Entrevista a Tiago Mateus: Fotografia é “essencial” para a conservação da Natureza



Diz a sabedoria popular que ‘uma imagem vale mais do que mil palavras’. No que toca à conservação da Natureza, e de todas as formas de vida, habitats e ecossistemas que a constituem, as imagens podem ajudar a criar sentimentos de afinidade com o mundo que nos rodeia e do qual fazemos parte, algo que é fundamental para ajudar nos esforços que visam a sua proteção.

Tiago Mateus é uma das pessoas que vê o mundo através de uma objetiva, mas desengane-se quem por isso achar que vê menos. Em entrevista à ‘Green Savers’, contou-nos que a “semente” da fotografia da Natureza foi plantada em 2013, quando fez a sua primeira visita ao Parque Nacional dos Picos de Europa, em Espanha.

O fotógrafo Tiago Mateus recorda que “desde pequeno que sou um apaixonado pela natureza”.
Foto: Tiago Mateus Photography

“Lembro-me que na altura comprei um telemóvel da Nokia que tinha uma câmara fantástica para documentar essa viagem”, recordou, reconhecendo que então “não percebia nada de fotografia”, mas que “adorei as fotografias que fiz, e acho que veio daí a ideia de mais tarde fazer fotografia de paisagem”.

Desde então, Tiago Mateus tem procurado levar ao público, também através de plataformas como o Instagram e o YouTube, fotografias que captem o que de mais maravilhoso o nosso planeta tem, impulsionado por um fascínio pela Natureza que o acompanha desde muito cedo.

“Desde pequeno que sou um apaixonado pela natureza, os meus pais nasceram em aldeias do concelho de Trancoso e desde miúdo lembro-me de brincar na ribeira e de fazer caminhadas com a minha mãe”, disse-nos o fotógrafo, que acredita que foi o contacto com “o campo” que terá inspirado essa “paixão” pelo mundo natural.

Mas foi só em 2017 que realmente passou a dedicar-se à fotografia de paisagens e elementos naturais. Nesse ano “comecei a fotografar as praias de Almada e Sesimbra, muitas delas são praias selvagens, com muito pouca intervenção do Homem, e foi a partir desse momento que percebi que o que me fascinava era mesmo estes poucos cantinhos que restam totalmente naturais”, afirmou.

Por isso, “nesse ano fiz o compromisso comigo mesmo de deixar de incluir nas minhas fotografias de paisagem elementos humanos como muros, estradas, trilhos, pegadas, postes”, explicou, apontando que “a única coisa estranha à paisagem que incluo na fotografia algumas vezes sou eu”.

“O Clube dos Corvos”

Recentemente, Tiago Mateus venceu o concurso ‘GENERG – Fotógrafo de Natureza do Ano’, do INSITU – Festival de Imagem de Natureza, que decorreu em Vouzela no início de maio, com uma fotografia de corvos-marinhos empoleirados numa rocha fustigada pela rebentação das ondas no Cabo Espichel.

“O Clube dos Corvos”: Foi com esta fotografia, captada em março de 2023 no Cabo Espichel, que Tiago Mateus venceu o concurso ‘GENERG – Fotógrafo de Natureza do Ano’.
Foto: Tiago Mateus Photography

A imagem foi captada em março passado, e o fotógrafo recordou que “naquele dia estava uma temperatura ótima e pouco vento na costa sul do cabo”, mas o mar apresentava-se bravo e embatia violentamente contra as paredes escarpadas e rochosas.

“Curiosamente tinha ido a este sítio, que conheço bem, fotografar um banco de nevoeiro que passava sobre o promontório empurrado pelo vento norte. Quando lá cheguei, reparei num grupo de corvos-marinhos-de-crista pousados a descansar sobre uma rocha na base das arribas”, contou-nos.

“Estas aves, que fazem o ninho em fendas e cavidades na falésia mais acima, estavam naquela altura a descansar e a secar a plumagem depois de uma tarde de pescaria.”

