Estrutura do cérebro pode determinar se cetáceos podem ou não ecolocalizar

A ecolocalização, a capacidade que permite aos animais conhecerem o mundo que os rodeia e caçarem através da análise dos ecos produzidos por feixes de som que eles emitem, é uma das incontáveis maravilhas do mundo natural.
Em terra, os morcegos são os exímios utilizadores da ecolocalização, mas no mar quem domina essa capacidade são os cetáceos, como baleias e golfinhos.
Agora, uma nova investigação, publicada recentemente na revista ‘PLOS One’, revela como é que os cérebros desses mamíferos marinhos evoluíram para permitir essa capacidade.
Através do estudo da estrutura dos cérebros de cetáceos mortos por arrojamento, os cientistas compararam os canais auditivos de golfinhos ecolocalizadores e de baleias que não têm essa capacidade, como a baleia-sardinheira (Balaenoptera borealis).
Embora os golfinhos, do grupo das baleias com dentes (ou odontocetos), e as baleias de barbas (ou misticetos) descendam de um antepassado comum e ambos usem sistemas de comunicação complexos, tudo indica que os misticetos não usem ecolocalização como os odontocetos, ainda que sejam famosos por produzirem canções subaquáticas intricadas.
A equipa diz que a ecolocalização nos golfinhos é mais “tocar” com o som do que “ver” com o som.
“Em humanos, primatas, roedores e cães temos mapas bem estabelecidos de que partes do cérebro contribuem para que tipo de processamento”, diz Sophie Flem, da New College of Florida e primeira autora do estudo. No entanto, “ainda não os temos para os cérebros dos golfinhos, que são extraordinariamente invulgares comparativamente aos cérebros de animais terrestres”, acrescenta.
Os investigadores acompanharam o percurso de sons desde uma estrutura bilateral na região central do cérebro de golfinhos, conhecida como colículo inferior. Pode ser encontrada em várias espécies e serve como “estação intermédia” através da qual a informação auditiva que entra pelos ouvidos é encaminhada para outras partes do cérebro.
Estudos anteriores tinham já demonstrado que o colículo inferior é muito maior nos golfinhos, por relação ao tamanho total do cérebro, do que na maioria das espécies terrestres.
Dados que os golfinhos podem ecolocalizar e os misticetos não, seria de esperar que os primeiro tivessem vias e ligações neurais, que levam os sons dos ouvidos ao cérebro, muito mais fortes, uma vez que os cliques produzidos têm uma frequência tão alta que os humanos não os conseguem ouvir, e transportam uma maior quantidade de informação que tem de ser processada.
No entanto, olhando para os cérebros de golfinhos e de baleias-sardinheiras, a equipa não encontrou grandes diferenças, a não ser nas ligações entre o colículo inferior e o cerebelo, uma parte do cérebro com funções atribuídas ao equilíbrio e à locomoção. Contudo, poderá fazer muito mais do que isso, pelo menos nos golfinhos.
“Embora os neurocientistas pensem no cerebelo maioritariamente como um centro para o equilíbrio e para o controlo motor, novas evidências sugerem fortemente que serve como um centro de integração de informações sensoriais e motoras e, mais importante, como um centro de previsão rápida”, detalha Peter Tyack, do Instituto Oceanográfico Woods Hole e outro dos autores do artigo.
Assim, a equipa considera que as ligações mais fortes entre colículo inferior e cerebelo nos golfinhos ajudarão os animais ecolocalizadores a usarem a informação acústica que recebem dos ecos dos seus cliques para saberem para onde devem, de seguida, apontar o seu sonar, a fim de conseguirem obter uma imagem mais clara do ambiente à sua volta.
“Pense na forma como move a sua mão para produzir o feedback tátil que lhe permite encontrar o interrupto da luz”, diz Tyack. “Da mesma forma, os golfinhos movem o seu feixe de ecolocalização para obterem o feedback de que necessitam para funcionar num ambiente subaquático escuro.”
De outra forma, é como se as pistas acústicas fornecidas pelos ecos permitissem ao golfinho ajustar o seu corpo para poder melhor orientar o seu sonar e descobrir o que precisa de descobrir na penumbra marinha. Daí a ligação entre o colículo inferior (som) e o cerebelo (locomoção) parecer ser importante para os animais ecolocalizadores, algo que falta nos cérebros dos misticetos, que, segundo se pensa, não usam ecolocalização.