Domingos Naveiro, INT: “Há poucos jovens engenheiros brasileiros qualificados para a procura que existe”



Actualmente a cumprir 90 anos, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) brasileiro tem hoje um dos mais importantes papéis, no Brasil, no desenvolvimento de uma estratégia de sustentabilidade, inovação e economia verde.

O presidente do INT, Domingos Naveiro, falou com o Green Savers sobre o papel do INT na ligação às empresas e academia, os objectivos da primeira edição dos Green Project Awards Brasil, a ligação a Portugal e a forma como os jovens brasileiros encaram a sustentabilidade.

Leia a entrevista exclusiva de Domingos Naveiro ao Green Savers.

Na prática, o que faz o INT, qual o seu papel e objectivo?

O Instituto Nacional de Tecnologia é um órgão do Governo Federal brasileiro que há 90 anos actua em pesquisa tecnológica em áreas estratégicas, promovendo a inovação e transferindo conhecimento para a sociedade. Mais recentemente, introduzimos em nossa missão o objectivo primeiro de participar do desenvolvimento sustentável do Brasil.

E quais os principais interlocutores do INT (empresários, academia)?

No INT, interagimos com uma série de actores relacionados ao processo de inovação. Partimos da interlocução com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, suas entidades de financiamento, outras unidades de pesquisas e órgãos de governo, onde surge o direcionamento relacionado às políticas públicas para o sector. Com a academia mantemos discussões técnicas, convénios e trabalhos em redes, abrangendo pesquisa e desenvolvimento, prestações de serviços à sociedade, normatizações e capacitação. E, por fim, temos no sector empresarial o interlocutor final do nosso processo, com o qual tornamos possível concretizar o processo da inovação.

A missão do INT é participar no desenvolvimento sustentável do Brasil, através da pesquisa tecnológica, da transferência do conhecimento e da promoção da inovação. De que forma o GPA se insere nestes objectivos?

O INT desenvolve ações que contemplam a questão a sustentabilidade, não só ações relacionadas a projectos e pesquisas, mas também ações que visam transmitir este conceito à sociedade brasileira. O GPA surgiu como uma oportunidade para essa conscientização, destacando em meio a projectos e trabalhos, acções com esse foco.

Como está a decorrer o processo de inscrições no GPA Brasil?

O interesse tem sido muito grande, principalmente se considerarmos o facto de ser a primeira edição do prémio no Brasil e o facto de os brasileiros costumarem fazer as suas inscrições para esse tipo de evento próximo ao final do prazo.

Como poderá o GPA Brasil funcionar como um verdadeiro movimento pelo desenvolvimento sustentável? Quais os objectivos a longo prazo?

Creio que o GPA começará a dar frutos quando, por sua via, venhamos a conhecer projetos realmente inovadores. Mais do que uma premiação, vejo o GPA como um canal para novas ideias, que venha a trazer soluções e demandas oriundas dos diversos sectores da sociedade, promovendo a conexão destes atores. Desta forma, acho que caracterizamos um movimento, abrangendo não só os pesquisadores, mas jovens, estudantes e sectores que ainda participam pouco destas iniciativas mas que, efectivamente, podem mudar os paradigmas do desenvolvimento, revelando as necessidades de sustentabilidade da sua realidade local.

Visto de Portugal, o desenvolvimento sustentável no Brasil parece um processo antagónico. Por um lado, parece existir uma maior noção, por parte dos cidadãos, da importância da sustentabilidade, dos seus processos; mas, por outro, o País ainda estará limitado em termos de práticas sustentáveis – ao nível dos resíduos ou renováveis, por exemplo. Concorda?

Concordo em parte com esta afirmação. Por exemplo, a matriz energética brasileira é muito mais sustentável do que a de Países em desenvolvimento. Também o padrão de consumo dos Países mais desenvolvidos, com consequente geração de resíduos, é muito maior do que no Brasil.

Mas temos problemas para resolver. O Brasil é um país muito grande e com diversas realidades e o processo de desenvolvimento, desde sua descoberta até os dias de hoje, fez com que uma grande parcela da nossa sociedade esteja excluída das condições de vida dignas.

Apesar de todos os esforços dos últimos anos em extinguir este abismo social em que nos encontramos, sabemos que parte da sociedade tem consciência sobre a importância da sustentabilidade mas, em muitas regiões, justamente onde há maior necessidade das actividades humanas e económicas serem desempenhadas de forma mais sustentável, temos acções desordenadas e que não levam em conta o impacto ambiental, a gestão de resíduos e as caraterísticas regionais.

