Eólica offshore e as aves marinhas, é possível a coexistência?



O abandono dos combustíveis fósseis e a transição para energias limpas e renováveis é um dos grandes desafios que as sociedades, sobretudo as industrializadas, têm de enfrentar hoje e ao longos dos próximos anos.

Para concretizar essa transformação, a União Europeia quer que, até 2030, as renováveis, especialmente a eólica e a solar, forneçam, pelo menos, 32% de toda a energia consumida na região, embora seja possível que essa meta seja elevada para os 42,5%. O objetivo é que, até ao final desta década, a UE reduza em 55% as suas emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, comparando com valores de 1990, e que em 2050 alcance, por fim, a neutralidade carbónica.

À luz das orientações europeias, Portugal assumiu o compromisso de alcançar uma capacidade de produção de energia renovável em meio marinho de 10 gigawatts até ao final da década, e nessa estratégia as eólicas offshore são uma pedra-angular. Assim, o Governo criou um Grupo de Trabalho destinado a identificar “áreas preferenciais para as energias renováveis em regiões de baixo risco ambiental”, que cobrem um total de 3.393,44 quilómetros quadrados do mar português, localizadas ao largo de Viana do Castelo, Leixões, Figueira da Foz, Ericeira, Sintra/Cascais, Sines e Matosinhos.

O Governo português considera que as eólicas oceânicas são fundamentais para permitir ao país alcançar a neutralidade carbónica até 2050, atenuar a dependência dos combustíveis fósseis e, assim, reduzir os seus impactos sobre o planeta.

No entanto, há quem considere que, apesar da urgência da criação de modelos de produção e consumo de energia cada vez mais renováveis e sustentáveis, a transição energética não pode ser feita a qualquer custo e as consequências dos parques eólicos offshore sobre a vida selvagem, especialmente sobre as aves marinhas, não podem ser ignorados, sob prejuízo de se poder estar a trocar um mal por outro.

Falta de espaço em terra impulsiona movimento das eólicas para o mar

“O movimento eólico offshore aconteceu, essencialmente, porque a disponibilidade de locais em terra estava a reduzir-se cada vez mais”, elucida António Sarmento, especialista com várias décadas de experiência no campo das energias renováveis. Como tal, “tornava-se evidente que para uma expansão significativa das renováveis, em particular da eólica, era preciso ir para o mar”, pois “em terra nunca seria possível atingir o nível de penetração que a União Europeia definiu e ao qual os países estão a procurar responder”.

Embora a produção de energia eólica no mar seja ainda mais cara do que a de energia solar em terra, acredita-se que poderá vir a ser mais competitiva, não só porque o desenvolvimento tecnológico permitirá tirar cada vez mais partido da força dos ventos, mas também porque “a produção de energia eólica no mar é mais intensa e mais estável do que em terra, em geral”, explica o fundador e conselheiro-sénior da WavEC Offshore Renewables.

Além disso, “as turbinas no mar podem ser maiores do que as que temos em terra, podendo chegar aos 15 ou até mesmo aos 20 megawatts de potência, permitindo compensar os custos que se possa ter com infraestrutura para maior geração de energia”.

A conservação da biodiversidade e os parques eólicos marinhos

Sobre a proposta, António Sarmento sugere que “não envolveu uma grande preocupação com aspetos ambientais”, não por se considerarem irrelevantes, mas sim “porque se entendeu que era mais produtivo fixar primeiro as áreas onde valia a pena fazer a discussão a esse nível”.

Explica o especialista que o objetivo do Governo terá sido primeiro identificar as áreas mais indicadas, e onde haja maior interesse, para a instalação de parques eólicos e só depois de estarem definitivamente delimitadas avançar-se para uma discussão acerca dos seus potenciais impactos sobre a Natureza, a uma escala mais precisa.

Atualmente, estão instaladas em todo o mundo cerca de nove mil turbinas eólicas no mar, sendo que António Sarmento considera que, “se isso fosse um problema crítico” para as aves marinhas, não teria sido possível chegar a esse número.

Contudo, assume que esse é “um problema que deve ser ponderado” e que em certas zonas pode mesmo impedir a instalação de eólicas, mas defende que, “em geral, não é um problema muito significativo”, observando que “certamente haverá sempre colisões, como existem também em terra”.

