Entrevista: “O Selo Azul do MSC funciona, cada vez mais, como um atalho de confiança na hora de escolher peixe e produtos do mar”
O MSC, organização que atribui o selo azul, quer reforçar a ligação entre pescarias, mercado e consumidores, promovendo escolhas mais informadas num país com elevado consumo de pescado. A ampliação da oferta certificada e o apoio às pescarias nacionais estão no centro da estratégia. A prioridade passa por garantir que a sustentabilidade chega tanto ao mar como aos pontos de venda.
Em entrevista à Green Savers, Rodrigo Sengo, responsável do MSC em Portugal, explica que o trabalho começa no reconhecimento das pescarias que já seguem boas práticas e continua no apoio técnico àquelas que procuram evoluir. Projetos como o Embarca permitem identificar lacunas, melhorar a recolha de dados e orientar pescadores, cientistas e autoridades na definição de planos de ação concretos. Com foco em espécies de grande consumo — como sardinha, bacalhau e pescada — e noutras menos valorizadas, o objetivo é aumentar a disponibilidade de pescado certificado e reforçar a sustentabilidade do setor.
O selo azul, acrescenta Rodrigo Sengo, dá ao consumidor uma garantia imediata de que o produto provém de uma pescaria avaliada de forma independente, com regras rigorosas de gestão e rastreabilidade. A certificação traz também vantagens diretas para as comunidades piscatórias, desde maior estabilidade comercial até melhores práticas ambientais. Exemplos como a recertificação da sardinha ibérica mostram como a cooperação entre setor, ciência e indústria pode recuperar recursos e gerar valor. O desafio agora é envolver toda a cadeia alimentar para acelerar a transição de Portugal para uma pesca mais sustentável e resiliente.
Quais são os principais objetivos do MSC em Portugal na promoção da pesca sustentável?
Os principais objetivos do MSC em Portugal passam por consolidar o trabalho com as pescarias nacionais, reconhecendo as melhores práticas de pesca já implementadas e incentivando processos de melhoria contínua. Portugal tem um dos consumos per capita de pescado mais elevados da Europa, pelo que as escolhas feitas no nosso país impactam diretamente a saúde dos oceanos e a resiliência do setor. Por isso, é prioridade para o MSC apoiar e sensibilizar os mercados — retalho, indústria e distribuição — para que ofereçam mais produtos certificados provenientes de pescas sustentáveis.
Portugal tem um dos consumos per capita de pescado mais elevados da Europa, pelo que as escolhas feitas no nosso país impactam diretamente a saúde dos oceanos e a resiliência do setor. Por isso, é prioridade para o MSC apoiar e sensibilizar os mercados — retalho, indústria e distribuição — para que ofereçam mais produtos certificados provenientes de pescas sustentáveis
Em primeiro lugar, o MSC pretende valorizar e reconhecer as pescarias e empresas da fileira que já hoje estão comprometidas com as melhores práticas de pesca e com a gestão responsável dos recursos, usando a certificação como ferramenta para assegurar a continuidade do setor assente numa base sustentável. Sendo um programa voluntário que procura tirar partido da influência positiva do mercado, o objetivo é que quem pesca com stocks saudáveis e menor impacto ambiental seja reconhecido e procurado, beneficiando de mais oportunidades comerciais e de maior estabilidade.
Em segundo lugar, há um foco claro nas espécies que os portugueses mais consomem – como sardinha, bacalhau, pescadas, cefalópodes, tunídeos e peixe-espada-preto – e também na identificação de oportunidades em espécies menos valorizadas, como cavala, carapau ou bivalves, para que, progressivamente, uma fatia crescente desse consumo venha de fontes certificadas como sustentáveis. Isso implica trabalho técnico com o setor primário, através de iniciativas de pré-certificação e de projetos como o Projeto Embarca, que utilizam o Padrão de Pesca do MSC como ferramenta de diagnóstico participativo para identificar lacunas e prioridades de melhoria nas pescarias nacionais. Esta estratégia pretende reforçar o apoio à indústria e ao retalho para aumentar a oferta de produtos com o selo azul, em especial no canal de fresco e nos pontos de venda do dia a dia.
