Entrevista: Eucaliptais têm menos invertebrados no solo, mas um maior número de espécies
As monoculturas de eucalipto (espécies do género Eucalyptus) têm, regra geral, um menor número de animais invertebrados no solo, mas, inversamente, uma maior diversidade de espécies, quando comparadas com monoculturas de outros tipos, como acácias ou pinheiros.
A conclusão é apresentada num artigo publicado na revista ‘Land Degradation & Development’, de um grupo de investigadores liderado pela Universidade de Coimbra.
O trabalho teve por base a revisão e compilação de 26 estudos científicos, já publicados e referentes a diversas regiões geográficas, que comparam os efeitos das plantações monoespecíficas de eucaliptos na fauna dos solos com os efeitos de outros usos do solo. Assim, combinando todos esses resultados, a equipa conseguiu obter uma visão mais global da relação entre esse tipo de plantação e os organismos invertebrados que vivem nos solos.
Para poderem deslindar esses efeitos e perceber as suas variações, os cientistas compararam a diversidade (número de espécies) e a densidade (número de indivíduos) de invertebrados do solo nas monoculturas de eucaliptos com outras modalidades de uso de solo: matas de acácias que surgiram de forma selvagem (não foram plantadas), florestas nativas, outros tipos de plantações, como acácias e pinheiros, pastagens e sistemas que integram simultaneamente agricultura, pecuária e floresta.
Embora os eucaliptos gozem de uma reputação controversa, com defensores e opositores igualmente acérrimos e vocais, os dados científicos aconselham cautela na altura de se fazer qualquer juízo sobre este grupo de plantas e sobre a forma como elas são usadas pelos humanos para fins económicos.
Raquel Juan-Ovejero, investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e da Universidade de Vigo (Espanha), é a primeira autora do artigo. Para ela, “não podemos dizer que o efeito das plantações de eucalipto é sempre negativo quando comparado com todos estes tipos de usos de solo”.
Em conversa telefónica a partir de Espanha, a engenheira florestal explica à Green Savers que esse efeito “depende do uso específico do solo”, pelo que não é possível, nem sensato, traçar uma perspetiva generalizadora sobre os impactos que as plantações de eucaliptos têm na fauna dos solos, como minhocas, nemátodos, milípedes, ácaros do solo, colêmbolos e isópodes (como bichos-de-conta). Ainda que seja “uma grande diversidade” de formas de vida, “como muitas vezes não é vista, acaba por ser ignorada”, lamenta a investigadora.
Mais diversidade e menos abundância. Mas nem sempre
Com base nos resultados dos estudos consultados, a equipa percebeu que os solos das monoculturas de eucaliptos tendem a ter uma maior diversidade de espécies de invertebrados, mas uma menor abundância, ou seja, menor número de indivíduos, comparativamente a outras plantações.
Por outro lado, parecem apresentar menos espécies de invertebrados do solo do que as florestas nativas. Ainda, as monoculturas de eucaliptos albergam um maior número de invertebrados do que os solos de áreas de pastagens e sistemas agroflorestais.
Por tudo isso, e demonstrando a cautela caraterística dos cientistas, Raquel Juan-Ovejero salienta que se os efeitos das plantações monoespecíficas de eucalipto são mais ou menos prejudiciais à fauna dos solos é uma questão relativa, na medida em que depende de com que outro tipo de uso de solo se está a comparar.
O facto de haver maior diversidade de espécies de invertebrados nos solos de monoculturas de eucaliptos, embora menor abundância, face a outras plantações monoespecíficas parece contradizer algumas narrativas que apontam os eucaliptos como uma ameaça à biodiversidade.
Seja como for, o ponto central a reter é que, como nos diz Juan-Ovejero, não importa propriamente se os eucaliptos são “bons ou maus” para a biodiversidade. Tudo depende do ponto de comparação.
As práticas e as condições ambientais são também fatores de peso
Os efeitos das plantações de eucaliptos nos invertebrados do solo não podem ser compreendidos olhando somente para as plantas propriamente ditas. As práticas empregues pelos humanos nessas plantações são igualmente determinantes para a vida que vive na terra.
O uso de fertilizantes, a composição desses produtos, os tipos de cortes que são feitos “podem ter feitos mais ou menos negativos nos invertebrados do solo”, elucida a investigadora, que acrescentada, contudo, que cada uma destes fatores precisa ainda de ser alvo de estudos individuais para que se possa realmente compreender os seus impactos.
Também a zona climática e biogeográfica em que as plantações de eucalipto são feitas influenciam os efeitos que terão na fauna dos solos.
“A nossa meta-análise, que é uma combinação de muitos estudos individuais, permite-nos ver lacunas no conhecimento, e incertezas, que precisam ainda de mais investigação”, aponta Raquel Juan-Ovejero.
