Entrevista: “Portugal, pela sua diversidade climática e vitícola, pode servir de exemplo a todo o mundo”

É já esta sexta e sábado, dias 11 e 12 de abril, que o Centro de Conferências do Hotel Tivoli, em Lisboa, vai receber especialistas, enólogos e apreciadores num encontro único dedicado às castas portuguesas, o primeiro do género a ser organizado em Portugal.
Sob o tema central da adaptação das castas às alterações climáticas, o SÓ CASTAS promete um programa diversificado que se dirige a todos os apreciadores de vinho com vontade de saberem mais. O evento vai juntar investigadores e profissionais para debater estratégias e desafios que o setor vitivinícola enfrenta num cenário climático em constante mutação.
Em entrevista à Green Savers, Manuel Malfeito Ferreira, coordenador científico do evento e professor universitário no Instituto Superior de Agronomia, explica que o principal objetivo deste encontro é “valorizar as nossas castas autóctones e promover o conhecimento sobre a sua adaptação às mudanças ambientais e às tendências globais de consumo”.
Para o docente, “o maior desafio é avaliar a capacidade de adaptação das castas tradicionais à variabilidade das condições climáticas, especialmente em regiões onde o aumento das temperaturas e a escassez de água são mais acentuados”.
Por isso, acrescenta, “é essencial apostar na investigação para identificar quais castas têm mais potencial de adaptação e garantir que as práticas vitícolas acompanhem essas mudanças de uma forma sustentável”.
Em que contexto surge o evento “SÓ CASTAS” e qual o seu principal objetivo?
O evento SÓ CASTAS surge num momento crucial para o setor vitivinícola, em que as alterações climáticas e as novas exigências do mercado nos levam a refletir sobre o futuro dos vinhos portugueses. O principal objetivo deste encontro é valorizar as nossas castas autóctones e promover o conhecimento sobre a sua adaptação às mudanças ambientais e às tendências globais de consumo. Queremos reforçar o debate científico e técnico sobre a viticultura nacional, mostrando que Portugal, com as suas cerca de 250 castas reconhecidas, tem uma diversidade ímpar que nos permite enfrentar com otimismo os desafios que se avizinham. Por outro lado, a abertura ao público em geral permitirá dar a conhecer o muito que se tem feito nesta área.
Como podem as alterações climáticas afetar as castas portuguesas?
As alterações climáticas representam um grande desafio para a viticultura, especialmente num país como Portugal, onde há uma enorme diversidade climática. O que torna as castas portuguesas únicas é precisamente a sua adaptação a diferentes microclimas, desde regiões mais frias e húmidas até a zonas mais quentes e secas. O nosso ponto forte é que, devido a esta diversidade genética, temos castas que podem responder positivamente às mudanças ambientais em função do local de origem. O evento SÓ CASTAS vai abordar precisamente este tema, juntando especialistas nacionais e internacionais para discutir estratégias de adaptação. A ideia é entender quais as castas que têm mais potencial para enfrentar diversos cenários climáticos e como podemos gerir as práticas vitícolas para garantir a sua sustentabilidade a longo prazo.
Como estamos a responder às mudanças climáticas e às novas tendências de consumo?
O setor vitivinícola em Portugal tem demonstrado uma vitalidade assinalável, tanto a nível técnico-científico como a nível empresarial, antecipando cenários futuros. A adaptação passa, por exemplo, pela selecção das castas mais resistentes e pela gestão integrada do solo e da água. Ora, estas castas sempre existiram no nosso País, mas foram um pouco secundarizadas em relação às que possuem maior interesse comercial, frequentemente vindas do estrangeiro. Por uma feliz coincidência, as tendências actuais do consumo de vinhos têm-se virado para uma maior diversidade de estilos apropriados às características de muitas das castas de outrora. Em conjunto, há uma maior procura por vinhos com identidade própria, com o chamado sentido de lugar, e é aqui que as castas autóctones permitem dar consistência a esta afirmação. O SÓ CASTAS pretende, precisamente, ser como que um manifesto desta aposta naquilo que é genuinamente nosso.
Quais as principais tecnologias emergentes que já estão a ser usadas para fazer face às alterações climáticas?
Uma das áreas mais promissoras é a utilização de tecnologias de monitorização climática, melhoria da qualidade do solo e gestão integrada da vinha, que permitem ajustar as práticas vitícolas de forma quase imediata à variabilidade das condições ambientais. Também estamos a investir na biotecnologia aplicada à viticultura e à vinificação, como o desenvolvimento de produtos fitossanitários com menor impacto ambiental e à seleção de leveduras autóctones. A inovação também tem passado por novas alternativas nos processos de adega. Como é óbvio, todas estas inovações não se fazem sem um forte investimento na digitalização das tecnologias. Nada melhor do que vir ao SÓ CASTAS para se tomar consciência do muito que se tem feito no sector.
Que desafios é que o setor vitivinícola enfrenta num cenário climático em constante mutação?
O maior desafio é avaliar a capacidade de adaptação das castas tradicionais à variabilidade das condições climáticas, especialmente em regiões onde o aumento das temperaturas e a escassez de água são mais acentuados. Por isso, é essencial apostar na investigação para identificar quais castas têm mais potencial de adaptação e garantir que as práticas vitícolas acompanhem essas mudanças de uma forma sustentável. A manutenção da qualidade e da originalidade dos vinhos portugueses depende da nossa capacidade de antecipar e responder a estas questões.
E quais os maiores desafios dos vinhos portugueses no comércio global de vinhos?
A grande competitividade do mercado global coloca os vinhos portugueses perante um duplo desafio: por um lado, garantir uma consistência de qualidade e, por outro, comunicar a autenticidade e o valor cultural dos nossos vinhos. Se o primeiro pode ser facilmente verificável pelos vinhos presentes no SÓ CASTAS, o segundo necessita de um trabalho adicional englobando todos os envolvidos na fileira do sector. As castas autóctones dão-nos uma vantagem competitiva, reconhecida pela crítica da especialidade, mas o consumidor internacional ainda as desconhece. Para tal, precisamos de garantir a continuidade do muito que se tem feito na comunicação e no marketing dos nossos vinhos, apostando na valorização da sua singularidade.
Acha que as alterações climáticas podem prejudicar algumas regiões hoje celebradas e a ascensão a territórios agora desdenhados?
A nível internacional tal já é reconhecido, tanto para novas regiões, como para outras que voltaram a ter condições propícias ao cultivo da vinha ou, ainda, para outras onde o futuro está ameaçado. Por exemplo, no SÓ CASTAS contamos com a presença de Gregory Jones, conhecido climatologista, e produtor de vinhos no estado americano do Oregon, região onde poucos reconheceriam o potencial para produzir vinhos de elevada qualidade. É um processo dinâmico e desafiante, onde Portugal, pela sua diversidade climática e vitícola, pode servir de exemplo a todo o mundo.