Há um foco claro nas espécies que os portugueses mais consomem – como sardinha, bacalhau, pescadas, cefalópodes, tunídeos e peixe-espada-preto – e também na identificação de oportunidades em espécies menos valorizadas, como cavala, carapau ou bivalves, para que, progressivamente, uma fatia crescente desse consumo venha de fontes certificadas como sustentáveis
Um terceiro objetivo é aumentar o reconhecimento do selo azul junto dos consumidores e reforçar a presença de produtos certificados no mercado português. Num contexto em que ainda existe alguma complacência e falta de ambição em matéria de sustentabilidade, quando comparado com a dinâmica de mercados vizinhos do Sul da Europa, o MSC pretende contribuir para acelerar esta transição em Portugal, aproximando o país das melhores práticas internacionais e beneficiando, entre outros fatores, do recente reconhecimento da FAO pelo papel de liderança na promoção da pesca sustentável.
Por fim, o MSC quer que tudo isto seja sustentado por uma comunicação rigorosa e por um forte investimento em capacitação junto de todos os atores – desde pescadores e empresas até consumidores – aproximando os oceanos da sociedade. O objetivo é ajudar a criar uma consciência crítica sobre a importância dos recursos marinhos e a sua ligação ao dia a dia das pessoas, mostrando que escolher pescado sustentável não é apenas uma questão ambiental, mas também de futuro económico, social e de segurança alimentar para as próximas gerações.
De que forma é que o “selo azul” do MSC influencia a escolha do consumidor na compra de peixe e produtos do mar?
O Selo Azul do MSC funciona, cada vez mais, como um atalho de confiança na hora de escolher peixe e produtos do mar. Em vez de o consumidor ter de avaliar, sozinho, se aquele peixe vem ou não de uma origem sustentável, o selo sinaliza que a pescaria foi avaliada de forma independente e cumpre critérios rigorosos de sustentabilidade ambiental e boa gestão.
Em Portugal, isso já se reflete nos dados: o reconhecimento do Selo Azul passou de 41% em 2020 para 46% em 2024, num estudo internacional que inquiriu mais de 27 000 consumidores, incluindo portugueses, e que mostra também uma forte preocupação com o estado dos oceanos e uma maior abertura para mudar hábitos alimentares por razões ambientais. Ao ver o selo, muitos consumidores sentem que podem fazer “a escolha certa” sem terem de dominar toda a complexidade da pesca – é uma forma simples de alinhar o carrinho de compras com os seus valores.
Ao ver o selo, muitos consumidores sentem que podem fazer “a escolha certa” sem terem de dominar toda a complexidade da pesca – é uma forma simples de alinhar o carrinho de compras com os seus valores
Importa lembrar que o selo não é apenas uma peça de comunicação: por trás dele existe um programa de certificação que começa na pescaria e continua ao longo de toda a cadeia, com auditorias independentes para garantir que o pescado certificado não se mistura com o não certificado e que a rastreabilidade é assegurada. Na prática, isto significa que, ao escolher um produto com o Selo Azul, o consumidor está a apoiar pescarias que mantêm os stocks de peixe saudáveis, minimizam o impacto nos ecossistemas marinhos e cumprem regras de gestão robustas, contribuindo para que haja peixe e oceanos saudáveis também no futuro.
Ao escolher um produto com o Selo Azul, o consumidor está a apoiar pescarias que mantêm os stocks de peixe saudáveis, minimizam o impacto nos ecossistemas marinhos e cumprem regras de gestão robustas, contribuindo para que haja peixe e oceanos saudáveis também no futuro
Como funciona, na prática, o processo de certificação do MSC para pescas de captura selvagem?
O processo de certificação do MSC para pescarias de captura selvagem foi concebido para garantir que apenas as melhores práticas de pesca chegam ao mercado com o selo azul. Começa com uma pré‑avaliação opcional para identificar desafios, seguida de uma avaliação completa por auditores independentes acreditados, que demora em média 12 a 18 meses.
A pescaria deve demonstrar conformidade com o Padrão de Pesca do MSC, dividido em três princípios fundamentais, avaliados através de 25 indicadores de desempenho:
- Princípio 1: Populações de peixes saudáveis e sustentáveis, evitando a sobreexploração;
- Princípio 2: Minimização do impacto ambiental na vida marinha, habitats e ecossistemas;
- Princípio 3: Gestão eficaz, com sistemas robustos, conformidade legal e transparência.
