Francisco Mateus: “O Alentejo é reconhecido já internacionalmente pelo compromisso que tem e honra com a sustentabilidade”



Os Vinhos do Alentejo regressam hoje à capital para brindar em grande com mais de 450 néctares de mais de meia centena de produtores da região, mas o compromisso que a região tem para com a sustentabilidade não foi posto de parte.

Os Vinhos do Alentejo estão de regresso à capital através de um evento que decorre hoje e amanhã no CCB – Centro Cultural de Belém. Entre outros tópicos, Francisco Mateus, Presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), e João Barroso, coordenador do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, explicaram à Green Savers de que forma está a sustentabilidade presente na iniciativa, quais os objetivos do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA) e as práticas usadas para enfrentarem a seca no Alentejo.

  1. A Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, organismo que controla, protege e certifica os vinhos do Alentejo, tendo como parceiro principal a Universidade de Évora, decidiu desenvolver o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA), para tornar o Alentejo uma região sustentável na produção de uva e vinho. Quais os objetivos deste programa?

O Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA) é uma iniciativa inédita e totalmente inovadora, que coloca o setor vitivinícola português e, em particular a região do Alentejo, como pioneira na implementação de políticas e medidas de agricultura sustentável e que vão ao encontro dos objetivos traçados pela agenda das Nações Unidas, nomeadamente os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Este programa foi lançado em 2015 com o intuito de estabelecer diretrizes e práticas que permitam que a vitivinicultura alentejana seja realizada de forma ambientalmente consciente, socialmente responsável e economicamente viável. Atualmente, já contamos  com a participação de 638 membros e 13 deles, inclusive, já obtiveram uma certificação de terceira parte em produção sustentável.

Entre os principais objetivos do PSVA, que conta com a coordenação do Engenheiro João Luis Barroso, consta a redução de custos e o aumento da viabilidade económica dos produtores, tendo como base o incentivo à proatividade em relação ao aumento das pressões ambientais, tentando, desta forma, responder também a preocupações sociais. Assim, além das várias vantagens de aumento da eficiência e da melhoria dos processos e produções dos vinhos, também existe a vertente da poupança financeira em aderir ao programa.

Além disso, ainda que indiretamente, as comunidades onde os produtores estão localizados também beneficiam, seja com economias de água, na transição do uso de energia (de combustíveis fósseis para renováveis), menor uso de produtos químicos na vinha ou preservação de ecossistemas e biodiversidade. Também os consumidores acabam por ter no mercado produtos que, por padrão, são de melhor qualidade e causam menor impacto – menos uso de produtos químicos, melhores uvas, menor utilização de água.

João Barroso, coordenador do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo
  1. Qual a metodologia seguida?

Seguimos uma lógica de melhoria contínua, sendo que o PSVA apresenta critérios exigentes que permitem aos produtores de vinha e de vinho melhorar progressivamente o seu desempenho, de forma voluntária e orientada, em vários parâmetros de sustentabilidade, com forte enfoque nos critérios ambientais a observar na produção de uva e de vinho.

De certa forma, funciona como um código de boas práticas ajustado à realidade do Alentejo. A certificação é atribuída por organismos certificadores que, mediante auditoria, evidenciam aos mercados o cumprimento dos 171 critérios estabelecidos para se reconhecer que a empresa tem uma produção sustentável.

O caminho da certificação permite um maior reconhecimento sobre essas práticas de sustentabilidade, e tem um modelo de certificação se baseia nos requisitos definidos nos 18 capítulos desenvolvidos no programa e na estrutura das normas ISO, que constitui um standard internacionalmente reconhecido.

  1. O que significa ter sustentabilidade na vinha?

Para alcançar a sustentabilidade nas vinhas promovemos práticas e abordagens que garantam a produção de uva de forma ambientalmente consciente, socialmente responsável e economicamente viável. Assim,  com o PSVA, nos campos promove-se a boa gestão dos solos, a utilização de organismos auxiliares, a preservação dos ecossistemas, a conservação e restauro das linhas de água, o recurso ao modo de produção integrada e de produção biológica.

Mas, refira-se que o PSVA não se encerra na certificação, sendo, antes, uma alteração sustentada e contínua do mindset de pequenos e grandes produtores de vinho, com vista à implementação de práticas mais sustentáveis das vinhas às adegas na produção de vinho de toda a região.

  1. De que forma se atinge a sustentabilidade na adega?

Já nas adegas, a eficiência energética e o uso racional de água são prioritários, mas também o é a redução da produção de resíduos. A reciclagem e desmaterialização de processos, bem como o uso de produtos mais verdes, como o uso de rolhas, barricas e outros materiais de florestas certificadas, são, igualmente, incentivados.

