação entre a casa dos Clientes e os Postos de Transformação, estes contadores pertencem a uma tecnologia menos desenvolvida do que aquela que se seguiu com a instalação massiva de contadores inteligentes, iniciada em 2016 e finalizada em 2024, correspondendo a um investimento superior a 300 milhões de euros.

A utilização de contadores inteligente está generalizada no espaço europeu, sendo a Itália o primeiro país europeu que adotou estas tecnologia em massa (desde 2001), estando, desde 2017, com a instalação da 2ª Geração.

As redes de energia elétrica inteligentes incluem não só os contadores inteligentes, mas também tecnologias de comunicações, sistemas de informação e de tratamento dos dados de energia e apenas com estes componentes interligados é possível prestar serviços mais avançados por parte dos Operadores de Rede.

Portanto, coloca-se a questão: será que todos os contadores inteligentes instalados estão a fazer uso da sua “inteligência”? Ou seja, será que a infraestrutura atrás referida, designadamente os concentradores, colocados nos Postos Transformação, que comunicam com os contadores já se encontram todos instalados?

Atualmente já é possível proceder à alteração remota da potência contratada, fazer o corte e a religação remota e a alteração do tarifário.

Contudo seria desejável a implementação de tarifários dinâmicos com estruturas de preços da eletricidade em que o custo por kWh varia ao longo do tempo, geralmente em função do mercado grossista de energia ou da procura na rede.  Ao contrário dos tarifários fixos ou bi-horários, os preços dinâmicos mudam frequentemente, até de hora a hora.

Portanto, estes dispositivos têm o potencial de revolucionar a relação dos consumidores com a energia, oferecendo dados detalhados, controlo remoto, gestão de consumos e integração com sistemas de autoconsumo, carregamento de veículos elétricos e tarifas horárias. Porém, esta revolução ainda não chegou à maioria das casas portuguesas.

Apesar da instalação física dos contadores, a realidade é que muitos consumidores, sobretudo domésticos, não usufruem das funcionalidades dos mesmos!  Não sabem aceder aos dados de consumo, desconhecem as ferramentas digitais da distribuidora ou dos comercializadores e não têm qualquer incentivo real para alterar os seus hábitos com base nessa informação. É um caso de tecnologia disponível, mas subutilizada.

A grande maioria dos Clientes portugueses não sentiu qualquer diferença com a mudança para o contador inteligente, muitos, certamente, desconhecem as funcionalidades que podem ser acedidas, para uma melhor gestão do seu consumo.

Em contraste, países como a Suécia oferecem aos seus consumidores acesso total aos dados, apps intuitivas, tarifas horárias dinâmicas e campanhas de literacia energética.

Ou seja, a diferença não está apenas na infraestrutura e na tecnologia, mas, também, na visão política, na regulação proativa e na estratégia implementada no sentido de tornar o Cliente mais instruído e mais preparada para fazer um uso eficiente de um recurso essencial e caro.

Se queremos um sistema energético mais eficiente, democrático, justo e sustentável, instalar tecnologia é uma condição necessária, mas não suficiente: é também fundamental colocá-la ao serviço das pessoas. O dia da Energia deve servir para reafirmar este compromisso. Um consumidor bem informado é um agente ativo da transição energética.






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