Entrevista a Paulo Veiga: “O facto de apenas 5 a 7% do oceano ter sido estudado é sintomático da falta de investimento na exploração e conhecimento do mar”
Lisboa foi recentemente o epicentro das discussões globais sobre o futuro dos oceanos com a realização da primeira edição do Ocean Summit 2024 – A Vision for the World. Paulo Veiga, Presidente da Fundação Carlos Albertino Veiga e ex-Ministro do Mar de Cabo Verde explicou à Green Savers a importância deste encontro internacional e o impacto que pode ter na promoção de soluções inovadoras para a preservação dos oceanos e o desenvolvimento da economia azul.
Para o responsável o Ocean Summit “pode ajudar a acelerar o mapeamento do oceano ao unir esforços, facilitando parcerias internacionais para projetos de mapeamento; impulsionar a tecnologia, apresentando e discutindo novas tecnologias de mapeamento; atrair investimentos privados e públicos, direcionando recursos para a pesquisa oceanográfica; e consciencializar, enfatizando a importância do mapeamento para a conservação e o desenvolvimento sustentável”.
Paulo Veiga lamenta que tanto Portugal como Cabo Verde ainda não explorem plenamente o potencial dos seus vastos territórios marítimos. “Apesar de estarem historicamente ligados ao mar, encontramo-nos ainda, em certa medida, de costas voltadas para a riqueza imensa que representa mais de 70% do nosso planeta. O facto de apenas 5 a 7% do oceano ter sido estudado a nível mundial, é sintomático deste desapego e da falta de investimento na exploração e conhecimento do mar”, sublinha.
De qualquer forma, é com “enorme entusiasmo” que vê estes primeiros dias após o Ocean Summit. “Os resultados das reuniões paralelas aos debates, o entusiasmo dos participantes, os projetos apresentados e, acima de tudo, a visibilidade, que permitiram iniciar uma alteração do paradigma e de mentalidades que facilita o caminho das sociedades de volta para o oceano”, aponta.
– Qual a importância da primeira edição do Ocean Summit 2024 – A Vision for the World?
A primeira edição do Ocean Summit 2024 – A Vision for the World, organizado pela Fundação Carlos Albertino Veiga, assume uma importância ainda maior ao inserir-se no contexto da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), proclamada pela UNESCO. O evento contribui diretamente para os objetivos da Década e reforça o compromisso global com a saúde do oceano.
Assim, estamos alinhados com a Década da UNESCO, Ciência e Conhecimento, Soluções para os Desafios da Década, Colaboração e Cooperação. O Summit promove a geração e partilha de conhecimento científico sobre os oceanos. Os debates e painéis do evento abordam diretamente os desafios, como a perda de biodiversidade, a poluição marinha e os impactos das mudanças climáticas, procurando soluções inovadoras e eficazes, e estimula a colaboração entre cientistas, governos, setor privado e sociedade civil, conforme os pilares da Década da UNESCO.
Para Cabo Verde consideramos que o evento nos coloca no centro do debate global sobre os oceanos, reforçando a nossa posição como Small Island Developing State (SIDS) comprometidos com a sustentabilidade e a economia azul. Promove a troca de conhecimentos e a capacitação de profissionais cabo-verdianos nas áreas de ciência e tecnologia oceânica, com especialistas e líderes internacionais. Atrai investimentos para projetos de conservação e desenvolvimento sustentável em Cabo Verde, impulsionando a economia azul.
Em relação a Portugal, consolida a sua posição como líder na conservação marinha e na promoção da economia azul, ao sediar um evento internacional de alto nível sobre o tema com figuras como o aquanauta Fabien Cousteau. Reforçamos, ainda, os laços de cooperação entre Portugal e Cabo Verde, especialmente em áreas como a ciência e tecnologia marinha, a economia azul e a proteção ambiental.
