Entrevista a Rui Barreira, WWF: “Uma gestão florestal sustentável não pode subsistir sem atividade económica rentável”



O Green Heart of Cork celebrou 10 anos de história no dia 4 de novembro, e a par desta data especial, a Green Savers foi conhecer melhor o seu percurso e o impacto positivo que está a ter no montado português. Em entrevista, Rui Barreira, gestor do projeto e Coordenador de Floresta, Alimentação e Vida Selvagem na Associação Natureza Portugal (ANP|WWF), considerou tratar-se de um projeto “10 anos à frente do seu tempo”, e com grandes benefícios para a preservação da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas.

Qual é a missão do projeto Green Heart of Cork?

O Green Heart of Cork nasceu em 2011 para apoiar a conservação de um importante habitat, através da valorização ambiental dos serviços dos ecossistemas fornecidos pelo montado e da sua remuneração, como forma de garantir a sua viabilidade económica, social e ambiental.

Criou-se, assim, uma plataforma de empresas dispostas a premiar proprietários rurais pelas boas práticas de gestão florestal numa das paisagens mais emblemáticas (e ameaçadas) de Portugal. Ao fim de uma década de conquistas, o Green Heart of Cork confirma ter nascido 10 anos à frente do seu tempo.

Em que localidades do país atua o projeto?

O projeto iniciou-se em parceria com a Associação de Produtores Florestais de Coruche e Concelhos Limítrofes (APFC), coincidente com a maior mancha de sobreiro do mundo.

A primeira empresa a apoiar o Green Heart of Cork foi a Coca-Cola, em 2011, e, desde então, várias outras têm demonstrado o compromisso com este projeto. O Grupo Jerónimo Martins, que mantém a sua participação desde 2014, tem contribuído para uma maior estabilidade de angariação e, consequentemente, maior compensação aos produtores agroflorestais do montado de sobro que integram a APFC.

Mais recentemente, em 2020, o projeto expandiu a sua área de atuação ao Vale do Sado, com a entrada de novos parceiros no projeto, a Reckitt, através da marca Botanica by Air Wick, e a Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado (ANSUB). Numa lógica semelhante ao formato do projeto em Coruche, mas para pagar serviços dos ecossistemas diferentes, com foco na preservação da biodiversidade da região.

Qual é a sua dimensão atual?

Nos primeiros anos, este projeto pioneiro teve um crescimento lento, justificado precisamente pelo facto de este ser um conceito novo para investidores e comunidades. Com a sustentabilidade ambiental na ordem do dia, nos últimos anos, tem sido possível captar o interesse de mais empresas, ampliando a área de ação do projeto.

Desde 2017, tem sido alcançada uma maior estabilidade e, no total, o projeto angariou 135 mil euros para premiar os produtores agroflorestais comprometidos com as melhores práticas de gestão florestal responsável de acordo com o normativo do FSC®, e que nas suas propriedades têm altos valores de conservação ou áreas de conservação importantes para os serviços que as empresas querem remunerar.

Quais são as principais vantagens do Green Heart of Cork para o país?

O Green Heart of Cork cria um valor adicional para os proprietários e para as comunidades em áreas que normalmente são um custo para os proprietários, pois têm que as gerir e, na sua maioria, não podem ser exploradas comercialmente. Com este projeto, criou-se mais uma fonte de rendimento e, ao mesmo tempo, um incentivo para aumentar as áreas de conservação. Por outro lado, as empresas têm uma oportunidade única para reduzir a sua pegada, aumentar a sua reputação e associar-se a um projeto inovador.

O projeto celebra atualmente 10 anos de atuação. Que marcos pode destacar?

O projeto iniciou-se num período em que os serviços dos ecossistemas não estavam no nosso vocabulário. Durante estes dez anos, conseguimos que os serviços dos ecossistemas sejam considerados em políticas, e que as suas remunerações sejam vistas como fundamental para garantir uma transformação da paisagem nacional que garanta uma maior adaptabilidade às alterações climáticas. Além dos benefícios ambientais, este é um projeto com largos impactos económicos e sociais.

Nestes 10 anos foram angariados mais de 135 mil euros, dos quais conseguimos garantir que 35% chegasse aos proprietários, sendo que, nos próximos anos, pretendemos elevar essa percentagem para os 50%. Importa também salientar o reconhecimento de marcas importantes que se quiseram associar ao Green Heart of Cork. A Coca-Cola, como primeira empresa a investir no projeto, a Jerónimo Martins, que tem sido o principal financiador, e mais recentemente a Reckitt, através da marca Botanica by Air Wick, que permitiu expandir o projeto para uma nova região. Entre 2011 e 2021 também a Unilever, The Body Shop, Tetra Pak e Grupo Onyria contribuíram para premiar os proprietários envolvidos e “pagar” os serviços fundamentais que o ecossistema de montado presta a todos nós, como a retenção de carbono, a formação de solo, a melhoria do ciclo da água e a proteção da biodiversidade, como é o caso do lince ibérico.

Além disso, o projeto também teve reconhecimento internacional da Comissão Europeia e da Semana Floresta do Mediterrâneo, além de ter sido apresentado em diversos fóruns internacionais como um caso de estudo.

A floresta tem sido um dos pilares de ação da ANP|WWF, acreditando que uma gestão florestal sustentável não pode subsistir sem ser acompanhada por atividade económica rentável e desenvolvimento social. Para que continuemos a beneficiar a natureza, as pessoas, e também a economia, é fundamental que mais investidos (públicos ou privados) apostem em projetos de conservação e restauro ecológico.

 

Veja algumas fotografias do Green Heart of Cork, na galeria:





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