Estratégia Nacional da Biodiversidade pretende ser “uma resposta estratégica às novas realidades ambientais”

Melhorar o estado de conservação das espécies e habitats em Portugal, restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030, articular melhor a proteção da biodiversidade e os desenvolvimentos económico e territorial, fortalecer mecanismos de governança e participação e cumprir com os compromissos internacionais assumidos pelo país.
Estes são os resultados que o Governo pretende alcançar com a nova versão da Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030), cuja proposta de revisão foi apresenta esta segunda-feira, na sede do Ministério do Ambiente e Energia, em Lisboa.
A apresentação ficou a cargo de Nuno Banza, presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que informou que a revisão da estratégia pretende ser “uma resposta estratégica às novas realidades ambientais, aos compromissos internacionais e às necessidades nacionais identificadas desde a elaboração da anterior versão em 2018”.
Para quem acompanha o tema, talvez tenha estranhado o facto de a revisão da ENCNB não constar do programa do atual Governo, tendo estado plasmada no programa do anterior. Contudo, essa aparente ausência dever-se-á provavelmente ao facto de a proposta de revisão ter estado a ser já finalizada no período de transição entre executivos.
Esta revisão visa atualizar e adaptar a estratégia a um contexto de “maior urgência climática e ecológica”, sendo que a sua avaliação “revelou necessidades de clarificação estrutural e operacional”.
Apesar das mudanças que surgem, Governo e ICNF garantem que a nova versão “não representa uma rutura com a versão anterior”, mas antes “um refinamento e atualização estratégica que reflete a evolução do conhecimento científico, das políticas públicas e dos compromissos ambientais”.
Quatro eixos estratégicos, 24 objetivos e 72 medidas
Uma das principais alterações é o facto de a estratégia de 2018 contemplar três eixos estratégicos – “melhorar o estado de conservação do património natural”, “promover o reconhecimento do valor do património natural” e “fomentar a apropriação dos valores naturais da biodiversidade pela sociedade” – e de a nova versão agora proposta ser orientada por quatro: “Conservação e restauro de ecossistemas”, “Gestão integrada e sustentável do território”, “Valorização económica e social” e “Governança e conhecimento”.
Com esta reformulação dos eixos estratégicos, pretende-se substituir “a abordagem genérica anterior”. O Governo e o ICNF consideram que a nova versão da estratégia consegue ter, face à estruturação anterior, uma “maior abrangência e coerência na abordagem da conservação”, assente numa “visão mais integrada e alinhada com abordagens ecológicas atuais”, com, por exemplo, um foco acrescido no restauro dos ecossistemas que “a versão original abordava (…) marginalmente”, indo além da mera conservação.
Além disso, a nova estratégia destaca um maior enfoque na articulação entre a tomada de decisões, a gestão e as evidências científicas, um reforço da ligação entre a conservação e o desenvolvimento territorial, os contributos da biodiversidade para o bem-estar humano e para a economia, um melhor alinhamento com a Estratégia Europeia da Biodiversidade e com o Quadro Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, e também melhorias ao nível da operacionalização e implementação da estratégia.
Sobre esse último ponto, com a subdivisão da estratégia em quatro eixos quer-se facilitar “a definição das metas específicas e a alocação eficiente de recursos”. Dessa forma, assim se espera, deverá ser possível um melhor acompanhamento e monitorização dos impactos das medidas propostas.
Cada um dos grandes eixos subdivide-se em objetivos, que, por sua vez, integram uma série de medidas concretas com as quais se pretende alcançá-los.
Conservar e restaurar os ecossistemas
Para o primeiro eixo, “Conservação e restauro de ecossistemas”, foram definidos cinco objetivos: Conservação e restauro, Controlo de espécies exóticas, Diversidade genética, Conflitos com a fauna selvagem e Geodiversidade. O objetivo com o maior número de medidas novas é o da Conservação e Restauro, com o qual se pretende assegurar “a conservação e a recuperação das espécies e habitats protegidos”, bem como o restauro ecológico dos ecossistemas, através da “melhoria do estado de conservação”, da “conectividade ecológica” e da “resiliência dos ecossistemas”.
No objetivo da Geodiversidade, que inclui somente uma medida, e nova, o que se pretende com a revisão da ENCNB 2030 é “promover a conservação e preservação da geodiversidade e dos geossítios como componentes fundamentais da diversidade natural” do país. Para isso, serão estabelecidos “planos de conservação específicos para geossítios prioritários, incluindo medidas de proteção física, monitorização de ameaças e programas de manutenção”.