Em resumo, consideramos que a primeira edição do Ocean Summit 2024 – A Vision for the World em Lisboa representa uma contribuição valiosa para a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, com benefícios específicos para Cabo Verde e Portugal, além do impacto global na busca por soluções para os desafios enfrentados pelos oceanos.
A presença de personalidades como Fabien Cousteau, renomado explorador oceânico e defensor da conservação marinha, do Almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada Portuguesa, do Dr. Jorge Santos, Ministro do Mar de Cabo Verde, do Dr. Carlos Carreiras, Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de Dom Afonso de Bragança, Príncipe da Beira e Duque de Barcelos, da Dra. Julia Monar Embaixadora da Alemanha em Portugal e Cabo Verde, do Professor Emanuel Gonçalves, Coordenador Científico e Administrador da Fundação Oceano Azul, do Dr. José Guerreiro Presidente do IPMA, e Dr. Giliardo Nascimento, Professor especialista em direito do mar, entre outros, demonstra o alto nível de engajamento e a importância estratégica do evento. A participação ativa de líderes governamentais, cientistas, empresários e representantes da sociedade civil cria um ambiente propício para o diálogo, a troca de experiências e a construção de soluções inovadoras para a proteção do nosso oceano.
-Que impacto pode ter na promoção de soluções inovadoras para a preservação dos oceanos e o desenvolvimento da economia azul?
O Ocean Summit 2024 ambiciona ter um impacto significativo na promoção de soluções inovadoras para a preservação dos oceanos e o desenvolvimento da economia azul ao:
- Reunir líderes e especialistas: Facilitando o diálogo e a colaboração entre diferentes setores.
- Incentivar a inovação: Promovendo a troca de ideias e a apresentação de novas tecnologias e abordagens.
- Aumentar a conscientização: Alertando para os desafios e as oportunidades relacionadas aos oceanos.
- Impulsionar investimentos: Atraindo recursos para projetos de conservação e desenvolvimento sustentável.
- Fortalecer políticas: Influenciando a criação e implementação de políticas públicas eficazes.
Em resumo, o evento tem o potencial de catalisar ações e inovações para um futuro mais sustentável para os oceanos.
-Qual a sua visão sobre o papel crucial dos oceanos para a sustentabilidade planetária?
O oceano é o coração azul do nosso planeta, essencial para a vida e a sustentabilidade. Ele regula o clima, fornece alimento e recursos, e abriga uma biodiversidade imensa. Proteger o oceano é crucial para garantir um futuro saudável para o planeta e para a sobrevivência da humanidade.
-Mais de 80% dos oceanos ainda não foram mapeados ou explorados. Que papel pode ter este encontro no avanço deste mapeamento?
O Ocean Summit pode ajudar a acelerar o mapeamento do oceano ao unir esforços, facilitando parcerias internacionais para projetos de mapeamento; impulsionar a tecnologia, apresentando e discutindo novas tecnologias de mapeamento; atrair investimentos privados e públicos, direcionando recursos para a pesquisa oceanográfica; e consciencializar, enfatizando a importância do mapeamento para a conservação e o desenvolvimento sustentável.
-Porquê Lisboa e que posicionamento dá este encontro à capital?
Lisboa, com a sua rica história marítima, localização estratégica e compromisso com a sustentabilidade, é o palco ideal para o Ocean Summit 2024. O evento reforça o posicionamento da cidade como referência em conservação marinha, polo de inovação em economia azul e destino de turismo sustentável. Adicionalmente, ajuda a internacionalizar o trabalho da fundação.
-Portugal é inegavelmente um país com uma forte ligação ao mar. No entanto, o contributo do mar para a economia nacional é ainda pequeno (apenas cerca de 5% do PIB e 4% do emprego do país). Porquê?