Para ser certificada, a pescaria precisa de pelo menos 60 pontos (num máximo de 100) em cada indicador e de uma média de 80 pontos por princípio; pontuações entre 60 e 79 geram condições de melhoria obrigatórias, com prazos até 5 anos para atingir 80 ou mais. O que diferencia o MSC é o foco na melhoria contínua ambiental: não basta cumprir mínimos — o programa exige ações concretas para resolver problemas identificados, como recuperação de stocks ou redução de capturas acessórias, auditadas anualmente, com escrutínio público, revisão por pares e relatórios públicos. Se as condições não forem cumpridas, existe risco de suspensão, o que incentiva inovação e colaboração com as partes interessadas para manter as vantagens de mercado.
Na prática, este sistema cria um ciclo virtuoso: a certificação oferece visibilidade e oportunidades comerciais, mas exige compromisso contínuo com melhorias ambientais, de mitigação de impactos e de qualidade da gestão.
Que impactos tem a certificação MSC sobre as comunidades de pescadores e a economia local?
A certificação MSC pode gerar impactos muito concretos nas comunidades de pescadores e na economia local, porque transforma a boa gestão dos recursos marinhos em valor reconhecido no mercado. As pescarias certificadas ganham reputação, reforçam relações comerciais e conseguem responder melhor às exigências de compradores nacionais e internacionais por pescado sustentável, o que tende a traduzir-se em maior estabilidade e previsibilidade para a atividade, ajudando a proteger empregos e rendimentos em comunidades que dependem diretamente do mar.
No caso da sardinha ibérica, a recuperação da certificação está associada a um forte dinamismo nas exportações de conservas, que caminham para valores recorde de cerca de 400 milhões de euros e a um acréscimo de 10% a 15% de valor por tonelada, de acordo com informação publicada pelo próprio setor
Para as empresas de transformação e da fileira, o selo azul é hoje uma credencial praticamente obrigatória em vários mercados-chave, respondendo à procura crescente por produtos sustentáveis. No caso da sardinha ibérica, a recuperação da certificação está associada a um forte dinamismo nas exportações de conservas, que caminham para valores recorde de cerca de 400 milhões de euros e a um acréscimo de 10% a 15% de valor por tonelada, de acordo com informação publicada pelo próprio setor. Um exemplo prático de maior estabilidade para os pescadores: segundo a ANICP, as conserveiras portuguesas estabeleceram contratos diretos para comprar metade da sardinha pescada na safra de 2025, graças ao selo MSC recuperado. O setor registou um aumento de 12% nas exportações, com pagamentos assegurados e maior segurança para as comunidades do cerco.
Além disso, o MSC promove uma cultura de melhoria contínua, transparência e diálogo entre pescadores, cientistas, autoridades e empresas, alinhando a pesca com objetivos globais como os ODS 2 (segurança alimentar) e 14 (vida marinha). Quando bem aproveitada, a certificação deixa de ser apenas um selo e torna-se uma ferramenta estratégica para construir um futuro ambiental, social e económico mais sustentável para as comunidades ligadas ao mar.
Que desafios enfrentam os pescadores portugueses para atingir os padrões exigidos pelo MSC?
Os pescadores portugueses enfrentam desafios reais para chegar ao nível de exigência do Padrão de Pesca do MSC, mas o objetivo não é excluí-los: é trabalhar com eles para construir um caminho de melhoria em conjunto. Em Portugal, as principais dificuldades identificadas dizem respeito sobretudo aos aspetos ambientais da atividade (estado dos stocks e impacto no ecossistema), mais do que à existência de regras formais de gestão.
Com base na informação recolhida pelo Projeto Embarca, em termos técnicos, muitas pescarias – em especial a pequena pesca, que predomina em Portugal – deparam-se com falta de dados robustos sobre o estado das populações de peixe, sobre capturas acessórias (bycatch) e sobre o impacto das artes no habitat marinho, incluindo interações com espécies protegidas ou ameaçadas. No plano da gestão e do controlo, embora exista um quadro jurídico e estruturas de governação (como conselhos consultivos e planos de gestão), persistem desafios relacionados com a monitorização da frota de pequena escala, com incumprimentos recorrentes e com a presença de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada em determinadas unidades de pesca, o que pode dificultar a demonstração, perante um auditor independente, de que a pescaria cumpre os requisitos de um sistema de gestão eficaz e adaptativo.
