Helena Martins Gonçalves, ISEG: “Existem grupos de consumidores com cada vez maior consciência ecológica. E estes grupos estão a crescer”



As dimensões ambiental e social ganharam relevo na gestão das empresas e têm de estar contidas, por exemplo, no ciclo de vida do produto ou serviço: desde a ideia inicial, passando pela sua produção e comercialização até à utilização a dar após o fim de vida útil.

Esta é uma das ideias defendidas por Helena Martins Gonçalves, professora de marketing do ISEG, nesta entrevista ao Green Savers. É que é já amanhã, pelas 17h30, que o ISEG vai debater os desafios da sustentabilidade para a gestão, um evento que reunirá professores da instituição, como Helena Martins Gonçalves, e outros especialistas no tema.

Consulte aqui o programa.

Como media partner da conferência, o Green Savers está presente e trazer-lhe-á, durante quinta e sexta-feira, todas as conclusões do evento.

Correndo o risco de ser um pouco abusivo e pouco específico nesta minha primeira pergunta, não posso deixar de lhe perguntar: quais são os desafios da sustentabilidade para a gestão?

Compatibilizar as expectativas das várias partes interessadas na empresa, com a necessidade de ter resultados positivos de forma continuada. A integração de objectivos de sustentabilidade implica gerir as questões ligadas não só à dimensão económica, mas também, às dimensões ambiental e social, centradas no mercado, tendo em atenção as necessidades e desejos dos vários stakeholders. As dimensões ambiental e social ganharam relevo na gestão das empresas. Têm de estar contidas, por exemplo, no ciclo de vida do produto ou serviço: desde a ideia inicial, passando pela sua produção e comercialização até à utilização a dar após o fim de vida útil. É necessário converter, nas diferentes áreas, os recursos em capacidades e, estas, por sua vez, em vantagem competitiva sustentável, esperando obter uma performance superior.

Como é que escolas como o ISEG se estão a preparar para este desafio?

Apresentando desde já a primeira edição da Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade, inovadora no contexto português. Estamos assim na linha da frente na formação oferecida nesta área, para dar resposta aos desafios que os gestores, e não só, enfrentam na definição, planeamento e implementação de uma estratégia de sustentabilidade empresarial. No ISEG temos vindo e continuaremos a incentivar a investigação nesta área, com vista ao desenvolvimento de um maior conhecimento teórico e aplicado, nomeadamente no contexto português. Para além desta Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade, o desenvolvimento curricular aos vários níveis de formação ministrados no ISEG contempla, já em várias disciplinas, as questões ligadas à sustentabilidade e à responsabilidade social. Esta deverá ser a tendência.

Que empresas portuguesas estão melhor preparadas para responder a estes desafios da sustentabilidade na gestão?

Em primeiro lugar, todas as empresas que compreendam o significado e importância do desafio da sustentabilidade e que entendam que este pode constituir uma oportunidade de melhoria do deu desempenho económico, ambiental e até social. O desafio da sustentabilidade tem de ser assumido, em primeiro lugar, pela direcção da empresa, e também por todos os colaboradores da mesma. Deve até ir mais longe, devendo a empresa ser capaz de envolver outros stakeholders (fornecedores…). Por exemplo, nos sectores energético e do papel, as empresas portugueses desde há algum tempo que desenvolvem uma estratégia de sustentabilidade proactiva. No entanto, isto não acontece na generalidade das empresas. As empresas que já iniciaram uma estratégia de sustentabilidade e responsabilidade social vêem a sua performance reconhecida em diversos indicadores, como é o caso da EDP, que em 2010, é líder do índice Dow Jones Sustainability.

A sustentabilidade é uma hoje uma palavra gasta em Portugal, com inúmeras empresas a tentarem-se posicionar como especialistas no tema. Concorda?

Eu não diria que a sustentabilidade é hoje uma palavra gasta em Portugal. Mas, corre-se esse risco, ao usar-se indiscriminadamente e de forma pouco adequada esse termo. As empresas devem ser cuidadosas e rigorosas no posicionamento e na comunicação que fazem. Os clientes e as outras empresas irão fazer o escrutínio. No curto e médio prazo as opções menos correctas serão penalizadas.

Esta sobreutilização da palavra sustentabilidade no dia-a-dia poderá contribuir para a sua descredibilização ou, por outro lado, permite ao cidadão obter mais informação sobre o que pode fazer para ser mais sustentável?

A descredibilização da palavra sustentabilidade poderá resultar da sua utilização indevida. Por isso, com referi anteriormente, as empresas devem ser cuidadosas e rigorosas na sua utilização. Contudo, ainda é muito necessário informar e formar o cidadão para comportamentos sustentáveis. Campanhas sobre a separação do lixo ou sobre a eficiência energética são exemplos a seguir. Neste campo, há ainda muita coisa para fazer. As empresas, outras organizações e universidades têm aqui um papel importante.

