Dia Mundial da Água: “Temos vivido como se a água disponível nunca acabasse”



O desafio é simples: fechar a torneira por uma hora, sem qualquer consumo de água, entre as 22 e as 23 horas, hoje, Dia Mundial da Água, num gesto deliberado e consciente. Promovido pela Comissão Especializada de Comunicação e Educação Ambiental da APDA, o movimento “H2OFF – Hora de fechar a torneira” tem como objetivo motivar a mudança consciente de comportamentos sobre o uso correto e eficiente da água, incitando a proteção e preservação da mesma. Lídia Nascimento, uma das embaixadoras do movimento falou com a Green Savers sobre a sua importância e deixou dicas para poupar água.

– A falta de água no mundo é uma realidade cada vez mais premente. O que é que se pode fazer para tentar inverter a situação?

A água é essencial à vida, por isso deveríamos todos zelar por esse bem precioso. Para inverter a situação no mundo é necessário tomar medidas adequadas à especificidade de cada local, pois a água não existe de forma uniforme em todo o planeta, muito menos a sua distribuição.

Entre todas as outras regras já existentes para construção de casas, poderia existir a obrigatoriedade de instalação de um sistema de reaproveitamento dessa água, e haver um fundo ambiental (os fundos deveriam servir para medidas concretas, com efeitos práticos e eficazes) para apoiar quem quisesse instalar esse sistema na sua casa. Outra regra poderia ser um sistema para recolha da água da chuva que cai no telhado. Temos um sistema rudimentar e muito simples na nossa casa, feito por nós, que nos permite aproveitar muita água da chuva para regar a horta, por exemplo. Há muitas medidas que deveriam ser adotadas pelas entidades competentes, como evitar que a água se perca ao longo do sistema de distribuição, ou fazer a manutenção de equipamentos públicos, como os chuveiros de praia, por exemplo, que muitas vezes estão avariados e a deitar constantemente água. Também seria muito importante “plantar” água. Quanto menos vegetação houver, menos água há, pois as plantas e as árvores ajudam a criar humidade, a baixar a temperatura, evitando a evaporação, e a fixar a água. No planeamento dos espaços públicos deveria ter-se em conta quais as melhores plantas para o fazer, a relva não é uma delas. Num país que vive bastante à base do turismo e quer viver ainda mais, é necessário ter em conta o exponencial aumento de pessoas no verão, meses em que há e cada vez é mais provável haver seca severa, o que implica um grande aumento do consumo de água. Deveria ser obrigatório os empreendimentos turísticos terem um sistema de poupança e reaproveitamento de água, especialmente os que dispõem de campos de golfe, que têm de ser constantemente regados. Há muitas, muitas medidas que podem ser adotadas pois, basicamente, está tudo por fazer, temos vivido como se a água disponível nunca acabasse. O ciclo da água demora muito tempo a completar-se e estamos a consumi-la a uma velocidade vertiginosa, não permitindo que o ciclo se complete em tempo útil para o ser humano e para os outros seres vivos, dos quais a existência do ser humano também depende.

Do meu ponto de vista, seja em Portugal, seja no resto do mundo, da parte das entidades competentes a medida número um seria não deixar nenhuma das medidas no papel, pois seja qual for a medida, tem de ser posta em prática rapidamente; da parte dos cidadãos, o principal seria não pensarmos que o que fazemos não tem importância, seja de forma negativa, seja de forma positiva, pois somos muitos e se muitos fizermos o mesmo, os resultados são visíveis. Lema: não desperdiçar uma única gota de água.

Que medidas práticas e simples pode o cidadão português adotar para poupar água?

