Entrevista a João Cosme: “A fotografia de natureza é um aliado na conservação”



As grandes crises que hoje se abatem sobre o nosso planeta – alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição – são fruto da forma como nós, humanos, temos conduzido a nossa existência na Terra, numa ótica de exploração insustentável dos recursos encontrados na Natureza.

Nos últimos anos, inúmeros esforços, do nível internacional ao local, têm sido mobilizados para contrariar os danos causados à Natureza e até mesmo para revertê-los, pois, agora talvez mais do que em qualquer outra altura, se reconhece o destino da humanidade é inseparável do futuro de todas as outras espécies que connosco vivem na Terra, bem como do estado dos seus habitats.

Contudo, ouvimos muitas vezes falar da desflorestação, de mortes massivas de corais, do desaparecimento de espécies de animais e de plantas como eventos trágicos, sim, mas que acontecem ‘lá longe’. Por isso, é fundamental, para energizar as transformações positivas necessárias, mostrar ao público, e sobretudo aos decisores políticos e líderes económicos, o que o nosso mundo tem de mais belo e os riscos enfrentados por todas as formas de vida num planeta cada vez mais quente, seco, poluído e marcado por profundas, e cada vez mais notórias, convulsões climáticas e ecológicas.

E é precisamente aí que entra a fotografia da Natureza, para levar aos olhos de todos o que pode muitas vezes passar despercebido, pois só podemos proteger o que conhecemos e uma imagem pode ser a gota de água que catapulta a ação para a mudança.

Um grilo em pleno salto, surpreendido pela objetiva do fotógrafo João Cosme no parque florestal do Fontelo (Viseu). “Esta fotografia foi o resultado de centenas de imagens. Foi necessário recorrer a fotografia de alta velocidade que consiste em congelar a ação do protagonista. Para conseguir esta imagem, utilizei células de alta velocidade que emitem um raio infravermelho, este ao ser interceptado pelo insecto, faz acionar a camara e os inúmeros flashes utilizados. É um trabalho de paciência, de centenas de tentativas até conseguir a imagem que foi planeada“.
Foto: João Cosme

João Cosme há quase 20 anos que, através de uma objetiva, vê a Natureza como muito poucos conseguem e procura partilhar com todos a sua “grande paixão” pela vida selvagem.

“Durante a minha adolescência gostava de andar no campo a observar aves”, recordou em entrevista à ‘Green Savers’. Contudo, a fotografia só teria chegado mais tarde “pela inspiração nos documentários de natureza, em especial a série ‘O Homem e a Terra’, do naturalista espanhol Felix Rodriguez de la Fuente”.

Para o fotógrafo português, a fotografia da Natureza pode ajudar nos esforços de conservação “de diversas formas”.

“As imagens, boas fotografias, ajudam a promover um território ou uma espécie, por exemplo, em revistas, livros, jornais, e isso pode ajudar a sensibilizar ou a dar conhecimento ao grande público”, explicou João Cosme, salientando que “muitas áreas protegidas a nível mundial tiveram o estatuto de proteção devido, principalmente, à sua divulgação fotográfica”.

João Cosme considera que o fotógrafo da Natureza é alguém que tem a “obrigação de mostrar um mundo que, por vezes, é ‘oculto’ para a grande maioria das pessoas” e acredita que “através das imagens podemos sensibilizar a importância da conservação da natureza e impulsionar quem decide a ter outra visão sobre a proteção ambiental”.

Por isso, para ele, “a fotografia de natureza é um aliado na conservação da mesma” e assume como seu principal objetivo “divulgar os valores naturais do país e contribuir para a sua conservação”.

Embora haja “mais respeito pelo mundo natural”, a conservação “não é prioridade” para quem decide

Enquanto alguém que passa grande parte da sua vida imerso na Natureza, nos universos de vida que foram pouco afetados pelo toque humano ou que ainda não sofreram alterações radicais, João Cosme, lançando um olhar sobre o mundo que hoje temos diante de nós, disse-nos acreditar que atualmente “tem-se mais respeito pelo mundo natural, mas continua a verificar-se problemas”.

Para o fotógrafo, a conservação da Natureza “não é prioridade” para quem tem o poder de decisão, “nunca faz parte dos programas eleitorais e, se faz, é para ficarem bem, porque na realidade é um assunto não prioritário”.

Ainda assim, destacou que se nota, sobretudo entre as populações residentes em zonas mais urbanas, “uma nova atitude perante estes temas”, mas acautelou que “ainda há um longo caminho a percorrer”.

Para captar uma boa fotografia da Natureza, há mais do que apenas apontar a câmara e clicar no botão

João Cosme disse-nos que, antes de sair para o campo em busca ‘daquela’ fotografia do mundo natural, “faço sempre um planeamento do que necessito e pretendo realizar”.

“Se quisermos fazer uma reportagem, é necessário contar uma história, logo a abordagem é diferente. Se for um projeto pessoal, temos liberdade para sermos criativos e tentar captar imagens mais atrativas”, explicou-nos, acrescentando que “ter um conjunto de imagens diferentes tem um impacto maior no público, em vez de um simples registo que pouco acrescenta ao valor estético”.

Depois de duas décadas como fotógrafo da Natureza e da vida selvagem, recorda que são “inúmeros” os momentos que marcaram a sua carreira, destacando os “momentos íntimos” e de grande proximidade a espécies ameaçadas como o lobo-ibérico (Canis lupus signatus) e a águia-de-bonelli (Aquila fasciata), com o estatuto de ‘Em Perigo’ em Portugal, sem esquecer os encontros com o melro-d’água (Cinclus cinclos), que, embora o seu estado de conservação seja ‘Pouco Preocupante’, não é comum no país.

“O planeta depende da nossa atitude em respeitar a natureza e todos os seres vivos. É a sobrevivência da nossa própria espécie que pode estar em causa”, alertou João Cosme.

“Desde sempre existiram povos e culturas, a nível mundial, em total harmonia com a natureza, contudo extingue-se, diariamente, a fauna e a flora. Continuo a ter esperança que podemos inverter esta situação. Todos nós podemos fazer a diferença.”





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