Sarmento afirma que, quando se fala de impactos ambientais, não se deve ficar por aspetos negativos, pois, no caso das eólicas, acredita que os positivos são muito maiores. Nas contas do especialista, as eólicas offshore permitirão poupar cerca de 60 milhões de toneladas de dióxido de carbono lançadas na atmosfera, o que representaria uma redução de perto de 10% do total de emissões anuais do país.

“Isto é algo que também tem de se ter em consideração”, destaca, acrescentando que é esse potencial de descarbonização que “sustenta a entrada das eólicas offshore em Portugal”. Sarmento adianta que isso permitirá também reforçar a segurança energética do país, ao reduzir-se a dependência das importações de combustíveis fósseis para produzir eletricidade e os custos associados, que, na conta deste especialista, poderá resultar numa poupança da ordem dos quatro mil milhões de euros por ano.

“É isso que, no conjunto, penso que justifica esta aposta no alargamento das energias renováveis”, assevera, sublinhando que “seguramente é possível encontrar um equilíbrio” entre a necessidade urgente de descarbonização e redução das emissões e a proteção da Natureza. Um equilíbrio que, sustenta, “tem de levar em atenção aspetos ambientais e económicos”, sendo que nenhum deles deve ser “escamoteado”.

A transição energética é indispensável para o futuro sustentável da Terra, sobre isso ninguém terá qualquer dúvida. Mas é preciso harmonizá-la com a missão de proteger e conservar os ecossistemas, os habitats e a vida selvagem, uma preocupação que encontra eco entre a comunidade científica portuguesa.

Cientistas alertam para possíveis impactos negativos nas aves marinhas

Maria Dias, especialista em ecologia das aves marinhas e Professora auxiliar na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi uma das cientistas que participaram no processo de auscultação pública sobre a proposta para a instalação de parques eólicos em águas portuguesas.

Com outros quatro investigadores, assinou um parecer no qual diz que “as aves marinhas e costeiras encontram-se entre os grupos animais mais ameaçados de extinção” e que “a produção de energia eólica em ambiente marinho acarreta impactos significativos na biodiversidade, em particular nas aves”.

A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) considera que perto de 30% de todas as espécies de aves marinhas estão, a nível global, “vulneráveis”, “em perigo” ou “criticamente em perigo” de extinção, sendo que outros 11% se consideram “quase ameaçadas”.

Além disso, estima-se que cerca de metade das espécies de aves marinhas estejam a sofrer perdas populacionais significativas, o que, sendo predadores de topo e fundamentais para o ciclo de nutrientes marinho, o seu declínio “pode provocar desequilíbrios a nível dos ecossistemas marinhos e costeiros”, escrevem os cientistas no parecer.

Portugal é, de acordo com os especialistas, “um dos países do Atlântico com maior importância para as aves marinhas”, não só para as que nidificam, mas também para as migradoras que se deslocam ao longo da costa portuguesa e para as que passam o inverno no país.

E alguns censos apontam para cerca de 70 espécies que regularmente frequentam a costa continental, sendo que os números de aves “podem ascender a dezenas de milhar de aves por dia, nos picos das passagens migratórias”.

Maria Dias, que é também investigadora no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), explica que existem “dois grandes tipos de impactos das eólicas offshore nas aves”: a mortalidade por colisão direta com as pás das turbinas e o efeito de afastamento. Sobre esse último, a especialista lembra que a presença de uma estrutura artificial e estranha fará com que os animais evitem os locais onde estão colocadas. “É uma perda de habitat”, salienta, acrescentando que “áreas que eram usadas como áreas de alimentação vão deixar de ser utilizadas”.

Existem soluções que podem ser aplicadas para atenuar a mortalidade por impacto, como, por exemplo, a aplicação de sistemas de radar que param automaticamente o funcionamento das turbinas.

Outro impacto, relacionado com o afastamento, é o ‘efeito barreira’, que afeta sobretudo aves migratórias, que percorrem a costa portuguesa, oriundas de zonas mais a norte, em direção a águas mais quentes a sul, “e, de repente, na sua rota migratória está uma estrutura que se veem obrigadas a contornar, e isso, obviamente, causa gastos energéticos superiores”.

