Entrevista a Teresa Guedes: “Longe vai o tempo em que os parques zoológicos eram apenas uma ‘montra’ de animais”



A Green Savers falou com Teresa Guedes, diretora do Zoo Santo Inácio, sobre o papel dos zoos na conservação da biodiversidade e a importância de atividades por estes promovidas para aproximar a sociedade do mundo animal para que, no futuro, partilhem da missão de preservar e proteger os animais e a natureza.

Segundo a responsável, o Zoo de Santo Inácio, “é um lugar de estudo, preservação e reprodução de animais selvagens e em perigo de extinção” e, para poderem cumprir esta missão na sua plenitude, tornaram-se membros da Associação Europeia de Zoos e Aquários (EAZA). Neste contexto, participaram em Programas Europeus de Preservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (EEP), sendo que, de um total de 1345 nascimentos, já viram nascer 265 animais em vias de extinção.

Teresa Guedes garante que conservação da biodiversidade “é o nosso grande propósito”, acrescentando que “longe vai o tempo em que os parques zoológicos eram apenas uma ‘montra’ de animais”.

  1. De que forma é que a conservação da biodiversidade é a principal área de foco num parque zoológico?

Podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que a conservação é o nosso grande propósito. No Zoo Santo Inácio habitam mais de 600 animais de 200 espécies diferentes e provenientes dos 05 continentes. Todos os animais por nós acolhidos vivem em ambientes de acordo com a sua origem, proporcionando-lhes as melhores condições, para que vivam saudáveis e manifestem comportamentos genuínos, mantendo os instintos animais.

O Zoo Santo Inácio é um lugar de estudo, preservação e reprodução de animais selvagens e em perigo de extinção. Para podermos cumprir esta missão na sua plenitude, tornámo-nos membros da Associação Europeia de Zoos e Aquários (EAZA), já em 2004, e, neste contexto, participamos em Programas Europeus de Preservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (EEP), sendo que, de um total de 1345 nascimentos, já vimos nascer 265 animais em vias de extinção. Estes programas estudam a árvore genealógica de cada espécie, de modo a manter as populações de animais geneticamente puras e saudáveis e potenciar o número de indivíduos existentes de cada espécie.

Aproximamos os visitantes da vida selvagem e promovemos a compreensão do papel de cada animal na natureza, favorecendo uma maior sensibilização para a sua conservação.

Para além desta vertente, que é um ponto chave na preservação das espécies, aproximamos os visitantes da vida selvagem e promovemos a compreensão do papel de cada animal na natureza, favorecendo uma maior sensibilização para a sua conservação.

  1. Como é que um parque Zoológico consegue fazer o papel de aproximar o ser humano à natureza?

A conservação da natureza é hoje mais importante do que nunca. A complexidade de envolver a comunidade na preservação prende-se com um lema de que apenas defendemos aquilo que nos é próximo e conhecemos e aí entra o papel dos parques zoológicos. Somos o ensino, a sensibilização e a aproximação da comunidade à natureza e à vida selvagem, só assim, podemos fazer com que todos os que nos visitam compreendam o papel que cada um destes animais tem na natureza e no mundo em que vivemos.

Os zoos permitem, às populações que os visitam, dar a conhecer inúmeras espécies, que por razões de distância geográfica existem apenas no imaginário ou muitas vezes são até desconhecidas pela raridade de que são alvo. Desta forma, ao permitirmos a aproximação à natureza e à vida selvagem, ajudamos a estimular e fomentar alterações nos comportamentos, sensibilizando a comunidade em geral para esta que é já uma ameaça à nossa própria sobrevivência.

Diz-nos a nossa experiência que defendemos melhor aquilo que nos é próximo e conhecemos e, por isso, temos um papel tão importante na sensibilização e envolvimento de todos para um só lema: defender e preservar a natureza.

  1. O Zoo Santo Inácio consegue manter os mais altos padrões de cuidado e reprodução das espécies?

Ao cuidarmos das espécies ameaçadas de extinção, criamos um local propício à reprodução, e é precisamente aqui que entram os EEP’s. Sabemos que a cada dia que passa, aumentam as ameaças à sobrevivência das espécies e estes programas passam a ser fulcrais para garantir a não extinção de várias comunidades.

As ameaças à sobrevivência da vida selvagem, aumentam a cada dia que passa, e novas espécies são classificadas como em perigo de sobrevivência sendo que, aliás, algumas já não existem na natureza e apenas em zoos, reservas ou associações. Sem estes programas, as populações selvagens de espécies ameaçadas de extinção em todo o mundo teriam ainda menos indivíduos.