É precisamente para responder a estes desafios que o MSC lançou o Projeto Embarca em Portugal, com o objetivo de fomentar processos participativos com pescadores, cientistas, administração e restante fileira, para identificar lacunas e prioridades de melhoria nas pescarias nacionais. O objetivo não é “julgar” as pescarias, mas mapear forças e barreiras, definir planos de ação concretos e dar aos pescadores um roteiro claro de como podem aproximar-se, passo a passo, das melhores práticas exigidas pelo MSC.
Os primeiros resultados do Embarca indicam que, ao mesmo tempo que se identificam dificuldades – como a falta de dados, a necessidade de melhor gestão do bycatch ou o reforço da monitorização – também se reconhecem pontos fortes: boa informação jurídica e de governação, processos formais de consulta, planos de gestão existentes e artes seletivas com baixo impacto em espécies sensíveis em algumas pescarias. O trabalho do MSC, através do Embarca, é precisamente pegar nestes pontos fracos e fortes, envolver as comunidades e apoiar tecnicamente as pescarias para que consigam transformar estes avanços em melhorias verificáveis e, no futuro, em potenciais candidaturas à certificação.
No fundo, o desafio não é apenas cumprir um conjunto de critérios: é garantir que as pescarias portuguesas têm condições, apoio técnico e participação efetiva para evoluir rumo a uma pesca mais sustentável
No fundo, o desafio não é apenas cumprir um conjunto de critérios: é garantir que as pescarias portuguesas têm condições, apoio técnico e participação efetiva para evoluir rumo a uma pesca mais sustentável. É isso que o MSC procura fazer com o Embarca: estar ao lado dos pescadores, ajudando a transformar dificuldades em oportunidades de melhoria, de valorização no mercado e de futuro para as comunidades que vivem do mar. O Projeto Embarca é financiado pelo Ocean Stewardship Fund (OSF) do MSC, o que reforça a ideia de apoio ativo às pescarias portuguesas, permitindo realizar o diagnóstico técnico, envolver cientistas, autoridades e setor, e trabalhar lado a lado com os pescadores na definição de planos de melhoria ambiental alinhados com o Padrão de Pesca do MSC.
De que forma é que a colaboração com cientistas e especialistas contribui para a melhoria contínua dos padrões do MSC?
A colaboração com cientistas e especialistas é o pilar da melhoria contínua dos padrões do MSC, garantindo que estes refletem sempre a melhor ciência disponível e evoluem com novos desafios ambientais. O Padrão de Pesca do MSC foi desenvolvido por equipas multidisciplinares — cientistas, indústria e organizações da sociedade civil — e é revisto a cada cinco anos com revisão por pares independentes, incorporando evidência científica atualizada sobre stocks, ecossistemas e gestão.
Na prática, esta parceria é essencial em todos os processos: nas avaliações de certificação, auditores independentes usam dados científicos rigorosos para pontuar as pescarias nos 25 indicadores dos três princípios (stocks saudáveis, impacto ambiental mínimo, gestão eficaz); nas condições de melhoria, cientistas colaboram com as pescarias para definir planos de ação baseados em evidência, como avaliações populacionais mais avançadas, medidas para reduzir bycatch ou melhorias nos sistemas de monitorização e controlo.
O MSC tem acompanhado alterações climáticas e impactos ambientais nas pescas portuguesas? Como?
Por ser uma temática global, o MSC tem olhado para a ameaça das alterações climáticas de forma holística, salientando que muitos stocks são transnacionais ou altamente migradores. As emissões excessivas de carbono estão a aquecer e acidificar os oceanos, alterando a distribuição das populações de peixe — um desafio que exige colaboração internacional entre indústria pesqueira, gestores e cientistas para definir limites de captura precautórios e adaptar práticas a ecossistemas em mudança.