Em Portugal há muitas medidas que podem ser adotadas, não apenas quando não está a chover e não apenas no papel, mas contínuas e práticas. Da parte do cidadão comum, seria importante ter plena consciência de que a escassez já é real e vai ser cada vez mais grave, não num futuro distante, mas no imediato. Cada um de nós, enquanto consumidor diário de água, pode tentar poupá-la ao máximo, só gastando a água realmente necessária. Um exemplo muito simples é aproveitar a água de lavar os legumes para regar as plantas, mas um dos maiores desperdícios diários generalizados, por parte de qualquer pessoa, são os muitos litros de água gasta enquanto se espera que saia água quente para tomar banho. Essa água, totalmente limpa, pode facilmente ser recolhida com um recipiente, um balde, por exemplo, e utilizada para vários fins, como lavar o chão, ou usá-la na sanita em vez de descarregar o autoclismo. Em relação aos banhos em si, milhões de pessoas gastam milhões de litros de água potável diariamente, e penso que poderia existir um sistema de recolha dessa água para as descargas na sanita.

– Acredita que os cidadãos vão ganhar (ou já estão) uma consciência cívica para reagir em relação ao problema da água?

Parece-me que cada vez há mais cidadãos conscientes deste problema e que já estão a alterar alguns hábitos, o que é bom. No entanto, também me parece que muitas pessoas apenas se preocupam com este problema quando não chove e que se chover um dia já não é necessário fazer nada, o que não é bom, nem real. Mas parece-me que deveria haver muito mais informação e sensibilização da parte das entidades competentes, pois só se ouve falar deste problema no verão, apesar de ser um problema constante ao longo do ano e dos anos. Também não há informação para o público em geral sobre os litros de água que é necessário gastar para se produzir uma camisola, por exemplo, ou umas calças, ou para terem um bife no prato. Em relação ao bife, por exemplo, quando se ouve falar na água que se gasta na agricultura, parece que se está a falar apenas de legumes, mas na verdade está incluída a água que se gasta na criação de animais para consumo humano, que é a parte da agricultura que gasta mais água. Se as pessoas não estiverem informadas da realidade do prolema da água e do que podem fazer para o mitigar, como é que pode existir uma consciência cívica para reagir ao mesmo?

– Por que aceitou ser embaixadora do Movimento H2OFF da APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas e o que significa a promoção, no dia 22 de março, Dia Mundial da Água, às 22 horas, a HORA DE FECHAR A TORNEIRA?

Para mim é uma honra ter a oportunidade de ser embaixadora do movimento H2OFF da APDA, pois é mais uma oportunidade para chamar a atenção e sensibilizar para o grave problema da escassez de água e para o facto de haver coisas que cada um de nós pode fazer para o minimizar. Habitualmente lido com lixo marinho, ou seja, água salgada, mas a água salgada já foi água doce e vai voltar a sê-lo, através da evaporação, está tudo interligado, e sem água não há vida no planeta, pelo menos da forma que a conhecemos. A HORA DE FECHAR A TORNEIRA não poderia ser mais adequada a nível de significado, pois estamos habituados a abrir a torneira e ter água sempre disponível. Mas não é assim no mundo inteiro e não vai ser assim aqui nem em qualquer outro lugar do planeta se não mudarmos o nosso comportamento. Apesar de ser apenas uma hora por ano, se não podermos abrir a torneira, dá para nos apercebermos da falta que a água faz (não lavar as mãos, nem os dentes, nem puxar o autoclismo…) e ao sentir isso na pele, pelo menos algumas pessoas vão ter mais consciência de que é necessário mudar alguns hábitos e que alguns deles nem são assim tão difíceis de mudar.

Lídia é ativista ambiental e, juntamente com Manuel Nascimento, são um casal que recolhe lixo nas praias do Concelho de Torres Vedras há vários anos. Em 2019, decidiram criar uma página nas redes socias, com o nome “Mar à Deriva – Adrift Sea”, onde partilham fotografias e vídeos do lixo que encontram.

Em 2021, os criadores do projeto Mar à Deriva – Adrift Sea, juntaram-se à iniciativa H2Off. Veja algumas fotos no âmbito do projeto “Mar à Deriva – Adrift Sea”.

 

 

 

 

Entrevista originalmente publicada dia 22 de março de 2023





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