  1. Que experiências tem o Zoo Santo Inácio para aproximar a sociedade do mundo animal para que, no futuro, partilhem da missão de preservar e proteger os animais e a natureza?

Ao longo dos anos, fomos desenvolvendo várias atividades e programas destinados a trazer a comunidade a visitar o Zoo. Desde já, podemos destacar a promoção das visitas escolares, onde a proximidade à vida selvagem, a observação e a compreensão do papel de cada animal na natureza contribui para a formação de cidadãos com uma maior consciência ambiental e maior sensibilidade para a conservação das espécies e preservação do meio ambiente.

Além disso, durante as férias escolares dos mais novos, que decorrem na Páscoa, no verão e no Natal, o Zoo Santo Inácio tem os campos de férias que são planeados de forma a inspirar e educar os pequenos-grandes aventureiros, despertando neles a curiosidade e o amor pela natureza e pelos animais. Nas atividades, podem conhecer de perto o reino animal e o trabalho dos tratadores que se dedicam aos nossos mais de 600 habitantes, compreendendo a importância da preservação da vida selvagem para um futuro que a eles pertence.

Mais recentemente, lançámos as VIP Tours, uma experiência ainda mais completa, única e personalizada junto do mundo animal. Os participantes destas atividades são acompanhados por um tratador e a programação, assim como a proximidade permitida, são adaptadas às características de cada animal. Trata-se de uma vivência que dará a oportunidade de conhecer de perto os habitantes do maior e mais verde zoo do Norte, desde o mais pequeno inseto ao emblemático leão asiático, e incluem diversas experiências, entre as quais um passeio de barco até à Ilha dos Lémures, a entrada na recolha dos leões e dos rinocerontes ou ainda a alimentação das lontras.

Promovemos ainda outras iniciativas como os programas de apadrinhamento dos animais que permitem que qualquer cidadão ou empresa possa ajudar-nos na nossa grande missão.

  1. Qual o impacto deste tipo de iniciativas e experiências na sociedade para a preservação da biodiversidade?

Estas atividades permitem que as crianças, desde cedo, criem proximidade com a natureza porque é de pequenino que se torce o pepino e são os mais novos que, muitas vezes, levam boas práticas para casa e mudam os comportamentos dos pais. As crianças de hoje são os adultos de amanhã e, por isso, acreditamos que este tipo de atividades podem fazer a diferença no futuro do nosso planeta.

Aliás, podemos dizer que, nos últimos anos, sentimos um aumento à adesão aos programas dos apadrinhamentos de animais, como forma de apoiar a conservação de espécies. Escolher apadrinhar um dos mais de 600 animais do Zoo, é preservar a biodiversidade, mas, também, investir no conhecimento e na sensibilização, uma vez que o padrinho fica habilitado a visitar o seu afilhado quantas vezes quiser durante um ano.

  1. Parte do montante das Vip Tours reverte a favor da instituição Save the Rhino. Qual a importância de conservar as espécies em vias de extinção e de ajudar estas instituições?

Existem mais de 8,7 milhões de espécies e os humanos representam apenas 0,01% da vida do planeta, mas são as suas ações que estão a comprometer não só a sua saúde como a matar milhões de animais e plantas.

A perda de biodiversidade está a acontecer à velocidade da luz e, se não for controlada, espera-se sérias consequências, com impacto direto nos seres humanos, ao comprometer a produção de alimentos, a saúde e a regulação do clima

A perda de biodiversidade está a acontecer à velocidade da luz e, se não for controlada, espera-se sérias consequências, com impacto direto nos seres humanos, ao comprometer a produção de alimentos, a saúde e a regulação do clima.

A conservação da vida selvagem é a preservação e proteção de animais, plantas e seus habitats e, portanto, ao conservarmos a vida selvagem, estamos a garantir que as gerações futuras possam desfrutar do nosso mundo natural e das espécies incríveis que vivem nele, para além de terem acesso aos recursos naturais que a Terra fornece e de que tanto dependemos.

Por isso, através do apoio a instituições como a Save the Rhino, estamos a contribuir diretamente para a preservação das espécies ameaçadas e para a proteção do nosso meio ambiente.

Esta é a maior organização de apoio à conservação desta espécie e são instituições como esta que, através de pesquisa e conhecimentos adquiridos podem implementar estratégias eficazes de conservação. Além disso, a Save the Rhino procura reduzir o comércio ilegal de chifres e acabar com a caça ilegal de rinocerontes, enquanto trabalha também com as comunidades locais para os sensibilizar e inspirar a proteger os rinocerontes.

