Entrevista exclusiva a Francisco Murta. “Quem cuida de uma flor vai ser mais atencioso e paciente”
Francisco Murta nasceu na Figueira da Foz, cresceu entre Samora e Benavente. Ganhou desde cedo a paixão pela música e pelo mar. Hoje não só é ele quem escreve as letras e compõe a música das suas canções, como também toca vários instrumentos musicais, como o piano, a guitarra, o baixo, o ukelele, entre outros. Em 2016, concorreu ao programa televisivo “The Voice Portugal”, onde chegou à Gala final. Dois anos mais tarde, em 2018, assina contrato com a Universal Music Portugal. O novo disco de Murta, “D’Art Vida”, inclui os singles “Porquê”, “Respeitar”, “Segredos” e “Saudade”. O álbum conta ainda como uma surpresa no interior: uma folha com sementes de Margarida, que cada um poderá plantar, devolvendo o convite aos seus fãs de “darem vida” a algo novo.
Qual a principal mensagem do álbum “D‘Art Vida“?
O conceito mais abrangente é o título “D’Art Vida” e, com isso, dar-te vida a ti consumidor que estás com o álbum na mão. É voltar aqueles sentimentos primários, de amor, partilha, sentimentos mais ingénuos, que são nossos, desde os antepassados. Porque eles juntavam-se todos para criar, ajudar e sobreviver. Uniam-se e eram mais fortes assim. Eu sentia que as pessoas se estavam a esquecer muito dessa mentalidade: estão atrás do telemóvel, do computador e criticam toda a gente porque se sentem os donos do mundo. Este álbum é sobre nós, a diferença e a igualdade e uma não atropela a outra. O “D’Art Vida” fala muito disso e é por isso é que tem esta mensagem e um papel para plantar uma Margarida. Quem cuida de uma flor vai preocupar-se com outras coisas que talvez não repara – ser mais atencioso e paciente. Isso é uma coisa que já não existe – na minha geração põe-se uma foto no Instagram e, se na primeira hora, não tiver mil ‘likes’ tira-se a foto. As pessoas andam muito impacientes, não sabem esperar e querem tudo na hora. Este álbum é contra isso, é mostrar que se pode pensar de outra maneira e fazer um bom trabalho na mesma.
Quantas musicas tem o álbum?
Tem 11 músicas escritas por Francisco Murta, todas as sílabas. E sairá outro trabalho meu em 2020. Este é mais sobre “nós”. O próximo é essencialmente sobre mim.
Demorou quanto tempo a preparar o “D’Art Vida”?
O primeiro som que existiu foi o “Saudade”, em 2017, e nessa altura eu não estava a pensar no álbum. Para ser verdadeiro foi em 2018 que eu comecei a perspetivar algo coeso. Porque o single “Saudade” já existia, o “Porquê” também, e eu ainda me estava a descobrir artisticamente, assim como fiz outras músicas que não entraram neste álbum.
Existe algum momento especial em que gosta de escrever as letras?
Tudo isto aconteceu de várias maneiras porque escrevi o refrão a ouvir um “beat” a ir para casa numa paragem de autocarro. Já o “Luna” escrevi a fazer glamping em Montargil. Eu já sabia que quando estou à volta de coisas puras inspiro-me bastante. Em Montargil estava numa tenda africana e o “Luna”, em termos de sonoplastia, começa com lenha a estalar, porque eu escrevi-o à lareira e era lua cheia. Quis expressar isso em termos de sonoplastia e ser fiel nesse sentido.
Qual é que é o seu objetivo enquanto artista, autor e compositor?
Mudar o mundo, sem dúvida. Mudar mentalidades.
Para além da música também se dedica a outras artes?
Não me dedico tanto como na música, porque agora quero criar uma posição sólida. Mas adoro, por exemplo, escultura, arquitetura, perceber como as formas e as cores expressam e trazem uma mensagem. Eu sou fascinado por arte e por sensações. Adoro fotografia, moda, roupa, perceber como é que funciona tudo. É interessante perceber o choque e a mensagem. Vou para casa a pensar nisso. Muita gente faz música e não dá atenção aos pormenores, não são sensíveis.
Que influências musicais é que tem neste álbum?
Neste álbum tenho influências de Mac Miller ou Ady Suleiman. Sempre fui um rapaz que ouvia muita música, agora menos, porque estou a fazer mais. Por isso é normal eu querer-me distanciar um bocado de vez em quando. E ultimamente isso tem acontecido bastante. Neste álbum em termos de inspiração é um bocado ingrato, porque acho que até pessoas com quem eu falei foram inspirações para este álbum. Pessoas comuns com quem conversei, ajudaram-me a formular uma certa frase ou um certo refrão para atingir uma certa mensagem ou atingir um certo sentimento. Isto parece muito vago e muito cliché mas foi a vida, literalmente, e a arte que me inspirou a fazer este álbum.
