Exploração de Lítio em Portugal: Quais são os riscos ambientais?



Decorreu no passado dia 7 de dezembro um webinar, organizado pelo GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente e pela Transparência e Integridade – Transparency International Portugal, acerca da exploração de lítio em Portugal. Estiveram presentes personalidades como João Joanaz de Melo, dirigente do GEOTA e professor da FCT-UNL, Patrícia Tavares, dirigente do GEOTA, Carlos Costa, presidente da Associação Técnica para o Estudo de Contaminação de Solo e Água Subterrâneas (AECSAS), Rui Matos, especialista na implementação avaliação da Extractive Industries Transparency Initiative, Miguel Macias Sequeira, investigador da FCT-UNL, e ainda representantes da Associação Montalegre com Vida e do Movimento SOS Serra D’Arga.

A estratégia de exploração do lítio no país, aprovada em 2018, está a ter grandes críticas, tanto pelos prejuízos ambientais e sociais que causa, como pela dúvida da sua viabilidade económica. O objetivo é que Portugal entre no mercado europeu de baterias como exportador – na fase inicial da cadeia, de extração e processamento para concentrado de espodumena – à medida que a mobilidade elétrica se vai desenvolvendo e trazendo com ela a procura crescente por baterias de ião-lítio.

“No concurso público para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa, planeado para o terceiro trimestre de 2021, o Governo afirma que serão incluídas 11 áreas previamente delimitadas, mas ainda não discriminadas. Existem já também, pelo menos, três contratos recentemente assinados para prospeção ou exploração de lítio, em Montalegre, Boticas e Argamela, cujos processos não foram totalmente transparentes”, explica João Joanaz de Melo.

Afinal, quais são os impactos associados à exploração de lítio?:

  • Visuais – O desmonte a céu aberto vai levar à descaracterização da paisagem e provocar impactos visuais pelo contraste entre a área explorada e o meio envolvente;
  • Na morfologia do terreno – o desmonte altera a morfologia com a abertura das cortas;
  • Alteração do da ocupação e uso do solo – que era agrícola e florestal e que passará a ter uso extrativo;
  • Sociais – decorrentes da alteração das atividades económicas existentes (agricultura, floresta);
  • Contaminação dos solos
  1.  Por derrames de combustíveis e óleos lubrificantes devido à circulação de equipamentos;
  2. Deposição de resíduos (baterias, pneus, óleos usados) colocados indiscriminadamente no terreno.
  • No Meio Hídrico
  1. Hidrologia de Superfície – Alterações nas linhas de água pelas depressões associadas à exploração do minério. A escavação altera o normal escoamento das linhas de água;
  2. Depósitos de terras colocados na envolvente das linhas de água podem provocar a sua obstrução pela erosão, levando à deposição dos sedimentos nos vales;
  3. Hidrologia subterrânea – Interferência nos circuitos hidráulicos sub superficiais e rebaixamento de poços e captações;
  • Qualidade das águas
  1. Afeta a qualidade das águas pela infiltração e percolação de derrames de combustíveis e óleos;
  2. Leva à acumulação de resíduos industriais;
  3. As escombreiras atravessadas pelas águas da chuva podem provocar contaminação física com o aumento das partículas em suspensão.

Relativamente à importância da avaliação ambiental, e à melhor forma de conciliar os interesses de todos, João Joanaz de Melo e Miguel Macias Sequeira respondem em comunicado:

Qual é a importância de efetuar uma avaliação ambiental estratégica das áreas sobre a exploração do Lítio em Portugal?

“Nestes últimos anos, os desenvolvimentos do mercado global de lítio foram dramáticos e, de certa forma, inesperados. Contrariamente às previsões que apontavam para um crescimento devido à aposta em mobilidade elétrica, o preço do lítio tem vindo a cair desde 2018, porque a oferta é muito superior à procura.

Mesmo dentro da União Europeia, onde Portugal possui reservas significativas, começam a surgir projetos competitivos em vários países. O lítio português dificilmente será competitivo num mercado globalizado em contração, onde existem vários produtores consolidados com acesso a reservas de dimensão muito superior, com custos de produção mais baixos e com legislação ambiental e laboral mais fraca.

