Extração de areias empurra para a extinção cetáceo já criticamente ameaçado. Mas ainda há esperança
O Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP) considera que a areia é o segundo recurso mais explorado em todo o mundo, ficando só atrás da água. As estimativas apontam para que, todos os anos, sejam usadas 50 mil milhões de toneladas de areia globalmente, sobretudo para a produção de betão usado no setor da construção.
Contudo, num estudo publicado em abril passado, a agência ambiental salienta que a extração de areia pode ser um fator de degradação dos ecossistemas marinhos e costeiros, causando erosão, a salinização de aquíferos, a destruição de barreiras naturais contra tempestades e perdas de biodiversidade. Por isso, apela a que a areia seja considerada “um recurso estratégico” e que passe a ser devidamente regulado devido a todos os impactos.
Um artigo publicado este mês na revista ‘Proceedings of the Royal Society B’ revela que os impactos da extração de areias sobre a diversidade biológica podem ser ainda mais devastador do que se pensava.
O cetáceo Neophocaena asiaeorientalis asiaeorientalis é atualmente considerado uma espécie ‘criticamente ameaçada’ pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), e está a ser empurrado para a extinção devido à extração de areia, que os autores dizem ser “um dos maiores desafios ambientais do século XXI”, e que está a destruir o seu habitat natural.
Este animal parece um golfinho, mas não tem uma barbatana dorsal, pelo que se assemelha mais a uma beluga e, além disso, vive em água doce, em lagos e em rios. O consenso científico aponta que esta espécie terá divergido dos seus parentes oceânicos há milhares de anos, tendo migrado para os rios.
Quanto à sua distribuição geográfica, a população, que não excede os 1.800 indivíduos, centra-se no rio Yangtze, na China, que, correndo por mais de seis mil quilómetros, é o mais longo de todo o continente asiático.
Os cientistas focaram a sua investigação no lago chinês Dongting, que alimenta o Yangtze, e perceberam que a população dessa espécie ameaçada de boto está cada vez mais restringida a pequenas áreas desse lago, e sugerem que a causa dessa restrição à sua distribuição será a extração de areia.
Analisando a relação entre essa atividade e a população do boto entre 2006 e2019 no Dongting, os investigadores perceberam que a distribuição desses mamíferos aquáticos é maior quando menor for a intensidade da extração de areia no lago. O ruído, o grande movimento de navios à superfície e a redução das suas presas fazem com que os N. asiaeorientalis procurem refúgio em áreas cada vez mais pequenas. As estimativas apontam para uma redução de até 20 quilómetros quadrados da área de distribuição desses animais em períodos de grande atividade extrativa.
Os autores argumentam que o stress a que os botos estão sujeitos pode ser “amplificado” durante períodos em que a água do lago está mais baixa, uma vez que reduz a capacidade de fuga desses animais. Além disso, a extração de areia dificulta, ou impede mesmo, a dispersão dos botos do lago para o rio Yangtze devido à circulação de barcos, que barra também a circulação dos peixes de que se alimentam.
E alertam que a degradação do habitat “pode ter impactos duradouros”, afetando negativamente a ocorrência de espécies fundamentais para o bom funcionamento das cadeias tróficas do lago Dongting, e, claro, representando uma ameaça à sobrevivência destes carismáticos cetáceos, conhecidos pelo seu ‘sorriso’.
Ainda assim, é possível evitar uma catástrofe ecológica. Em 2017, o governo chinês suspendeu a extração de areia no lago, e dois anos depois os botos regressaram às águas que antes eram cruzadas por vários navios e que se enchiam do ruído da maquinaria pesada. Por isso, os especialistas acreditam que ainda é possível inverter a trajetória de declínio que tem colocado em risco a existência desta espécie criticamente ameaçada, desde que seja dado espaço à Natureza para que ela possa recuperar.