As emissões excessivas de carbono estão a aquecer e acidificar os oceanos, alterando a distribuição das populações de peixe — um desafio que exige colaboração internacional entre indústria pesqueira, gestores e cientistas para definir limites de captura precautórios e adaptar práticas a ecossistemas em mudança
Um trabalho recente, publicado em novembro de 2025, analisou pescarias certificadas em todo o mundo e identificou que as pescarias de atum são das mais vulneráveis às alterações climáticas, devido à migração das espécies para águas mais frias, à alteração das rotas migratórias e à necessidade de maior cooperação para gerir quotas e stocks partilhados. Em Portugal, onde os tunídeos são estratégicos sobretudo nos Açores e na Madeira, este tipo de estudos alerta para a deslocação potencial dos stocks atlânticos e para os impactos no setor, reforçando a urgência de pescarias adaptativas e baseadas em ciência.
O MSC está comprometido em ajudar as pescarias e comunidades a mitigar e adaptar‑se, através de projetos globais de investigação que mapeiam riscos climáticos e promovem medidas de melhor gestão para maior resiliência. Pescarias sustentáveis tendem a ter maior capacidade de resistir a estas mudanças, e é por isso que os aspetos relacionados com clima e resiliência são progressivamente integrados no Padrão de Pesca, em articulação com iniciativas locais como o Projeto Embarca, que ajuda a preparar o setor português para estes desafios.
Existem setores da indústria do mar em Portugal onde a adoção do selo azul tem sido mais rápida ou mais difícil?
Pela disponibilidade de matéria-prima certificada, as categorias de pescado congelado, refrigerado e de conservas têm vindo a demonstrar evoluções particularmente promissoras na adoção do Selo Azul MSC. O mercado português dos produtos do mar evidencia uma trajetória positiva rumo à sustentabilidade, com mais de 400 produtos certificados no mercado, distribuídos por 56 marcas e por mais de 75 empresas com certificação de Cadeia de Custódia, o que indica um interesse crescente em comercializar pescado certificado. As espécies certificadas mais representativas incluem bacalhau, pescada, paloco, atum, salmão selvagem e, mais recentemente, sardinha em conserva.
O mercado português dos produtos do mar evidencia uma trajetória positiva rumo à sustentabilidade, com mais de 400 produtos certificados no mercado, distribuídos por 56 marcas e por mais de 75 empresas com certificação de Cadeia de Custódia, o que indica um interesse crescente em comercializar pescado certificado
Ainda assim, persistem desafios em formatos como peixarias com peixe fresco, congelado a granel e bacalhau seco, onde a oferta certificada é limitada pela escassez de espécies-chave disponíveis com selo ou por questões de disponibilidade de matéria-prima certificada, sobretudo no pescado fresco, em que a maioria das espécies ainda não está certificada. O MSC gostaria de reforçar a presença nestes canais, apoiando e reconhecendo também pescarias nacionais sustentáveis, para que o consumidor encontre mais facilmente opções certificadas no balcão da peixaria tradicional.
Ainda assim, persistem desafios em formatos como peixarias com peixe fresco, congelado a granel e bacalhau seco, onde a oferta certificada é limitada pela escassez de espécies-chave disponíveis com selo ou por questões de disponibilidade de matéria-prima certificada, sobretudo no pescado fresco, em que a maioria das espécies ainda não está certificada
Por fim, a penetração no setor Horeca (restauração e hotelaria) permanece reduzida, com exceção de algumas cadeias de maior dimensão. Aqui, o desafio é cultural e logístico, mas também de capacidade operacional: é necessário sensibilizar chefs, hotéis e pequenos estabelecimentos para o valor do selo, facilitar o acesso à matéria-prima certificada e criar incentivos de mercado que fechem o ciclo da sustentabilidade, do mar ao prato.
Que iniciativas ou projetos recentes do MSC destacaria em Portugal como exemplos de sucesso na pesca sustentável?
Destacaria a recertificação da sardinha ibérica da costa atlântica em 2025, um marco histórico para Portugal e Espanha. Perdida em 2014 devido ao mau estado do stock — após duas suspensões e recomendação de TAC zero pelo ICES —, a pescaria recuperou o Selo Azul MSC graças a um esforço conjunto de 2000 pescadores que operam 132 embarcações portuguesas de cerco, cientistas (IPMA e IEO), governos dos dois países e indústria conserveira. Trata-se de uma certificação particularmente relevante pela sua dimensão social, económica e simbólica e pelo carácter de cooperação ibérica que envolveu.
