Entrevista: “Falta vontade política” e visão de longo prazo para tornar a floresta portuguesa mais resiliente às alterações climáticas



Neste dia 21 de março, celebra-se o Dia Mundial da Floresta, uma efeméride instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2012, para celebrar as florestas e toda a diversidade de árvores que existem no planeta e, sobretudo, para mobilizar o mundo para a sua proteção. Só assim será possível garantir que as gerações vindouras, bem como as atuais, não só de humanos, mas de todas as formas de vida, podem continuar a beneficiar dos serviços por elas fornecidos.

Cobrindo cerca de um terço (31%) da superfície da Terra, as florestas, além de produzirem perto de metade do oxigénio que nos é indispensável, são essenciais para os 70 milhões de pessoas em todo o mundo que dependem delas para a alimentação. A par disso, as florestas são fundamentais para prevenir a erosão dos solos e para aumentar a sua qualidade e biodiversidade, para melhorar a qualidade da água ao filtrarem partículas e poluentes, para captar e fixar carbono e para regular o clima.

Contas da organização ambientalista WWF apontam que as florestas têm capacidade para armazenar até 2,4 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, pelo que são um aliado de peso no combate às alterações climáticas. A sua degradação e destruição, seja através da conversão para fins agrícolas ou para outros, são responsáveis por aproximadamente 22% das emissões globais de CO2, sendo que a perda de carbono capturado em florestas tropicais duplicou nas últimas duas décadas e a tendência é de crescimento.

Estima-se que mais de 80% de toda a biodiversidade terrestre viva em florestas, sendo a casa de 80% de todas as espécies de anfíbios, de 75% das espécies de aves e de 68% das espécies de mamíferos. Em suma, um futuro sem florestas seria um futuro extremamente negro.

Contudo, a relação entre as sociedades humanas, em especial as mais industrializadas, e as florestas não tem sido particularmente positiva. Dados da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicam que desde 1990 terão sido perdidos 420 milhões de hectares de florestas em todo o mundo, fruto da conversão dessas áreas, por exemplo, em campos agrícolas ou em urbanizações. Embora o ritmo de desflorestação tenha desacelerado nos último 30 anos, os danos causados ao longo de séculos são visíveis e duradouros.

Portugal: “Um país com apetência florestal”, mas gestão não tem sido a melhor

Por cá, o ‘perfil florestal’ traçado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) mostra que a floresta é “o principal uso do solo no território português”, cobrindo cerca de 36% do país. Em 2021, os dados mostravam que, no seu conjunto, o continente e as ilhas dispõem de uma área de 3,3 milhões de hectares de floresta.

É por isso que David Rodrigues, professor da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC), do Instituto Politécnico de Coimbra, nos diz que “Portugal é um país com apetência florestal”, explicando que outros 30% do território são ocupados por matos “que poderiam ser convertidos em florestas”.

Segundo o ICNF, nas florestas do continente existem sobretudo espécies autóctones, ou seja, espécies nativas que evoluíram nesta região climática e que são as mais bem-adaptadas às condições ambientais que pautam o país. Por isso, são também as que são mais resilientes a eventos de seca e, assim, as que tornariam as florestas portuguesas mais fortes perante a ameaça das alterações climáticas.

No que toca às espécies vegetais que fazem desses habitats as suas casas, os carvalhos (o género Quercus), incluindo o sobreiro (Quercus suber) e a azinheira (Quercus ilex), cobrem cerca de 36% da superfície florestal continental do país, seguidos pelos pinheiros (o género Pinus), que cobrem 30%, e pelos eucaliptos, cuja espécie mais comum em Portugal é a Eucalyptus globulus, que cobrem 26%.

Nos Açores, as espécies dominantes são o incenso (Pittosporum undulatum), “as formações de laurissilva” e cedro (género Cedrus), a criptoméria (Cryptomeria japonica), a acácia-australiana (Acacia melanoxylon), o eucalipto-comum (E. globulus) e a faia-das-ilhas (Myrica faya). Por outro lado, no arquipélago da Madeira, a floresta de laurissilva predomina, ocupando quase 15 mil hectares, quase 20% desse território insular, seguida pelo eucalipto-comum, pelo pinheiro-bravo e pelas acácias.

“A floresta como hoje a conhecemos tem 100 anos”, recorda o especialista em biodiversidade e recursos florestais, sendo que, até ao século passado “a área florestal era muito mais reduzida”. Durante o período ditatorial do Estado Novo, “incentivou-se muito a expansão do pinheiro-bravo”, afirma, acrescentando que, apesar de se poder pensar que é uma espécie exótica, “há estudos que comprovam que é uma espécie nativa”. O que acontece que é o pinheiro-bravo foi plantado em zonas nas quais não estão no seu “ótimo ecológico”, o que acaba por fazer com que venha a desenvolver problemas de saúde.

O pinheiro-bravo era tido como a espécie que crescia mais rapidamente e que, por isso, “teria maior rendimento”. Contudo, com a chegada do eucalipto como espécie com um crescimento ainda mais veloz, “houve uma transição de parte significativa do pinhal-bravo para o eucaliptal”.

E isso deve-se fundamentalmente ao facto de a quase totalidade da área florestal em Portugal (91%) ser detida por proprietários privados, sendo que nas mãos do Estado estará somente 3% das florestas portuguesas. E, além de ser reduzida a área florestal pública, “nem sempre é gerida da melhor forma”.

