Expansão do cultivo de soja no Brasil associada a mortes infantis por leucemia



O Brasil é o maior produtor de soja em todo o mundo, uma liderança consolidada ao longo das últimas décadas, levando também ao consumo de grandes quantidades de pesticidas, alguns altamente perigosos para a saúde humana.

Estima-se que esse país da América Latina tenha uma taxa de utilização de pesticidas por hectare 2,3 vezes maior do que os Estados Unidos e três vezes maior do que a China, respetivamente o primeiro e o terceiro maiores consumidores de pesticidas a nível global.

O uso desse tipo de produtos químicos em plantações de soja aumentou a partir de 2004, e entre esse ano e 2019 a produção sofreu uma grande expansão, sobretudo em duas regiões do Brasil: o Cerrado e a Amazónia.

Entre 2000 e 2019, a produção de soja no Cerrado triplicou, e na região da Amazónia aumentou de 0,25 hectares para 5 milhões de hectares. Essa expansão foi acompanhada pelo aumento de três a 10 vezes do uso de pesticidas. E agora uma equipa de investigadores alerta que a falta de formação na manipulação desses produtos, bem como a intensificação da sua aplicação, podem estar a ter impactos gravemente negativos na saúde humana e até a provocar mortes.

Focando-se nas crianças, por considerarem ser uma população altamente vulnerável, investigadores das universidades do Illinois, de Denver e de Wisconsin (EUA) sugerem que pode haver uma correlação direta entre o aumento do uso de pesticidas na produção de soja e o número de mortes de crianças por um tipo de leucemia, conhecida como leucemia linfoblástica aguda (LLA).

Através da análise de registos médicos e do cruzamento com informação referente aos usos dos solos, os investigadores concluíram que “os nossos resultados mostram uma relação significativa entre a expansão da soja no Brasil e mortes infantis por LLA na região”.

Segundo Marin Elisabeth Skidmore, primeira autora do artigo publicado recentemente na revista ‘PNAS’, “os resultados sugerem que cerca de metade das mortes por leucemia pediátrica ao longo de período de 10 anos podem estar ligadas à intensificação agrícola e à exposição a pesticidas” nos biomas do Cerrado e da Amazónia brasileira.

Contas feitas, estimam 123 crianças com menos de 10 anos tenham morrido de LLA associada à exposição a pesticidas entre os anos de 2008 e 2019, de um total de 226 mortes por LLA registadas nesse mesmo período.

Os investigadores acreditam que a contaminação dos cursos de água por pesticidas é a principal causa das mortes. “Procurámos evidências da aplicação de pesticidas a montante (…) e percebemos que está relacionada com casos de leucemia na região a jusante”, explica Skidmore, acrescentando que “isto indica que o escoamento de pesticidas para as águas superficiais é um método de exposição provável”.

De acordo com um censo agrícola realizado em 2006 no Cerrado e na Amazónia, perto de metade das famílias tinham um poço ou uma cisterna para captarem água, o que sugere que a outra metade estaria dependente da água superficial de rios e lagos.

“Se a água superficial estiver contaminada, os pesticidas usados na produção de soja a montante podem chegar até às crianças que vivem a jusante por via dos cursos de água”, afirma a investigadora.

Embora os resultados sejam, por si só, preocupantes, a equipa avisa que pode ser apenas “a ponta do icebergue”, uma vez que o estudo incidiu sobre mortes por LLA. “A exposição aos pesticidas pode também resultar em casos não-letais de leucemia”, diz Skidmore, que alerta que impactos semelhantes podem também estar a afetar adultos e adolescentes.

Os investigadores consideram que a formação e educação dos trabalhadores agrícolas, melhores normas de uso de pesticidas e acesso a cuidados de saúde podem ajudar a reduzir o número de mortes por LLA associada à exposição a agroquímicos. Mas não defendem a abolição total desses produtos.

“Queremos salientar que quando as mudanças acontecem rapidamente, há riscos associados, e isto não se limita apenas ao Brasil. Há um grande foco na intensificação agrícola em todo o mundo em prol da segurança alimentar global”, explica Skidmore, apontando que o que é preciso é encontrar “um equilíbrio” entre a produtividade e a redução de potenciais riscos.





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