O estudo da colisão com as pás das turbinas eólicas no mar é especialmente difícil de fazer, reconhece a cientista, uma vez que os cadáveres das aves são arrastados pelas correntes marinhas, contrariamente ao que se passa em terra, em que os corpos geralmente se mantêm perto da zona de impacto.

No entanto, Maria Dias afirma que existem soluções que podem ser aplicadas para atenuar esse tipo de mortalidade, com, por exemplo, a aplicação de sistemas de radar, que permitem detetar a aproximação de grandes bandos de aves e parar automaticamente o funcionamento das turbinas. A especialista conta que, “em Portugal, isso já é feito” e que foi até uma empresa portuguesa a “pioneira a nível mundial na tecnologia que permite parar os aerogeradores com a aproximação de espécies, sobretudo as que sejam mais raras ou estejam ameaçadas de extinção”.

Mas no mar a história é outra, “porque este tipo de tecnologia de radar não funciona tão bem” para esse fim. Admitindo não ser especialista em radares, Maria Dias revela que, na preparação do parecer sobre as eólicas offshore em Portugal, informou-se junto de “colegas que trabalham muito nisso” e o que se sabe é que “os radares, de facto, não funcionam tão bem no meio marinho”.

Maria Dias confessa estar preocupada com o facto de haver ainda “muito trabalho a fazer” para que possam perceber-se os impactos reais dos parques eólicos offshore nas aves marinhas e encontrar soluções para evitá-los.

Parques eólicos em áreas protegidas e proximidade à costa

Uma das principais críticas apontadas às zonas propostas pelo Grupo de Trabalho do Governo prende-se com a proximidade a áreas protegidas, sendo que, no caso de Sintra/Cascais, existe uma sobreposição efetiva.

Maria Dias confessa-se perplexa com as escolhas e sugere que a zona de Sintra/Cascais foi assim definida para “ser o sítio mais facilmente descartável”, explicando que “a Ericeira é também particularmente problemática, porque está mesmo encaixada entre duas Zonas de Proteção Especial para as Aves” e que, por isso, “não faz sentido absolutamente nenhum”.

A investigadora defende que outra preocupação é o facto de essas áreas estarem próximas da costa, destacando como “especialmente problemáticas” as zonas propostas para Matosinhos e a zona portuária de Sines, que estão “mesmo junto à costa”. Isto, “porque muitas aves marinhas migram muito perto da costa”, usando-a como referência para se orientarem.

“Essas zonas que estão muito perto da costa podem ser particularmente problemáticas pelo tal efeito de barreira na migração”, esclarece. Por isso, a solução menos prejudicial seria parques eólicos mais afastados da costa.

A zona de Viana do Castelo também levanta alguma preocupação aos cientistas, pois “há muitas espécies que se distribuem mais a norte na nossa costa”, sendo que aquela que será talvez a que gera menor preocupação, embora não esteja isenta de impactos negativos, é a da Figueira da Foz.

Aves marinhas: seres que sofrem duplamente

A cientista refere que o que torna as aves marinhas “tão fascinantes” e ao mesmo tempo tão vulneráveis ao risco de extinção é o facto de viverem em “dois mundos”: dependem do meio marinho para se alimentarem, mas também do meio terrestre para se reproduzirem.

“Como nós, humanos, estamos a exercer um impacto brutal quer no meio terrestre, quer no meio marinho, sofrem verdadeiramente dos dois lados”, observa, e as aves migradoras, em particular, enfrentam ainda mais desafios, especialmente daquilo a que chama ‘efeitos cumulativos’.

Usando o alcatraz (Morus bassanus) como exemplo, a maior e mais abundante ave marinha que ocorre na costa continental portuguesa, Maria Dias explica que essa espécie, durante a sua migração para África, terá de enfrentar uma série de barreiras levantadas pelos parques eólicos que estão previstos para o Mar do Norte, para França, para Espanha e para Portugal, até poderem, por fim, chegar ao seu destino.

Nem a comunidade científica, nem a comunidade conservacionista estão contra a energia eólica offshore, pois reconhecem que as alterações climáticas são um dos maiores problemas para a conservação da biodiversidade

“Infelizmente, tendemos ainda a estudar os impactos ambientais a uma escala muito pequenina”, avança, apontando que tal limita a perceção de como os parques eólicos offshore poderão verdadeiramente afetar as aves marinhas migradoras.