É coordenadora da pós-graduação em Gestão da Sustentabilidade no IDEFE. Quantos anos tem esta pós-graduação e, caso já tenha algum histórico, quais as grandes mudanças ocorridas nos temas abordados desde os primeiros anos até os dias de hoje?

Como referi, a Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade do IDEFE/ISEG está na sua primeira edição. Não posso, por isso, fazer uma análise do seu histórico. No entanto, quero realçar, o seu carácter inovador. Esta pós-graduação diferencia-se das demais, fundamentalmente, por ser uma pós-graduação em gestão, por abordar a temática da sustentabilidade de uma forma transversal a todas as áreas da empresa, desde a gestão financeira, ao marketing e comunicação, à qualidade e recursos humanos, passando pelas operações, pelo desenvolvimento de produtos e pela estratégia empresarial. São ainda leccionadas disciplinas sobre métricas e reporte da sustentabilidade, fundamentais para a boa gestão da sustentabilidade. Para além disso, inclui também disciplinas de enquadramento económico, ambiental e de responsabilidade social e ética.

A maior parte da formação nesta área, em Portugal e internacionalmente, assenta fundamentalmente em temas como o desenvolvimento sustentável, a economia do ambiente e as questões, energéticas. São questões importantes, mas insuficientes para a gestão eficaz de uma organização.

A grande questão a que esta pós-graduação vem dar resposta é: ”Como se define e avalia uma estratégia de sustentabilidade e como é que cada área da empresa pode contribuir para essa estratégia?”

Há dois lugares comuns antagónicos quando se fala de sustentabilidade. O primeiro diz-nos que as estratégias de sustentabilidade ainda são caras, e por isso não fazem sentido serem desenvolvidas; o segundo sugere que há razões económicas e de negócio para escolher tecnologias e soluções sustentáveis. O que pensa sobre este assunto?

Os dois argumentos têm razão de ser. Mas isto, não significa que concorde com ambos. O desafio é compatibilizá-los. Não concordo com “as estratégias de sustentabilidade ainda são caras, e por isso não fazem sentido serem desenvolvidas”. A contínua inovação, pesquisa e desenvolvimento, na área da sustentabilidade, deverá ser um grande objectivo, o que irá certamente permitir reduzir os custos, agora ainda elevados, destas estratégias.

A pesquisa contínua de soluções melhores e mais económicas propiciam maior e melhor desenvolvimento da sociedade. Genericamente, se este fosse o argumento adoptado pelas empresas, por exemplo, produtos como o computador, que revolucionou completamente a vida das pessoas e das empresas, ou novos tratamentos desenvolvidos que conduzem a melhorias na saúde não estariam disponíveis para a generalidade das pessoas e empresas.

As empresas que assim pensem perdem uma oportunidade de adquirir outras vantagens competitivas e de liderar neste contexto. Por outro lado, concordo que “há razões económicas e de negócio para escolher tecnologias e soluções sustentáveis”. A escolha de tecnologias e soluções sustentáveis é um imperativo para o desenvolvimento continuado da sociedade, dada a sua repercussão em termos ambientais e sociais.

Isto implica a assumpção do desenvolvimento da gestão das empresas num contexto de responsabilidade social. Certamente que as razões económicas e de negócio também estão presentes nesta escolha. Existem grupos de consumidores com cada vez maior consciência ecológica e que procuram bens e serviços mais “verdes”. E este grupo de consumidores está a crescer.

As empresas devem segmentar o mercado e, para este grupo alvo, precisam ter uma oferta própria, diferenciada e que tenha valor acrescido para o cliente. Desta forma, a empresa poderá desenvolver a sua carteira de negócios e melhorar a sua performance. Apresentar soluções sustentáveis no mercado é também uma forma de diferenciação e de ganhar vantagem competitiva. Assumir desde já esta estratégia pode facilitar uma posição de liderança.

Qual o papel da academia – de todas as áreas universitárias – na construção de boas estratégias sustentáveis?

A universidade é, por excelência, o centro da transmissão e criação de conhecimento nas diversas áreas. Neste sentido, tem um papel fundamental na formação especializada que oferece, neste caso, na área da sustentabilidade, congregando os diversos saberes. Além disso, os seus centros de investigação criam e desenvolvem soluções, por exemplo, em tecnologias mais sustentáveis, que depois poderão vir a ser utilizadas pelas empresas.

Qual o papel no marketing como fomentador de uma mudança de mentalidades da sociedade em relação à sustentabilidade e desenvolvimento sustentável?

A contribuição para a apresentação de produtos e serviços sustentáveis, considerando, por exemplo, a análise do ciclo de vida e a adequação das estratégias; o desenvolvimento de comunicação adequada sobre as ofertas apresentadas pelas empresas, e o conhecimento que desenvolve sobre o consumidor, nomeadamente em termos de perfil, motivações e grau de consciência ecológica, são alguns dos contributos do marketing, para esta mudança.





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