Este cortiçol consegue voar quilómetros no deserto e levar água às crias nas suas penas. E cientistas descobrem o segredo



As penas das aves, regra geral, são bastante eficientes em repelir a água, uma capacidade que lhes permite quando chove, por exemplo, levantarem e serem capazes de manter o voo. As aves aquáticas são o epítome das penas hidrofóbicas, tanto que, se observarmos com atenção, a água nas penas dos patos forma pequenas esferas que rolam pelo corpo do animal.

Contudo, nem sempre a capacidade das penas para repelir a água é algo desejável. E uma espécie em particular evoluiu penas que, realmente, atuam como pequenos ‘reservatórios’.

Trata-se de um cortiçol da espécie Pterocles namaqua, que habita regiões desérticas e onde a água escasseia, em especial na África do Sul, no Botsuana e na Namíbia. Por viver em ambientes são secos, esta pequena ave de tons acastanhados tem de ser capaz de tirar o máximo partido dos poucos corpos de água existentes no seu habitat.

Cortiçol da espécie Pterocles namaqua.
Foto: Chris Eason / Wiki Commons

Esta espécie está munida de umas penas muito peculiares que absorvem e retêm a água com tal eficiência que o animal é capaz de voar mais de 20 quilómetros entre um charco, por exemplo, e o seu ninho e ainda ter água suficiente nas penas para saciar a sua sede e a das suas crias no deserto.

Contudo, apesar de esta capacidade do cortiçol para transportar água nas suas penas ter sido pela primeira vez descrita em 1896 pelo ornitólogo britânico Edmund Meade-Waldo, até agora as características estruturais que tornam as penas do cortiçol P. namaqua únicas eram desconhecidas.

Mas uma dupla de cientistas da Universidade Johns Hopkins e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos da América, recorrendo a técnicas avançadas de microscopia desvendou, por fim, o mistério.

Através da análise de penas ventrais de um P. namaqua, emprestadas pelo Museu de Zoologia Comparativa da Universidade de Harvard, os cientistas Jochen Muller e Lorna Gibson, autores de um artigo publicado no ‘Journal of the Royal Society Interface’, perceberam que as penas dessa espécie têm uma estrutura diferente da maioria das penas de outras aves.

A maioria das penas são compostas por uma haste central, da qual ramificam barbas, e dessas ramificam-se ainda pequenas bárbulas. E é precisamente nas bárbulas que se esconde o segredo para a capacidade deste cortiçol para transportar água.

A estrutura desses filamentos microscópicos permite que, contrariamente ao que acontece noutras aves, a água recebida seja mantida por bárbulas flexíveis, através da ação capilar, ou capilaridade.

Imagens microscópica de uma pena de cortiçol Pterocles namaqua mostra o comportamento das bárbulas ao contactarem com a água. Crédito: Specimen #142928, Museum of Comparative Zoology, Harvard University © President and Fellows of Harvard College.

Esta investigação, segundo os seus autores, foi movida pela mera curiosidade em descobrir como é que o cortiçol P. namaqua era capaz de reter água nas penas de tal forma que podia voar longas distâncias no deserto e ainda assim chegar ao destino com água suficiente para matar a sede das crias.

No entanto, o que descobriram poderá ter um impacto que vai além da pura curiosidade científica. De acordo com Gibson, a estrutura das penas desta ave pode servir de inspiração para, por exemplo, a criação de dispositivos que ajudem a aumentar a disponibilidade de água em zonas áridas e desérticas, mas que durante os períodos de menos calor podem registar níveis significantes de humidade, na forma de nevoeiro.

“Um material com este tipo de estrutura poderá ser mais eficaz na colheita do nevoeiro e no armazenamento da água”, afirma a cientista.





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