“Estas aves, ao longo da sua rota migratória, vão encontrar um mar completamente diferente, cheio de parques eólicos.”

Embora o alcatraz seja, por agora, uma espécie relativamente abundante, estando classificada como ‘Pouco Preocupante’ pela UICN, é “provavelmente uma das espécies mais suscetíveis aos parques eólicos” em Portugal, além de ser também a ave marinha mais afetada pela captura acidental em artes de pesca e de ter sofrido grandes perdas populacionais com a mais recente vaga de gripe das aves (estima-se que tenham sido perdidas colónias inteiras).

Todos os anos passam “muitos milhares de alcatrazes pela costa portuguesa”, pelo que Maria Dia defende que não podemos apenas olhar para problemas limitados e que é preciso uma visão de conjunto.

Além do alcatraz, também a pardela- balear (Puffinus mauretanicus) é uma espécie que pode vir a sofrer ainda mais baixas devido às eólicas offshore. Atualmente, essa ave está criticamente em perigo de extinção a nível mundial e é a espécie de ave marinha mais ameaçada da Europa, e “Portugal é um dos países mais importantes para a espécie” que se reproduz exclusivamente em Espanha, nas Ilhas Baleares, “mas praticamente toda a população migra e passa o inverno na costa portuguesa”.

No entanto, as pardelas tendem a voar perto da superfície do mar, ao passo que os alcatrazes têm voos mais altos, colocando-os em maior risco de colisão com as pás das turbinas eólicas. Há, no entanto, alguns estudos que apontam que os alcatrazes são capazes de ajustar as suas rotas de voo para evitarem os parques eólicos no mar, algo que Maria Dias diz ser relativamente positivo, mas que cria o efeito de afastamento e de perda de habitat.

Outras espécies que podem também ser afetadas pelas eólicas ao largo da costa portuguesa, e que constam do parecer, são o garajau-de-bico-preto (Thalasseus sandvicensis), a negrola (Melanitta nigra), a gaivota-de-cabeça-preta (Larus melanocephalus), a torda-mergulheira (Alca torda), o alcaide (Catharacta skua) e a cagarra (Calonectris borealis).

Maria Dias sublinha, contudo, que a identificação dessas espécies como podendo ser aquelas que mais fortemente serão impactadas pelos parques eólicos marinhos se baseou em informação já existente, pelo que se trata de um estudo “preliminar”.

Por isso, releva que “seria muito importante ter tempo para fazer um estudo a sério” com informação atualizada de cada espécie que ocorre na costa portuguesa, e avança estar a colaborar com a SPEA para realizar precisamente um estudo desse género que possa ser lançado ainda antes do início dos leilões que marcarão o arranque da instalação dos parques eólicos offshore em Portugal.

“O que também nos preocupa é que estes pareceres depois não sejam lidos, mas posso estar enganada”, afirma. “Estamos a fazer a nossa parte”, aponta, acrescentando que “será agora interessante ver até que ponto o Governo vai ouvir a voz dos cientistas e das ONG”.

A ‘pressa’ pode ser inimiga da conservação?

“Aquilo que nos preocupa é toda esta urgência de ‘vamos fazer, vamos fazer’, sem haver o cuidado de se perceber os possíveis impactos nas aves marinhas”, critica Maria Dias. A cientista considera que intervenções de grande dimensão precisam de uma avaliação ambiental estratégica “séria”, que tenha em consideração os efeitos cumulativos, sendo que, depois de definidas as áreas finais, há que fazer “estudos muito mais detalhados”, com o devido tempo.

“Esta pressa toda e esta urgência toda também se percebem, mas não é por um ano que vai fazer a diferença” nos impactos benéficos que as eólicas offshore trarão para a descarbonização de Portugal, argumenta a docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. E recorda que quer as alterações climáticas, quer a perda de biodiversidade são crises à escala planetária e “a solução para a crise climática não pode ser piorar a crise da biodiversidade”.

Mas Maria Dias deixa claro que nem a comunidade científica, nem a comunidade conservacionista estão contra a energia eólica offshore, pois reconhecem que “as alterações climáticas são um dos maiores problemas para a conservação da biodiversidade” e, claro, para as aves marinhas. Contudo, salienta que isso “precisa de ser bem feito” e é possível que assim seja, porque, embora ainda haja trabalho a fazer, “temos já muitos dados” sobre as aves marinhas em Portugal, haja “vontade e tempo”.

