Especialistas pedem que pedonalização de ruas vá além do centro histórico do Porto

Vários especialistas em urbanismo e mobilidade urbana pediram que o plano de pedonalização do Porto não se cinja ao centro histórico, mas seja alargado a outras zonas da cidade mais frequentadas pelos residentes.
“Não estaremos assim, a partir desta intervenção, a incentivar uma dualidade entre a cidade dos turistas e a cidade dos residentes, onde, por enquanto, continua a reinar o automóvel porque, não têm vindo, de facto, a ser tomadas medidas consistentes para que tal se altere? Queremos, de facto, converter o centro histórico numa ilha que paira sobre o resto da cidade no que respeita à mobilidade?”, questionou Helena Madureira, geógrafa e professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).
A posição foi transmitida numa sessão sobre o Plano de Pedonalização do Porto, organizada pelo Grupo de Ação para a Reabilitação do Ramal da Alfândega (GARRA) e pela associação Campo Aberto na segunda-feira à noite, e cuja gravação a Lusa teve hoje acesso, sobre o plano encomendado pela Câmara do Porto terminado em 2021, não publicado, mas tornado público este ano pelo GARRA.
Também o urbanista Daniel Casas Valle começou por apontar que “em 10 anos não mudou nada”, e defendeu que se deve “pôr a prioridade, não só no centro, mas em todo o Porto, em toda a região, ao peão”, que deve estar “no topo da pirâmide” das prioridades urbanísticas e de mobilidade, com ênfase, por exemplo, em passeios largos com espaço para plantar árvores, que podem proporcionar sombras.
O geógrafo José Rio Fernandes, também da FLUP, admite que a pedonalização do centro até “pode resultar, trazendo algum benefício para alguns portuenses” no centro histórico, mas disse que “resulta pouco do ponto de vista das soluções de mobilidade que uma cidade de um milhão de habitantes precisa”.
A discussão também abordou a proeminência do automóvel no Porto, com Helena Madureira a apontar que se estima “que nas cidades do sul da Europa o automóvel, mais as estradas, mais o estacionamento, ocupe mais de 70% do espaço público”, o que “não é, de facto, pouco”.
Porém, alertou para uma “visão romantizada” da pedonalização, pois “a vida do quotidiano dos milhares de pessoas que entram e se movimentam no quotidiano para ir trabalhar, para ir estudar” é terem de “andar quilómetros e em situações muito complicadas de transportes públicos que não funcionam”, e “à mínima possibilidade pegam no automóvel privado porque não têm condições para fazer de outra forma”.
Daniel Casas Valle recusou que a mudança de um paradigma de motonormatividade seja algo de “radical”.
“O modelo radical já está instalado. Chama-se carro. Se vamos dizer que vamos utilizar 80% do espaço das ruas para bicicletas, para estacionar as bicicletas, ter faixas de rodagem lentas e rápidas para as bicicletas, e ter garagens, bombas de gasolina para as bicicletas elétricas… se se impussesse isto na sociedade toda a gente achava maluco. Mas é o que fazemos exatamente com o carro”, vincou.
Rio Fernandes questionou como é que se pode diminuir o número de automóveis se no passado a autarquia decidiu “despejar parques de estacionamento” no centro do Porto “e agora está obrigada a fazer chegar lá os carros”.
Já Duarte Brandão, da MUBi- Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, salientou que os modos de mobilidade suave “não são um fim em si, mas são uma ferramenta que permitem transformar as cidades”, para que sejam “mais verdes, mais limpas, que melhoram a qualidade de vida, a saúde” e possibilitem deslocações “mais rápido de bicicleta do que de carro ou de autocarro”.
Cerca de 100 dos 236 arruamentos no centro do Porto que integram o projeto Rede 20, lançado em julho de 2023 pelo município, já priorizam a circulação pedonal em detrimento do trânsito automóvel, tendo alguns sido requalificados, outros tornados Zonas de Acesso Automóvel Condicionado (ZAAC) e noutros foi melhorada a sinalização e implementadas medidas de redução de velocidade, como lombas.