Documentários da vida selvagem focam-se demasiado em mamíferos e aves, diz estudo
Os documentários sobre os animais e plantas que vivem no nosso planeta já inspiraram, e continuam a inspirar, milhões para agirem na proteção da vida selvagem, trazendo até nós imagens e sons de florestas tropicais, dos picos mais altos das montanhas e até das profundezas mais escuras dos oceanos. À medida que aumenta a densidade populacional nas cidades e o despovoamento de zonas mais próximas da Natureza, os documentários da vida selvagem assumem um papel cada vez fundamental, para recordar que existe muito mais além daquilo que conseguimos ver à nossa volta.
No entanto, um estudo publicado recentemente na revista ‘People and Nature’ aponta que esses documentários, cuja produção cresceu exponencialmente nas últimas décadas, apresenta uma visão ‘enviesada’ da Natureza que nos rodeia.
Através da análise dos registos de 945 documentários de vida selvagem produzidos entre 1918 e 2021, os investigadores constataram que, apesar de os filmes mostrarem uma preocupação crescente face à conservação das espécies, existe um foco muito maior sobre os vertebrados, em especial mamíferos e aves, do que sobre os restantes grupos taxonómicos.
Os resultados do trabalho mostram que 81% dos documentários eram sobre vertebrados, sendo que metade cobriu mamíferos e aves, ao passo que apenas 18% se referiam a invertebrados.
Os investigadores salientam que esses números são curiosos, uma vez que atualmente apenas 3,4% de todas as espécies de animais selvagens no planeta são vertebrados, sendo que os invertebrados são o grupo dominante, com 75% das espécies hoje conhecidas.
“Há certamente uma razão para o facto de vermos mais mamíferos e aves [nos documentários]”, explica Howlett. “Se queremos que as pessoas se envolvam, precisamos de animais que as pessoas conheçam e sobre os quais já se preocupem, ou então não assistirão.”
No que toca aos tipos de habitats, as florestas tropicais são os que mais surgem nos documentários, sendo que o oceano profundo é o que menos aparece, uma disparidade que os investigadores dizem que se manteve relativamente constante ao longo das décadas estudadas.
Por outro lado, menções à conservação da Natureza apenas surgem em 16% dos documentários abrangidos por este trabalho, embora nos que foram feitos nesta década esse valor suba para quase metade. Antes dos anos 1980, nenhum documentário continha qualquer referência à conservação.
Ainda, os impactos dos humanos sobre o planeta só são mencionados em 22% dos documentários, mas não aparecem de todo antes de 1970, surgindo somente na forma de ‘sobre-exploração das populações de animais’. Desde então, menções aos impactos antropogénicos têm aumentado, mas “algumas ameaças são mencionadas mais frequentemente do que outras, possivelmente dando uma visão enviesada da sua importância”.
Por isso, os autores desta investigação apelam aos realizadores de documentários de vida selvagem que ampliem o leque de espécies e de habitats abrangidos, para ser possível sensibilizar os espectadores para a variedade de formas de vida e de ambientes que caracterizam a Terra, e não apenas para os mais vistosos ou mais ‘fofinhos’.
“É bastante assustador perceber quão imprecisa é a nossa perceção do mundo, e é importante que seja dado aos espectadores um equilíbrio adequado entre educação e entretenimento, bem como esperança e soluções para os problemas relacionados com a conservação”, destaca Howlett.