É verdade que, infelizmente, tanto Portugal como Cabo Verde ainda não exploram plenamente o potencial dos seus vastos territórios marítimos. Apesar de estarem historicamente ligados ao mar, encontramo-nos ainda, em certa medida, de costas voltadas para a riqueza imensa que representa mais de 70% do nosso planeta. O facto de apenas 5 a 7% do oceano ter sido estudado a nível mundial, é sintomático deste desapego e da falta de investimento na exploração e conhecimento do mar.
No entanto, eventos como o Ocean Summit 2024, surgem como uma oportunidade para reverter essa tendência e despertar a consciência para a importância do oceano. Ao reunir especialistas, líderes e a sociedade civil, o Ocean Summit promove o diálogo, a colaboração e consciencialização.
Considero que a Ocean Summit 2024, realizada por uma Fundação de Cabo Verde é mais um passo para que Portugal e Cabo Verde se voltem para o mar, reconhecendo-o como fonte de riqueza, inovação e desenvolvimento sustentável para as gerações futuras. É tempo de conhecermos e protegermos o nosso oceano, para que este continue a ser um recurso vital para o nosso planeta.
-Como é que podemos melhorar o aproveitamento do enorme potencial que a Economia Azul poderá representar para o futuro do país?
Para Portugal e Cabo Verde aproveitarem plenamente o enorme potencial da Economia Azul, é crucial adotar uma abordagem transversal que englobe:
- Conhecimento e Inovação:
– Investir em pesquisa científica e tecnológica, aprofundando o conhecimento sobre o Oceano Atlântico, incluindo o mapeamento de áreas ainda inexploradas, e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras para a exploração sustentável dos recursos marinhos.
- Educação e Literacia do Oceano:
– Despertar o interesse e a paixão pelo mar nas sociedades portuguesa e cabo-verdiana, especialmente entre os jovens, através de programas educativos e de divulgação científica.
– Formar profissionais altamente qualificados nas diversas áreas da Economia Azul, desde a biotecnologia marinha à engenharia naval e ao turismo sustentável.
- Parcerias Estratégicas:
– Fomentar a colaboração entre o setor público, o setor privado e a comunidade científica, criando sinergias e promovendo a transferência de conhecimento para o desenvolvimento de projetos inovadores e sustentáveis.
- Sustentabilidade como Pilar:
– Garantir que a exploração dos recursos marinhos seja realizada de forma responsável, com respeito pelo meio ambiente e preservação da biodiversidade, para que as gerações futuras também possam beneficiar da riqueza dos oceanos.
Ao integrar estes pilares, Portugal e Cabo Verde poderão construir uma Economia Azul próspera, geradora de riqueza e emprego, enquanto contribuem para a saúde e a sustentabilidade dos oceanos.
-A Assembleia Geral das Nações Unidas definiu, em 2015, a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e com ela os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS). São 17 os objetivos e 169 as metas mediante as quais os estados, a sociedade civil e o setor privado se podem guiar e medir as suas contribuições para o desenvolvimento sustentável até 2030. O Turismo pode contribuir direta e indiretamente para todos os objetivos, mas mais concretamente para os objetivos 8, 12 e 14 que estão relacionados com o desenvolvimento económico inclusivo e sustentável, o consumo e a produção sustentável e o uso sustentável dos oceanos e dos recursos marinhos. O Turismo, nomeadamente em Portugal, tem contribuído direta e indiretamente para todos os ODS? De que forma?
Eu sou da opinião que sim, o turismo em Portugal e Cabo Verde tem contribuído para todos os ODS, direta e indiretamente.
Senão vejamos em Portugal:
- ODS 8 (Trabalho digno e crescimento económico): Criação de emprego e geração de receitas, incentivo ao empreendedorismo.
- ODS 12 (Produção e consumo sustentáveis): Promoção de práticas sustentáveis em alojamentos e restaurantes, redução do desperdício.
- ODS 14 (Vida na água): Turismo marítimo responsável, conservação de ecossistemas costeiros e marinhos.
- Outros ODS: Valorização do património cultural (ODS 11), promoção da igualdade de género (ODS 5), apoio a comunidades locais (ODS 1).