É essencial compreender a cadeia de valor do lítio português, desde a sua extração até ao fim-de-vida das baterias. Actualmente, apenas 3% das baterias e menos de 1% do lítio são reciclados a nível global. Temos de pensar o ciclo de vida do lítio num contexto de economia circular.”

A Avaliação Ambiental Estratégica tem uma importância crucial para a problemática(…) O objectivo fundamental da avaliação ambiental estratégica é exactamente explorar alternativas e identificar as questões críticas, antes de quaisquer decisões definitivas. É igualamente essencial envolver as populações locais desde o início do processo. Estas populações não podem ouvir nas notícias que vai ser lançado um concurso para exploração de lítio numa mina na sua vizinhança. A comunidade local deve ser envolvida numa fase muito inicial destes processos, que possa permitir um certo nível de co-criação dos empreendimentos.”

Qual é a melhor forma de conciliar o interesse estratégico da UE pelo Lítio, com a sustentabilidade ambiental e a defesa dos interesses das populações que residem nas áreas propostas para exploração?

“Os minerais, incluindo os de onde se extrai lítio, terão uma importância geopolítica cada vez mais importante, sendo que União Europeia procura garantir o seu abastecimento seguro e sustentável.(…) Embora a relevância estratégica do lítio seja evidente à escala europeia, este modelo de desenvolvimento, em que seríamos apenas exportadores de um indústria poluente e consumidores finais, não parece ser interessante para Portugal. Seria certamente mais interessante se Portugal pudesse ter um cluster industrial associado ao lítio, mas estamos longe de garantir tal desiderato

Sejamos claros: não existe “green mining”. A exploração mineira é sempre uma actividade de elevado risco ambiental. Mas os impactes em concreto variam muito e podem ser mitigados até certo ponto, podendo ser considerados aceitáveis nuns sítios e não noutros.

Não há soluções ideais, em última análise há uma avaliação da sociedade e uma decisão políticas.(…)Para encontrar soluções ambientalmente sustentáveis e socialmente equitativas é fundamental assumir quatro coisas:

1) Vivemos hoje numa sociedade profundamente insustentável. Temos múltiplos conflitos de exploração de recursos, não apenas com a extracção mineira, mas muitas outras actividades humanas. Parte da solução é certamente repensar o nosso estilo de vida consumista. Há várias formulações em discussão: parcimónia, suficiência, decrescimento. Seja qualquer for o novo paradigma, é evidente que o actual não tem futuro;

2) Temos de ter presente, de forma transparente, as alternativas a um nível estratégico, europeu e nacional, que passam por exemplo por uma aposta absolutamente prioritária na eficiência energética, em vez da mera substituição de fontes energéticas e tecnologias. Esta é uma opção estratégica de fundo, que ainda está por assumir seriamente, e que reduz seriamente a urgência e a conflitualidade de dossiers como o lítio;

3) As populações locais e o património natural que é um bem comum têm de ser intransigentemente protegidos. Qualquer opção que provoque a destruição de recursos insubstituíveis, ou a destruição de comunidades, é inaceitável, independentemente de quaisquer desígnios estratégicos. Os fins não justificam os meios (é assim que nascem as ditaduras);

4) Nos locais onde se considere possível a exploração de lítio (ou qualquer outro mineral, é necessário conduzir uma avaliação de impacte ambiental profunda — não como forma de “esverdear” o projecto, mas para estudar em detalhe se é possível ou não, e como, compatibilizar os vários interesses em presença. Naturalmente devem ser seguidas as melhores práticas mesmo que tal aumente os custos operacionais do projeto, mas mesmo isso não é suficiente: há limites que não podem ser ultrapassados.

Em termos de impactes ambientais do lítio, estes ocorrem principalmente durante a fase de extração em minas a céu aberto, com alteração do uso do solo e destruição da paisagem. Há ainda a considerar os conflitos com outros usos do território, desde a conservação da Natureza até à vida e opções de desenvolvimento das comunidades locais. Muitos destes problemas podem ser mitigados, mas o impacte final dependerá sempre de uma combinação da sensibilidade do sítio e da qualidade da gestão ambiental dos empreendimentos.”





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