Em que festivais é que já atuou ou em que sítios emblemáticos?
Atuei agora no cinema de São Jorge ou no Super Bock Em Stock, que é um dos meus festivais preferidos, bem como no festival F (em Faro). Este último é incrível, tem vários palcos espalhados pela cidade e, entre cada palco, apresentavam arte e espetáculos de luzes e outras coisas. Por exemplo, no meu palco havia grafittis gigantes, um coração a bombear água, o Oceano. Estava também uma foto de uma tartaruga com uma palhinha no nariz e isso são tudo coisas que eu defendo.
Como é que tem sido a reação do público às suas músicas?
Mais positiva do que eu estava à espera, porque eu sou um artista conceptual. Estão a mostrar-me que perder mais uma noite ou duas vale a pena, ser chato com pormenores é importante. Eu estou a gostar muito da reação das pessoas, vivo uma altura muito positiva e eu estou feliz com todas as opiniões. Todos os dias me dizem coisas boas e que eu gosto de ouvir, como este álbum a ser uma fonte positiva para determinadas pessoas. Alguns dizem-me não saber se gostam mais da capa, da música ou da estética, porque eu importei-me com isso. E é bom o público ligar a essas coisas.
Em relação à folha com sementes de Margarida. Essa ideia foi sua?
Eu escrevi isso no meu caderno de ideias e o conceito não me parecia completo. Eu queria dar vida com música mas desejava envolver o consumidor no mesmo sentido. Então pensei ‘o que há mais direto do que plantar algo?’ Então de repente num jantar casual com a minha família, o meu padrasto lembrou-se que conhecia um papel que é prensado com sementes.
E porquê sementes de Margarida e não outra flor qualquer?
Porque é o nome da minha namorada. Havia essa possibilidade e não fazia sentido ser outra coisa. Ela é a minha Margarida.
Na sua opinião, a maioria das pessoas tem consciência do que é que está a acontecer no mundo a nível ambiental?
Acho que não. É mais giro, às vezes, ir ao Twitter e escrever “Salvem a Amazónia”. Depois vamos ver as fotos dessas mesmas pessoas e estão a mandar lixo para o chão. É moda falar disso, e não sentem. Eu tenho amigos que vão comigo para o carro, estamos a comer e eles abrem o vidro e atiram o lixo para o chão. Eu sei que eles não são más pessoas, mas não se sensibilizam para isso. Eu digo-lhes para não fazerem isso. É começar a habituar as pessoas e ter essa memória. Da próxima vez já se vão lembrar de não fazer isso no carro dos outros.
No seu dia-a-dia que bons hábitos ambientais tem?
Gostava de ter muitos mais, sou sincero. Por exemplo, coisas simples, como ter a minha escova de dentes em bambu. É algo que eu quero mas, por preguiça de ir procurar, ainda não tenho. Copos do McDonalds não uso, nem as palhinhas. Agora aquela experiência dos sacos serem dissolúveis, é interessante, finalmente! Eu sei que não sou perfeito. Sou o primeiro a dizer que não sou perfeito e posso mudar muita coisa. O sistema está construído para, se calhar, não ajudarmos mais. Mas isso vai mudar e acho que temos de continuar a contribuir.
E a responsabilidade politica?
A grande força poderia vir daí, até porque há agora um rapaz artista, o Jaden Smith (filho do ator Will Smith) que criou uma embalagem de água com 0% de plástico. Tem tampa e é completamente reutilizável – Just Water. Ele tem outros projetos muito interessantes, como uma mesa de reuniões 100% feita de plástico. Nesse sentido, ele é uma inspiração para mim por duas razões: usa o que faz para o bem, e é músico como eu.
Concorda com as posições da Greta Thunberg?
Eu não queria entrar muito por aí. Não estou informado o suficiente de forma sustentada. Mas eu percebo o que ela diz, sem dúvida. Os miúdos de hoje em dia já vêm formatados. Parece que vemos o mundo todo mas não vemos nada à nossa volta. Nesse sentido concordo plenamente com ela.
O que é que achas que a tua geração pode fazer?
Largar isto (telemóvel), começar a preocupar-se mais e a não querer as coisas sem esforço. Isso é algo que me faz mesmo impressão. Falta às pessoas aquele sentido de sacrifício. Largar o telemóvel e largar as tecnologias é um passo importante. Mas não quero ser hipócrita e também uso as tecnologias para o meu trabalho. De qualquer forma, assusta-me ver miúdos que ainda não sabem falar mas já sabem mexer no telemóvel.
Uma mensagem que gostasses de deixar aos teus fãs?
Acordem! Quero que acordem, olhem à vossa volta e vivam. Agarrem-se a algo, criem e partilhem as coisas com as pessoas. Nós somos tão bonitos juntos. Acho que a vida é para se aproveitar e, nesse sentido, como diz a Greta não percam a vida, literalmente. Isto é tão bom.