Para além disso, uma parte do trabalho que desenvolvem incentiva a troca de informações e conhecimentos entre especialistas e organizações para que, todos juntos, possam atingir um objetivo em comum: proteger e aumentar a população global desta espécie.

Longe vai o tempo em que os parques zoológicos eram apenas uma “montra” de animais. Hoje temos um papel fundamental na recolha de informação e investigação, assim como na preservação da biodiversidade, a par da consciencialização para a preservação do ambiente.

  1. A missão dos zoos é hoje completamente diferente da que levou à sua invenção?

Podemos dizer que sim. Longe vai o tempo em que os parques zoológicos eram apenas uma “montra” de animais. Hoje temos um papel fundamental na recolha de informação e investigação, assim como na preservação da biodiversidade, a par da consciencialização para a preservação do ambiente.

Podemos ressalvar, portanto, estes três eixos de atuação:

  • Reprodução: cooperamos em mais de 42 Programas Europeus de Reprodução de Espécies Ameaçadas (EEP);
  • Variabilidade: procuramos manter as populações saudáveis, com diversidade genética, para garantir a pureza das espécies e, assim, que as suas descendências possam um dia regressar aos habitats naturais;
  • Educação: aproximamos os visitantes da vida selvagem e promovemos a compreensão do papel de cada animal na natureza, favorecendo uma maior sensibilização para a sua conservação.

  1. Para os ativistas dos direitos dos animais, a questão não é como os animais são tratados, mas se temos o direito de confiná-los para nossa diversão ou educação. Temos?

Longe vão os tempos em que os parques zoológicos eram vistos como locais de entretenimento, sendo que atualmente já existe uma maior divulgação daquele que é o verdadeiro papel dos zoos.

Em primeiro lugar importa salientar o trabalho desenvolvido na preservação da natureza e da vida selvagem. Ora vejamos que, de acordo com o Relatório Planeta Vivo 2020 da WWF, desde 1970, 68% da vida selvagem desapareceu e, mais recentemente, os cientistas da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica concluíram que “todos os dias, até 150 espécies são perdidas”. Em boa verdade, é graças aos zoos que muitas espécies ainda permanecem no nosso planeta, sendo que algumas já só existem em locais como zoológicos, reservas ou associações.

Ao cuidarmos das espécies ameaçadas de extinção, criamos um local propício à reprodução, e é precisamente aqui que entram iniciativas como os Pogramas Europeus de Preservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (EEP’s), através dos quais se pretende aumentar o número de animais com vista a reintroduzi-los na vida selvagem. Sabemos que a cada dia que passa, aumentam as ameaças à sobrevivência de determinadas espécies e estes programas são fulcrais para garantir a não extinção de várias populações. Por este mundo fora, já podemos contabilizar, com orgulho, inúmeros projetos da reintrodução de animais na natureza.

Acresce que, com o objetivo de compreendermos as particularidades de cada espécie e de percebermos o que podemos fazer para as proteger e conservar, existe também um enorme caráter de investigação e pesquisa e, sem isso, não seria possível garantir a continuidade de muitas das espécies ameaças de extinção. Aliás, entre 1998 e 2018, na Europa, a pesquisa desenvolvida pelos zoológicos já incluiu 3345 publicações sobre a reprodução das espécies e reintrodução dos animais nos seus habitats naturais.

Desde recursos humanos, financiamento em investigação, projetos e educação, aos habitats feitos para acolher cada uma das espécies, os esforços dos zoológicos são enormes e o objetivo é só um: conservar a biodiversidade!

Depois salienta-se a função dos zoos que, ao aproximar a população da vida selvagem, sensibilizam as comunidades e alertam para a importância de adotar comportamentos que protejam o nosso planeta. Dentro deste mesmo contexto, destaca-se ainda o papel junto dos mais jovens – um dos públicos estratégicos dos parques zoológicos – por sabermos que são os “adultos de amanhã” e por acreditarmos que o papel da mudança está, maioritariamente, nas próximas gerações.

Os parques zoológicos são, assim, locais de transmissão de conhecimentos e facultam as ferramentas necessárias para que, todos juntos, possamos preservar a vida animal e manter o ecossistema equilibrado. Sem as componentes associadas à preservação e ao trabalho de toda uma panóplia de profissionais – desde tratadores a veterinários e investigadores que diariamente cuidam, protegem e conservam todos os habitantes dos zoos – muitas espécies já não existiriam entre nós.

Nós, parques zoológicos, somos conservação, somos proteção, somos educação! Se, por todos estes motivos, as pessoas nos visitam e partilham da nossa missão, então estamos no caminho certo.





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