A biodiversidade como parte do ordenamento do território
No segundo eixo estratégico, “Gestão integrada e sustentável do território”, o que se quer é “integrar a conservação da biodiversidade no ordenamento territorial, no planeamento setorial e na gestão dos recursos naturais”. Com isso, o Governo quer garantir que é possível harmonizar as atividades humanas e o desenvolvimento socioeconómico com “os objetivos de conservação”.
Neste eixo cabem 10 objetivos, que se traduzem, em traços largos, numa maior integração, articulação e harmonia entre a conservação e restauro da Natureza, da biodiversidade e da geodiversidade e o ordenamento e gestão dos territórios, num reforço da gestão integrada e sustentável das áreas protegidas, dos ecossistemas marinhos e dos recursos hídricos interiores (como os rios), na integração da conservação nos setores agrícola e florestal e nos planos de transição energética e de infraestruturas de transportes e comunicações, no reconhecimento do valor dos serviços dos ecossistemas para o desenvolvimento sustentável dos territórios, na redução da poluição que afeta os ecossistemas e no aumento da qualidade e quantidade de espaços verdes urbanos.
São medidas com as quais a nova estratégia pretende trazer a conservação da Natureza e da biodiversidade para a “boca de cena” em tudo o que sejam ações e planos que influam na forma como os territórios são geridos.
Aliar a biodiversidade, a economia e o turismo
O terceiro eixo, “Valorização económica e social”, com três grandes objetivos, tem como propósito integrar a biodiversidade na economia, no turismo e nos setores produtivos.
Com a nova estratégia, o Governo pretende consegui-lo através da promoção de modelos económicos sustentáveis que incluam a biodiversidade nas ofertas de produtos e serviços que ajudem a valorizar as áreas classificadas, da ativação de incentivos que aumentem a participação das empresas na conservação, por exemplo, mediante o investimento em ações de restauro e em projetos de investigação e inovação ecológica, e de políticas públicas que promovam um consumo e uma produção mais sustentáveis com vista à redução do desperdício e do consumo excessivo de recursos naturais.
Colocar a ciência no centro das decisões
O quarto e último eixo, “Governança e conhecimento”, inclui medidas que, segundo a nova estratégia, permitirão criar “as bases institucionais e científicas necessárias para uma implementação eficaz da estratégia de conservação”. Para tal, estão contempladas melhorais ao nível da governança, fiscalização, monitorização, investigação e comunicação, para que as decisões que forem tomadas sobre a conservação da Natureza e da biodiversidade sejam “baseadas em evidências, transparentes e participativas”.
Os seis objetivos que compõem esse eixo são o reforço da “governação participada e colaborativa” da conservação com vista à “corresponsabilização” e à “valorização do conhecimento local e científico”, a atualização do quadro jurídico e dos mecanismos de fiscalização da conservação, o fortalecimento do financiamento e incentivos para apoiar a conservação e a eliminação ou reformulação de subsídios “prejudiciais à biodiversidade”, e o reforço do conhecimento científico sobre recursos naturais e biodiversidade na gestão e tomada de decisão.
São ainda objetivos o fortalecimento da participação de Portugal nos mecanismos internacionais de governação da biodiversidade para promover “a participação ativa em convenções e acordos globais e a capacitação, transferência de conhecimento e cooperação científica e técnica com países parceiros estratégicos”, e estabelecer a comunicação como vetor central na divulgação do património natural e dos serviços dos ecossistemas, “integrando a educação ambiental e a participação social”.
Contas feitas, a proposta de revisão da ENCNB 2030 contempla quatro eixos fundamentais, 24 objetivos específicos e 72 medidas.
Dar resposta a temas antes ausentes
Com a nova proposta, que estará em consulta pública antes de passar a vigorar, o Governo acredita conseguir dar resposta a temas que na versão anterior estavam ausentes, como os conflitos entre humanos e animais selvagens, os efeitos da poluição na biodiversidade, os espaços verdes urbanos, a justiça ambiental, a biossegurança, o restauro ecológico e o reforço da proteção da geodiversidade.
“Esta ampliação temática representa uma atualização significativa perante os desafios emergentes na conservação”, foi dito na apresentação.
Além disso, o Executivo considera que esta proposta “substitui metas quantitativas arbitrárias por medidas que descrevem ações concretas”, ao fazer uma “melhor articulação entre objetivos e resultados”, consegue uma melhor perspetiva da dimensão socioeconómica inerente à conservação, e “integra as alterações climáticas transversalmente em múltiplos objetivos”.