A má reputação dos eucaliptos
Apesar da má reputação de que gozam os eucaliptos, a investigadora sublinha que “precisamos ainda de saber mais sobre esses efeitos e sobre como as práticas usadas nessas monoculturas afetam as dinâmicas do solo”.
Tanto em Espanha como em Portugal, os eucaliptos são espécies exóticas (não confundir com invasoras), trazidas pela mão humana para uma região que não é a sua terra-natal. “Isso faz com que as suas interações com o ambiente e com o resto das espécies que vivem quer abaixo quer acima do solo possam criar efeitos negativos”, afirma Raquel Juan-Ovejero.
Contudo, recorda, por exemplo, que as plantações de eucaliptos, segundo os estudos que suportam este artigo, apresentam uma maior densidade de invertebrados do solo do que as zonas agroflorestais. Nessas últimas, “as práticas de gestão podem ser mais agressivas do que nos eucaliptais, porque é preciso mexer a terra muito mais vezes”, adianta a investigadora, dizendo que foram identificados efeitos “muito mais negativos” na fauna do solo em áreas de pastagens do que em zonas de monocultura de eucaliptos.
Estima-se que os eucaliptos, árvores de crescimento rápido, tenham sido trazidos para Portugal algures na década de 1850, para dar resposta à falta de madeira disponível, tendo rapidamente conquistado grande interesse e popularidade junto dos setores agrícola e florestal, algo que se manteve até aos dias de hoje.
É preciso conhecer para mudar
Questionada sobre a razão que levou a equipa a debruçar-se sobre este assunto, Raquel Juan-Ovejero diz-nos que é, sobretudo, porque “tanto a Galiza como Portugal estão atualmente a sofrer uma forte expansão do eucalipto e percebemos que há uma lacuna no conhecimento sobre o seu impacto nas funções e organismos do solo”.
Por isso, entendem que este estudo, que essencialmente é “uma revisão do estado da arte atual”, poderá servir como pedra-basilar que ajudará a orientar futuras investigações nessa área.
Recorde-se que o 6.º Inventário Florestal Nacional, de 2019, indicava que os eucaliptais ocupavam, em Portugal continental, uma área de cerca de 844 mil hectares, representando, assim, 26% da floresta do continente, e revelando “um incremento sistemático da área ocupada ao longo dos últimos 50 anos”.
Para além disso, este trabalho procura também alertar para a importância destes organismos invertebrados que vivem no solo, seja para o bom funcionamento dos ecossistemas, seja para a própria subsistência humana, uma vez que promovem a saúde dos solos, sem o que as nossas culturas seriam incapazes de produzir fosse o que fosse. E mais: esses animais, muitos deles “recicladores” de matéria orgânica, são fundamentais para promover os ciclos de carbono dos solos, que assim servem como sumidouros de carbono e ajudam a mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Embora atualmente exista já um maior financiamento de projetos e iniciativas que visam compreender e valorizar estes pequenos animais, o facto é que “até há uns anos, estava a ser mais estudada a biodiversidade acima do solo do que abaixo dele”, diz Raquel Juan-Ovejero. E acrescenta que “agora é o momento mais oportuno para estudar esta área, porque muito financiamento está a ser destinado para aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento do solo, bem como os seus organismos”.
Diversificar é a chave para atenuar efeitos negativos
Com base no conhecimento existente, esta equipa de investigadores sugere que, para que se possa atenuar os efeitos negativos das plantações de eucaliptos na fauna dos solos, é preciso diversificar.
“Algo que estamos a propor é o estabelecimento de plantações mistas” e “deixar de lado as monoculturas”, conta-nos Raquel Juan-Ovejero. Por outras palavras: ao invés de se ter plantações compostas por apenas uma espécie, ter plantações com várias.
“Acreditamos que isso poderá promover uma maior diversidade do solo e um melhor funcionamento dos ecossistemas”, aponta, “mas isso é algo que ainda está por estudar”.
Apesar de ser entendido pelos seus próprios autores como apenas um começo, este estudo pretende abrir portas para a criação de mais conhecimento e de novas vias de investigação sobre os solos e a sua biodiversidade em áreas de plantações.
Sobre se é possível harmonizar as plantações para fins económicos com a conservação da biodiversidade, Raquel Juan-Ovejero admite que “essa é uma boa pergunta”, embora sem uma resposta fácil.
“Esse deveria ser o caminho”, diz, mas reconhece que estão em jogo muitos atores e interesses que podem tornar esse trilho bastante sinuoso. Por isso, são precisos um maior diálogo e uma maior integração “tanto a nível socioeconómico, como político e ambiental”, defende.