E em Cabo Verde:
- ODS 8 (Trabalho digno e crescimento económico): Criação de empregos no setor hoteleiro, restauração e atividades turísticas, impulsionando a economia local.
- ODS 12 (Produção e consumo sustentáveis): Utilização de produtos locais e práticas de consumo responsável, valorização da gastronomia tradicional.
- ODS 14 (Vida na água): Promoção do turismo de mergulho e observação de espécies marinhas, conservação de áreas protegidas como o Parque Natural do Fogo.
- Outros ODS: Preservação da cultura cabo-verdiana (ODS 11), empoderamento das mulheres no setor turístico (ODS 5), desenvolvimento de comunidades rurais através do turismo (ODS 1).
Para alem desses exemplos ambos os países estão dotados de Iniciativas para um Turismo Sustentável:
- Portugal: Plano Turismo +Sustentável 20-23 e a Estratégia Turismo 2027.
- Cabo Verde: Plano Estratégico do Turismo Sustentável 2017-2021, focado na diversificação da oferta turística e na valorização do património natural e cultural.
Tanto Portugal como Cabo Verde têm-se empenhado em promover um turismo mais sustentável, que contribua para o desenvolvimento económico e social, preservando o ambiente e a cultura para as gerações futuras.
– O turismo pode ser uma solução para o desenvolvimento sustentável local numa altura em que a pesca e outras atividades costeiras estão a diminuir. Mas a atividade turística pode também pôr em risco os recursos naturais muito frágeis e a beleza das zonas costeiras e dos ambientes marinhos. Como é que se pode combinar o turismo com a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros?
É verdade que o turismo é um motor de desenvolvimento, e deve ser sustentável. Para isso, é crucial garantir que o turismo não comprometa os frágeis ecossistemas marinhos e costeiros. Para combinar o turismo com a proteção ambiental, devemos adotar as seguintes medidas:
- Planear de forma sustentável: Definir limites para o turismo e proteger áreas sensíveis.
- Adotar práticas responsáveis: Incentivar alojamentos ecológicos e atividades de baixo impacto.
- Educar e sensibilizar: Promover a consciencialização ambiental de turistas e comunidades locais.
- Envolver as comunidades: Integrá-las na gestão do turismo e garantir que beneficiem da atividade.
- Utilizar a tecnologia: Monitorizar os impactos e desenvolver soluções inovadoras para reduzir a pegada ecológica.
-Que balanço faz da primeira edição do Ocean Summit 2024 – A Vision for the World?
É com enorme entusiasmo que vejo estes primeiros dias após o Ocean Summit. Os resultados das reuniões paralelas aos debates, o entusiasmo dos participantes, os projetos apresentados e, acima de tudo, a visibilidade, que permitiram iniciar uma alteração do paradigma e de mentalidades que facilita o caminho das sociedades de volta para o oceano. Foram dois dias de excelência no debate de ideias, na apresentação de inovações tecnológicas e no encontro entre o setor privado, os atores políticos e a comunidade científica. Acredito plenamente que este evento pode ter marcado definitivamente o início da corrida aos oceanos.
-Quais as principais conclusões da primeira edição do Ocean Summit 2024 – A Vision for the World
A mais importante é claramente o início de uma corrida aos oceanos e a urgência em olhar para a conquista dos nossos mares como um fator crucial para o futuro da humanidade. A investigação científica dos oceanos, o desenvolvimento de tecnologia e o aproveitamento dos nossos mares de forma sustentável, são os três pilares base para problemas como o das alterações climáticas. No entanto, além das conclusões e compromissos assumidos pelos participantes, Lisboa assistiu a um passo de gigante para termos nos próximos anos a concretização de um sonho: a criação da primeira estação submarinha, uma espécie de estação espacial no fundo do oceano e que irá albergar cientistas e aquanautas na procura de conhecimento e na construção de um mundo melhor.