Por isso, o plano inicial mudou. Perante a presença inesperada dos corvos-marinhos, Tiago Mateus pôs as aves na mira da sua teleobjetiva e começou “a disparar sem tripé porque o dinamismo do cenário não o permitia”.

“Não desperdicei a oportunidade, e tentei aproveitar a pequenez das aves negras para dar à fotografia uma sensação de escala naquele habitat inóspito. Usei a violência do mar que levantava espuma e maresia para dar profundidade à cena. Fiz várias tentativas, na maioria das fotos que tirei faltava sempre algum elemento, ou a rebentação, ou a luz, ou as aves estavam em posições estranhas, mas neste ‘frame’, ao contrário de muitos outros, tudo se conjugou”, afirmou o fotógrafo, não deixando de referir que a fotografia que lhe valeu o primeiro prémio beneficiou também de “alguma sorte”.

A fotografia ao serviço da conservação

No que toca a conservação da Natureza, Tiago Mateus está convicto de que “o papel do fotógrafo é essencial, por isso encontramos tantos fotógrafos em organizações de defesa da natureza, somos muitas vezes os únicos a ver ou os primeiros a documentar”.

Confessou-nos que o seu objetivo tem sempre sido o da “sensibilização pela positiva”, “glorificando o que a natureza tem de mais bonito”, e que “nunca me interessou fotografar atentados ambientais, poluição ou animais em sofrimento”.

Ainda assim, reconhece que esse tipo de imagens “causam um impacto muito maior na opinião pública do que as minhas fotografias de natureza intocada e perfeita”, e que “quem geralmente tem poder de decisão, quer em termos legislativos, quer em termos executivos ou económicos, não é com fotografias bonitas que fica sensibilizado para a defesa dos habitats e das suas espécies”.

Tiago Mateus, no entanto, não coloca de parte a possibilidade de poder vir a enveredar pelo que se poderia considerar como ‘fotografia ativista’, para expor ao mundo os ataques que estão a ser feito contra o planeta.

Isso, porque essas imagens “têm efetivamente o poder de mobilizar a opinião pública e por os media a escrever, o que pode forçar governos e empresas a mudar o rumo”, sobretudo numa altura em que “os interesses económicos, nos últimos tempos principalmente na área do turismo e da energia, prevalecem sempre sobre os interesses conservacionistas”, observou o fotógrafo.

“Tempos de contradição”

Tiago Mateus considera que “vivemos em tempo de contradição”, procurando as sociedades humanas reduzir os impactos negativos sobre a Terra, mas resistindo em realmente fazerem as mudanças, profundas em alguns aspetos, que são essenciais.

“Tentamos comer menos carne, mas exterminamos em massa os insetos com químicos para aumentar a produção das nossas culturas. Mudamos de carro para reduzir as emissões, mas rebentamos montanhas à procura de lítio e cobalto. Deixamos de pôr gasolina, mas enchemos as serras de turbinas, cortamos florestas para instalar centrais fotovoltaicas e destruímos os rios com barragens para produzir eletricidade. Construímos casas inteligentes, mas enviamos o nosso lixo eletrónico para o outro lado do mundo”, destacou.

Contudo, acredita que “a maioria da população das cidades quer ser mais amiga da natureza”, embora pense que ainda é preciso fazer muito mais do que até agora se tem feito se queremos realmente proteger o planeta e restabelecer os equilíbrios ecológicos perdidos.

“Para ser sincero, penso que ainda não é possível atingir essa harmonia com este modelo de sociedade e de consumo galopante. Enquanto a população, a economia e o consumo tiverem de registar obrigatoriamente um crescimento anual, esse objetivo não será alcançado”, afirmou Tiago Mateus, lembrando as desigualdades entre países ricos e países pobres, em que os primeiros procuram reverter os danos causados e os segundos “para chegar ao nível em que nós estamos precisam de recursos, energia”.

“Nenhum país está disposto a reduzir os seus padrões de consumo e consequentemente as suas economias para compensar o desenvolvimento necessário dos países mais pobres, e com ele, o aumento inevitável das agressões ao meio natural”, disse.





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