Helena Pereira, UTL: “As restrições de financiamento das universidades estão a paralisar a investigação”



A IUFRO (International Union of Forest Research Organizations) vai organizar a sua conferência quinquenal de 8 e 13 de Julho de 2012, no Centro de Congressos do Estoril.

O Green Savers entrevistou Helena Pereira, ex-reitora da Universidade Técnica de Lisboa (UTL) e responsável pela organização local da conferência, sobre quais os objectivos do evento do Centro de Congressos do Estoril e, numa perspectiva mais abrangente, quais os principais desafios do sector florestal em Portugal. Mas a conversa foi mais longe, como pode ler.

Qual a importância, para o sector florestal português, da organização deste congresso em solo nacional?

Trata-se de um grande e prestigiado congresso organizado a nível mundial, que reúne investigadores e técnicos sobre os produtos florestais, abrangendo desde temas tecnológicos relacionados com produtos e processos, a aspectos económicos, sociais e culturais, sempre no enquadramento geral da floresta e da sua gestão sustentável.

Integra, portanto, o conhecimento e a investigação sobre as principais fileiras: madeira sólida, compósitos, pasta e papel, bioenergia, produtos não lenhosos. A importância da indústria florestal e dos produtos florestais em Portugal, assim como a qualidade da investigação nacional foram trunfos importantes para que o congresso se realizasse no país.

Em sentido contrário penso que Portugal terá a ganhar com a oportunidade de contacto com muitos dos principais investigadores do mundo nestas áreas.

Quais serão, na sua opinião, os pontos altos do congresso?

As sessões plenárias são sempre pontos altos, pois apresentam temas importantes de um modo integrado e por oradores de grande qualidade. Para os investigadores, as sessões de trabalho temáticas serão local importante para mostrar resultados e discutir com colegas. Para os nossos visitantes estrangeiros, as visitas do Congresso serão certamente de grande interesse, mostrando alguns aspectos da competência nacional nestas áreas.

Dos 5 keynote speakers presentes no congresso, qual a apresentação que não irá perder?

Acho que não vou perder nenhuma. Mas se me pedem para falar em especial de alguma, deixe-me referir desde logo o primeiro orador – Eduardo Rojas-Briales – pela grande abrangência da temática: os desafios que se colocam às florestas europeias num contexto de economias verdes.

Quais os grandes desafios do sector florestal português?

Vou-lhe citar três: 1. criar uma organização efectiva logística que ligue a produção aos transformadores industriais e estes aos seus mercados, de modo a criar o máximo de valor para todos; 2. ter um serviço de extensão eficaz, ou seja, que haja a transferência de conhecimento para os seus utilizadores no tecido produtivo e económico; 3. conseguir uma gestão das florestas que seja sustentável do ponto de vista económico e ambiental mesmo em zonas de pequena dimensão da propriedade.

Considerado fundamental pelos sucessivos Governos, a verdade é que o sector florestal acaba sempre por ficar negligenciado na estratégia social, económica e ambiental portuguesa. Concorda? Se sim, porque razão tal acontece em todos os ciclos políticos?

Sim, a floresta e os produtos florestais não são reconhecidos ao nível da importância económica, social e ecológica que detêm. Talvez o imediatismo que a comunicação social procura não a leve a considerar estes temas… Por outro lado, é muito pobre a percepção da nossa população sobre a floresta e os produtos florestais em geral e sobre a sua importância múltipla em Portugal.

Tem algum dado sobre quanto vale o sector florestal em percentagem do PIB? E quantos empregos, em Portugal, estão directamente dependentes dele?

O sector representa cerca de 1,7% do PIB e é responsável por cerca de 140 mil postos de trabalho. As indústrias florestais são também muito importantes nas exportações portuguesas. Elas representam 10,3% (2010) das exportações nacionais (5,7% de pasta e papel, 2,4% de cortiça, 1,4% de madeira e 1,1% de mobiliário de madeira).

Há seis meses, um estudo da WWF alertou que a bioenergia feita a partir da madeira, entre outras, poderá desencadear uma exploração insustentável das florestas naturais. Qual a sua opinião sobre este tema?

Tal como outra exploração, o uso das florestas para bioenergia tem que ser feito com um plano de gestão que garanta a sua sustentabilidade. Para além disso deverá ser considerado todo o ciclo logístico, ou seja, incluir na análise também a conversão de biomassa na unidade industrial de modo a que as vantagens da sua utilização para energia não se percam ao longo do processo.

No entanto, não nos podemos esquecer que em muitas regiões do planeta a pressão demográfica e os estados de penúria económica levam a utilizações exageradas – por vezes até à exaustão – dos recursos existentes. Neste caso serão pois outras as envolventes do problema.

Qual a importância da inovação para o futuro dos produtos florestais?

A inovação é determinante para o sucesso dos produtos florestais tanto mais que estão em concorrência com outros materiais. Esta inovação está presente na procura de novos processos ou da melhoria nos processos existentes, assim como em novos modos de usar materiais conhecidos. Uma pedra fundamental para a inovação é precisamente a investigação científica e o conhecimento sobre os materiais e processos.

Um programa da TV alemã ARD admite que a Ikea, apesar de certificada pelo FSC, está a desflorestar zonas de floresta com mais de 200 anos. De que forma é que notícias destas podem ser catastróficas para o sector dos produtos florestais e para a forma como estes são vistos pelos consumidores?

É um pouco como os fogos florestais. Parece que só se fala das florestas e da sua utilização quando há catástrofes… A exploração florestal deve ser – e pode sê-lo –sustentável, é esse desde sempre o lema dos engenheiros silvicultores. Caberá aos reguladores e aos agentes ambientais e sociais fazer a respectiva fiscalização. Mas a existência de um plano de gestão sustentável – que é a base para uma certificação como a FSC – será logo à partida uma garantia para isso.

Por fim, apesar de não estar directamente relacionada com o congresso, não posso deixar de lhe fazer esta questão: foi reitora até há muito pouco tempo e antes disso vice-reitora da UTL. De que forma é que as restrições de financiamento das universidades portuguesas poderão pôr em causa o ensino superior e, assim, o futuro da massa cinzenta e inovação empresarial portuguesa?

As universidades portuguesas têm vivido ao longo destes últimos anos uma situação de redução constante do seu financiamento. Estamos hoje no limite da sobrevivência nos níveis de qualidade que queremos continuar a manter. O risco será grande de se ter que começar a cortar – na investigação, no fomento do empreendedorismo, até na própria qualidade do ensino. Acresce ainda que as restrições ao funcionamento financeiro das Universidades impostas pelo Ministério das Finanças estão a paralisar a investigação e a própria captação de receitas próprias de projectos e estudos.





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