Mas as florestas estarem em propriedades privadas não é, em si, um problema, até porque “há áreas privadas que são muito bem geridas”, adianta. O que acontece é que a fragmentação dessas áreas acaba por dificultar a gestão florestal no seu todo.

Além disso, o docente da ESAC lembra também que o despovoamento das zonas rurais é um fator que influencia a gestão das florestas em Portugal, uma vez que, segundo estimativas, não se sabe a quem pertencem cerca de 30% dos terrenos. “A falta de cadastros é um problema”, alerta.

O especialista afirma que até aos anos de 1990, os Serviços Florestais de então, com quase 100 anos de existência, tinham uma estrutura e “uma força” que hoje as autoridades de gestão florestal não terão. A partir dessa altura, “parte das competências dos Serviços Florestais foram transferidas para associações de produtores florestais”, uma decisão que David Rodrigues diz não ter sido a mais acertada, uma vez que se priorizou a maximização do lucro descurando a sustentabilidade das florestas e a sua gestão com base em conhecimento técnico.

O famigerado eucalipto

David Rodrigues assume que o eucalipto tem um lugar na produção nacional, mas reconhece que são muitas vezes plantados em áreas onde tal não deveria acontecer, lamentando que “foram feitos muitos erros no passado e hoje em dia continuam também a ser feitos alguns”.

Recorda que “não é motivo de orgulho” Portugal ter a maior área, em termos de percentagem do território nacional, de eucalipto da Europa.

Isso acontece, porque empresas que se dedicam à pasta de papel no país, através da transformação da madeira de eucalipto, conseguem mais facilmente chegar aos produtores e persuadi-los de que a aposta nessa espécie é mais acertada para maximizar a produção, ao contrário, por exemplo, de no pinheiro-bravo, que seria inferior em termos de produtividade.

“O que não é verdade”, esclarece David Rodrigues, apontando que “o que faz sentido não é maximizar a produção, mas sim maximizar o lucro”, uma vez que “em muitas situações, o eucalipto pode produzir mais do que o pinheiro-bravo, mas os custos são muitos maiores”.

Resiliência, alterações climáticas e incêndios

Quanto aos incêndios, um fenómeno que trágica e sistematicamente ocorre todos os verões, com mais ou menos estragos, e que as alterações climáticas prometem tornar mais intensos, muito se fala de tornar as florestas portuguesas mais resilientes aos fogos. Mas o que é que isso realmente significa?

Conta-nos David Rodrigues que “temos grandes incêndios em Portugal por falta de ordenamento e gestão”, e também porque temos uma elevada produtividade que faz o mato crescer muito e, claro, por causa dos períodos de seca, que tudo indica que serão cada vez mais frequentes e intensos.

Tudo conjugado, temos uma equação para o desastre. Para evitar esse desfecho, é preciso colocar a prevenção no topo da lista de prioridades, algo que não tem acontecido nos últimos anos mas que, segundo o docente do Ensino Superior, tem vindo a ser corrigido.

“Tem que se investir mais na prevenção para depois não se ter de gastar tanto no combate”, assinala, mas lamenta que, embora o conhecimento técnico exista, “falta vontade política”, porque a prevenção “não dá votos”.

David Rodrigues considera que, nos últimos anos, têm sido dados alguns passos no sentido de tornar as florestas portuguesas mais resilientes às alterações climáticas. Contudo, fica muito por fazer.

Para alcançar essa resiliência é preciso intercalar a floresta de produção com a agricultura e com a floresta de proteção, sendo que esta última “tem menos tendência a arder e, à partida, pode funcionar como ‘zona de tampão’ em caso de incêndios”, afirma.

Ademais, “é preciso formar mais técnicos da área florestal”, porque os alunos que têm entrado nos cursos dedicados à floresta em Portugal “não têm compensado os que se vão reformando”.

“Os serviços de ecossistemas têm de ser valorizados”

David Rodrigues diz-nos que na Escola Superior Agrária de Coimbra o foco é no Dia da Floresta Autóctone, celebrado a 23 de novembro, pois o Dia Mundial da Floresta “está pensado para os países do Norte da Europa”, uma vez que, e tendo em conta que esta efeméride promove a plantação de árvores, “nas nossas condições, não faz sentido plantar árvores no final de março, porque terão já pouco tempo para desenvolver as suas raízes” e se enfrentarem uma primavera e um verão secos é muito provável que não sobrevivam.

Além disso, o docente do Ensino Superior diz que “os serviços de ecossistemas prestados pelas florestas têm de ser valorizados”, desde a sua importância no ciclo da água, à captação de carbono e à promoção da biodiversidade, e que os produtores e proprietários devem ser compensados pela proteção, manutenção e promoção desses serviços, tornando a conservação tão ou mais apelativa do que a exploração unicamente tendo em vista o máximo lucro.

“Houve várias estratégias para a floresta que foram elaboradas e aprovadas na Assembleia da República e depois nunca foram aplicadas”, lamenta, apontando que além da vontade política, “falta investimento a médio e longo prazo”.

Isto, porque a Natureza, como todos sabemos, não se rege por ciclos de quatro anos e é preciso tempo para restaurar os danos causados ao longo de muitas décadas de exploração desmedida das florestas e de políticas desadequadas. Mas é preciso começar já, pois não é durante uma crise que se resolvem os problemas, mas sim quando ainda existe algum, cada vez mais estreito, espaço para manobra.





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