O sucesso deveu-se a melhorias concretas implementadas desde 2014: um plano de gestão multianual até 2026 (com quotas, períodos de defeso e proibição de captura de juvenis), maior presença de observadores a bordo, monitorização de bycatch e reforço da componente científica e de formação técnica. A sardinha, ícone cultural e económico que sustenta milhares de empregos em comunidades costeiras portuguesas, beneficia agora de uma gestão partilhada e mais sustentável, essencial para o ecossistema atlânticoibérico e para a cadeia alimentar marinha.
A sardinha, ícone cultural e económico que sustenta milhares de empregos em comunidades costeiras portuguesas, beneficia agora de uma gestão partilhada e mais sustentável, essencial para o ecossistema atlânticoibérico e para a cadeia alimentar marinha
Esta pescaria recebeu uma bolsa do Ocean Stewardship Fund (OSF) do MSC para avançar na gestão baseada em ecossistemas, com modelos científicos inovadores. Em resposta à forte procura global por sardinha certificada, surgiram no mercado português novas referências de conservas de sardinha com o Selo Azul, demonstrando como o reconhecimento por parte do mercado pode impulsionar e consolidar o processo de melhoria. Esta colaboração multissetorial prova que o compromisso coletivo pode recuperar recursos em declínio, gerar valor económico e promover nutrição saudável de forma sustentável.
É um exemplo vivo de como o MSC transforma exigência em reconhecimento: melhorias verificadas abrem portas de mercado e garantem continuidade para pescadores, indústrias e consumidores, com obrigações de melhoria pelos próximos anos. A recertificação desta pescaria chave mostra que vale a pena investir em sustentabilidade, quando existe compromisso partilhado ao longo de toda a cadeia de valor.
Como vê o futuro da pesca sustentável em Portugal e o papel do MSC nos próximos anos?
Durante a última década, Portugal registou uma evolução notável rumo à pesca sustentável, com o MSC a atuar como catalisador da “transformação azul” no mercado nacional e, mais recentemente, também no mar português — como demonstra a recertificação da sardinha ibérica, que envolve uma frota significativa e volumes (34 mil toneladas em 2025) relevantes de capturas sob gestão sustentável.
Durante a última década, Portugal registou uma evolução notável rumo à pesca sustentável, com o MSC a atuar como catalisador da “transformação azul” no mercado nacional e, mais recentemente, também no mar português — como demonstra a recertificação da sardinha ibérica
O MSC espera que, nos próximos anos, mais pescarias nacionais possam beneficiar do programa, não só através da certificação, mas também das melhorias concretas promovidas pelo MSC Improvement Program, que oferece orientação técnica e acesso prioritário a financiamento (via Ocean Stewardship Fund) às pescarias comprometidas com a sustentabilidade. Paralelamente, o Projeto Embarca posiciona-se como base estrutural para planos de ação participativos, transformando barreiras identificadas em oportunidades de melhor desempenho ambiental, com apoio científico, investigação e práticas resilientes.
Para o futuro, a frota portuguesa está bem posicionada para reforçar o seu papel na pesca sustentável, com benefícios ambientais claros e com potencial de criação de valor económico adicional. O grande desafio é envolver todo o mercado nacional — retalhistas, empresas da fileira, associações, entidades públicas, ONGs e consumidores — para recompensar estas iniciativas com escolhas preferenciais, fechando assim o ciclo virtuoso de incentivos que liga certificação, reconhecimento e procura.
Para o futuro, a frota portuguesa está bem posicionada para reforçar o seu papel na pesca sustentável, com benefícios ambientais claros e com potencial de criação de valor económico adicional. O grande desafio é envolver todo o mercado nacional — retalhistas, empresas da fileira, associações, entidades públicas, ONGs e consumidores — para recompensar estas iniciativas com escolhas preferenciais, fechando assim o ciclo virtuoso de incentivos que liga certificação, reconhecimento e procura
O papel do MSC será continuar ao lado do setor, apoiando inovações, promovendo uma consciência coletiva informada e ajudando a tornar visíveis, também em Portugal, as pescarias que cumprem elevados padrões de sustentabilidade — garantindo oceanos saudáveis e um setor viável para as próximas gerações.