Soluções para atenuar os impactos das eólicas offshore sobre as aves marinhas

Sabendo que as eólicas offshore são fundamentais para que Portugal, e outros países, possam atingir os seus objetivos de produção de energia limpa e alcançar a neutralidade carbónica, será preciso encontrar e aplicar soluções que ajudem a, pelo menos, minimizar os impactos negativos sobre as aves marinhas.

Embora os radares para a deteção da aproximação de bandos possam não resultar tão bem no mar como resultam em terra, pelo menos não até serem devidamente afinados e testados, é possível, por exemplo, colorir as pás das turbinas para que sejam mais facilmente vistas à distância pelas aves, permitindo-lhes ajustarem a rota de voo e tentar evitar a colisão. “Um dos métodos que começam a ser relativamente bem estudados e que, de facto, parece diminuir bastante a probabilidade de colisão, e já testado em parques eólicos offshore, é precisamente colorir ou pôr barras nas pás das hélices”, assinala Maria Dias.

No entanto, o efeito de afastamento será mais difícil de aplacar. “Talvez estudando a distribuição ideal das turbinas ou concentrando-as para não cobrirem uma área muito extensa”, sugere a cientista, indicando que não existe uma solução única e que estes métodos devem ser testados e adaptados a cada local. E, para isso, é preciso “investimento e interesse”.

António Sarmento, da WavEC, esclarece que as turbinas no mar estarão a, pelo menos, 1,5 quilómetros de distância umas das outras, criando ‘corredores’ dentro dos parques eólicos que as aves podem usar para circular. Mas reconhece que será preciso avaliar caso a caso o impacto sobre espécies particulares de aves marinhas que possam estar mais vulneráveis.

As aves marinhas são elementos fundamentais para o funcionamento e estabilidade dos ecossistemas marinhos, não só porque atuam como reguladores das populações de presas, mas também porque impulsionam o ciclo de nutrientes entre o mar e a terra.

Questionado sobre se seria possível reduzir a altura das torres eólicas para, por exemplo, reduzir o risco de mortes por colisão de aves com voos altos, como o alcatraz, o especialista indica que “isso não seria equacionável”, uma vez que, quanto mais afastada estiver a turbina da superfície do mar, maior será a produção energética, fruto de uma maior força do vento.

Por isso, tendo em conta todas estas variáveis, António Sarmento considera que o impacto das eólicas offshore nas aves marinhas “é um mal extremamente limitado” e que “o desafio está em encontrar o equilíbrio adequado” entre os benefícios e as consequências negativas. E acredita que as empresas que virão a explorar esses parques eólicos ao largo da costa portuguesa estão cientes disso e não arriscarão impactos demasiado negativos e evitáveis sobre a Natureza. “Estas empresas, a última coisa que querem é ser vistas como ameaças ao ambiente”, salienta.

Assim, “é possível” conciliar a transição energética com a conservação da biodiversidade, acredita Maria Dias. A cientista admite que “pode dar mais trabalho, pode não ser a solução mais óbvia e fácil, mas é possível”, lembrando que “Portugal assinou muitos acordos internacionais nos quais reconhece que se preocupa com a biodiversidade, e isso não passa simplesmente por designar áreas protegidas num mapa, mas sim agir em conformidade com isso”. Mas lamenta que a biodiversidade é frequentemente “o parente pobre”.

As aves marinhas são elementos fundamentais para o funcionamento e estabilidade dos ecossistemas marinhos, não só porque atuam como reguladores das populações de presas, mas também porque impulsionam o ciclo de nutrientes entre o mar e a terra. As suas fezes, levadas pelas águas da chuva, por exemplo, ‘fertilizam’ as zonas costeiras e aumentam a sua produtividade. “Perdermos as aves marinhas significaria termos um ambiente marinho, sobretudo costeiro, mais deteriorado”, sustenta Maria Dias, pelo que as perdas populacionais desses animais “devem preocupar-nos a todos”.

*Artigo publicado originalmente em junho de 2023, na revista física da Green Savers





Notícias relacionadas



Comentários
Loading...