Há muito a fazer, a fim de levarmos a sustentabilidade a essas áreas. Mas é importante também que todos façam a sua parte, independentemente do grau de desenvolvimento do País, já que o planeta em que vivemos é o mesmo e as acções provocadas pelo desequilíbrio atingem a todas as nações.

Como estão os mais jovens a responder à necessidade de uma sociedade mais sustentável?

Creio que os jovens são os que melhor compreendem o sentido da sustentabilidade, pois o futuro deles está directamente ligado a esse tipo de iniciativa. As iniciativas que partem da abordagem do desenvolvimento sustentável facilmente ganham a adesão dos mais jovens, pois dizem respeito a eles, dão-lhe uma perspectiva de inclusão social, de carreira e de vida.

Parece existir alguma unanimidade na importância da tecnologia como motor do desenvolvimento sustentável. O que está a fazer o INT para trazer a inovação tecnológica para a sustentabilidade?

A sustentabilidade integra hoje os projectos do INT ainda na sua fase de elaboração. Muitos dos nossos trabalhos que completam o ciclo completo até chegar à inovação partem, inclusive, dessa abordagem. Ou visam mesmo resolver directamente um problema ambiental que precisa de uma solução tecnológica sustentável.

Num caso emblemático, começámos um projecto para resolver o problema do resíduo do corte de rochas ornamentais, um pó fino que poluía rios e solos de uma região do interior do estado do Rio de Janeiro. Acabámos por desenvolver uma argamassa que se utiliza desse pó, transferindo a tecnologia para uma indústria local e o problema ambiental não só foi resolvido, como se transformou em insumo para a indústria, que gerou empregos e desenvolvimento para a região.

Qual o orçamento anual do INT?

O INT tem um orçamento anual de cerca de R$ 13 milhões (€5,4 milhões), em receita do Tesouro, mais uma parte igual em projectos com recursos de órgãos de fomento e empresas.

O Brasil está a passar por uma fase de renovação ao nível do activismo ambiental. É verdade? Que mensagens estão a passar aos mais jovens, no que toca à necessidade de se engajarem mais nos assuntos das alterações climáticas?

Sim, temos acompanhado uma renovação importante nesse nível. Tentamos nos engajar, oferecendo soluções tecnológicas sustentáveis e repassando informações directas ao público jovem sobre tema, como no caso dos nosso estudo “Mudanças Climáticas e Tecnologia”, publicado num caderno tecnológico especial, impresso e disponibilizado no nosso site.

Há dias que surgem várias notícias, em Portugal, que dão conta da necessidade brasileira por engenheiros qualificados (fala-se em 60 mil vagas). É verdade?

Essa avaliação vem sendo feita por órgãos de classe dos engenheiros e também pelo sector produtivo. Realmente, parece que o número de jovens brasileiros qualificados nessa área tem sido pequeno para a procura que existe. No INT, especificamente, preenchemos os nossos quadros de engenheiros através de concurso público e há sempre bastante procura por essas vagas.

Qual a ligação do INT às academias?

O INT tem bastante ligação às academias, nas suas áreas técnicas de competência. Essa ligação dá-se tanto em parcerias com universidades, como em fóruns técnicos e redes de pesquisa. Contudo, distinguimo-nos das academias na hora de avaliar resultados: enquanto os indicadores académicos são publicações, em termos de tecnologia e inovação temos indicadores como patentes e tecnologias transferidas.

Dentro de poucos meses, o Rio+20 vai estar no centro das atenções mundiais. Qual o papel do INT nesta organização?

O INT encaminhou as propostas para discussões no fórum principal, visando incluir temas como Química Verde e Energias Renováveis. Fora disso, o Instituto participará nos eventos paralelos à conferência, que incluem uma grande mostra de Ciência, Tecnologia e Inovação, onde o Instituto participa com uma exposição sobre seus 90 anos.

Em que áreas ligadas à sustentabilidade estará o Brasil mais fragilizado e carente?

O Brasil, como outros países em desenvolvimento, tem necessidade de empreender ainda grandes esforços na questão da erradicação da pobreza. Não adianta avançarmos noutras áreas ligadas à sustentabilidade, sem equacionarmos questões sociais que levam as pessoas a ocuparem o ambiente de forma desordenada e a fazerem mau uso dos recursos ambientais. A inclusão e o desenvolvimento social ainda estão na base da maioria dos nossos projetos de sustentabilidade.





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