  1. O Alentejo afirma-se como uma das regiões de Portugal com maior riqueza de vida selvagem, sendo o montado considerado como o ecossistema europeu que concentra maior biodiversidade. De que forma estão a ajudar a aproveitar e a preservar esse “estatuto”?

Temos por exemplo em curso um projeto em parceria com a Universidade de Évora e alguns produtores, chamado Biomontado, que visa a implementação de boas práticas agrícolas e de recuperação ecológica, tendo como objetivo último aumentar a resiliência do ecossistema do montado e da vinha. Na área da vinha estão a ser recuperadas margens de pequenos cursos de água, ou linhas de escorrência, com recurso a técnicas de engenharia natural e, também, estão a ser plantadas sebes biodiversas multiestratificadas, com vista a reduzir a erosão do solo e promover soluções de conectividade na paisagem.

As espécies usadas são todas autóctones e propagadas por sementes recolhidas a nível local e/ou regional, respeitando assim o património genético. A seleção das plantas para as sebes teve em conta as espécies que contribuem para a entomofauna auxiliar ao combate de pragas na vinha.

Simultaneamente, estão a ser criadas pequenas manchas de habitats naturais inseridas na matriz do montado, que não comprometendo a viabilidade económica do sistema, são um importante contributo para incrementar a biodiversidade constituindo zonas de reprodução, refúgio e alimentação para aves, mamíferos, repteis e anfíbios.

  1. A ANP|WWF e os Vinhos do Alentejo firmaram um protocolo de colaboração. O que pretendem com esta parceria?

Este projeto pretende contribuir para a melhoria das práticas vitivinícolas dos produtores regionais, tornando-as mais sustentáveis, através da apresentação de propostas de melhoria de vários critérios ambientais do PSVA.

No âmbito do trabalho de conservação que a ANPlWWF desenvolve, e no que diz respeito à área da alimentação, a CVRA e a ANPlWWF reconheceram a importância de trabalhar em conjunto num projeto que contribua para o aumento da ambição dos critérios ambientais do PSVA. Ao elevar essa ambição, os cerca de 638 viticultores aderentes, têm a oportunidade de progredir ainda mais nas suas metas de sustentabilidade, obtendo simultaneamente um maior reconhecimento nos mercados nacional e internacional.

  1. Os produtores do Alentejo estão a pagar mais pela uva por causa do programa?

Vários produtores estão a majorar o preço que pagam pelo quilo de uvas aos seus fornecedores para garantir que têm uvas de qualidade, produzidas segundo as melhores práticas e que passam no crivo da certificação criada pela CVRA.

Uma das razões, porventura a principal, que está a levar as empresas a valorizar tanto a certificação da matéria-prima é a atenção incontornável que o programa alentejano já conquistou em mercados mais maduros nestas matérias, nomeadamente os nórdicos.

de Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana
  1. Que consequências estão a ser enfrentadas face ao período de seca e escassez de água no Sul, em particular no Alentejo?

A seca no Alentejo não é um problema de agora, mas tem tido outra expressão devido às alterações climáticas. No entanto, as práticas que promovemos, através do PSVA, não só poupam e armazenam água, como tornam os sistemas mais resilientes a um clima mais seco e quente. Entre muitos exemplos, temos os instrumentos de controlo e monitorização, como o caudalímetro, ou o software de rega de precisão apoiados por drone ou dados de satélite. As crises logística e energética são outro dos grandes desafios que afetam a economia, o poder de compra e, naturalmente, o sucesso de muitos negócios, pressionando os fatores de produção e levando à redução das margens para as empresas.

  1. De que forma está a sustentabilidade presente neste evento?

Por todos os motivos já referidos, o Alentejo é reconhecido já internacionalmente pelo compromisso que tem e honra com a sustentabilidade. Os eventos que promovemos não poderiam ser uma exceção e, assim, já no ano transato decidimos que todos os materiais utilizados na construção das bancas dos produtores, que representam as casas típicas alentejanas, seriam feitos em cartão. Este ano, continuamos a assentar no princípio dos “3 R’s – Reduzir, Reutilizar e Reciclar” e será feito o reaproveitamento e a reutilização dos materiais da última edição.

Esta é a forma de minimizar o impacto ambiental habitual deste tipo de eventos e continuar a contribuir para um futuro ainda mais sustentável e não ficamos por aqui. Fomos mais além e incluímos, ainda, uma programação em que o tema vai estar em cima da mesa e vai ser falado, ouvido e interiorizado pelos milhares de visitantes presentes. No sábado, 03 de junho, pelas 16h00, vários produtores certificados do PSVA vão abordar a importância do programa e do selo de produção sustentável e, logo de seguida, Joana Faria, diretora executiva do FSC Portugal, vai argumentar sobre “E se o seu vinho de eleição contribuísse para ajudar a cuidar da nossa floresta?”.





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