Ilhas Shiants: sem electricidade e cheia de ratos, mas um paraíso para a família Nicolson (com FOTOS)
As ilhas Shiants, entre as Skye e as Hébridas Exteriores, na Escócia, são propriedade da família Nicolson desde 1937. Aí passam largas temporadas, num cenário que não é propriamente o mais convidativo do mundo – principalmente para uma família com três crianças. Mesmo assim, para eles este é um pedaço de paraíso.
As três ilhas compõem um arquipélago um pouco apertado que cabe num círculo de quatro quilómetros de diâmetro. As Shiants foram compradas em 1937 pelo pai de Adam Nicolson, o actual proprietário, num acto de puro romance, quando tinha apenas 20 anos. O negócio custou na altura €1.641 (R$ 4.284), dinheiro que a sua avó lhe tinha deixado.
Mas a família não tem muito: o empreendimento traduz-se em cerca de 200 hectares de pastagens, sem cais ou porto, sem boa fixação para âncoras, sem árvores ou nada que se assemelhe a um rio, sem areia em qualquer uma das praias ingremes – quase nada, na verdade. E ninguém vive lá a tempo inteiro – não há ferries a fazer o percurso, o que obriga ao aluguer de um barco que os leve e os vá buscar.
Existe um único edifício ainda com tecto, esvoaçante, na ilha – trata-se de uma cabana frágil construída originalmente para os pastores, na década de 1870. Tem um fogão alimentado a gás e apenas alguns armários – não há electricidade, logo também não há frigorífico. Água corrente também é algo que não existe ali.
Não se trata propriamente de um lugar aconchegante. A maior parte do tempo, o mar é demasiado gelado para que se consiga nadar nele. Não há sanitas ou banheiras – para esta família, a casa de banho é o que chamam discretamente de “zona entre marés” do Atlântico.
Esta falta de comodidade é complementada pela presença dos ratos. Os barcos naufragados trouxeram para terra ratos pretos e as Shiants são agora a sua maior fortaleza britânica. A população chega a 3.500 durante o Inverno, quando não há muito de que se alimentem, e talvez 10 vezes mais no final do Verão.
Obviamente que estes animais são atraídos pela comida que a família traz para a ilha. A porta da casa não pode ficar aberta depois do anoitecer e nenhum alimento pode ficar fora dos armários.
Podemo-nos perguntar: como pode uma família gostar de viver num lugar de tanta dificuldade, hostilidade e mal-estar? A resposta é que estas ilhas são um mundo recheado de maravilhas. Centenas de milhares de aves marinhas vêm aqui reproduzir-se todos os anos e maravilhosas encostas verdejantes a correr para o mar compõem o cenário.
Esta concentração deslumbrante de aves ocorre numa paisagem épica que inclui penhascos de 152 metros de altura com profundas cavernas aquáticas. Há baleias e golfinhos no mar em redor e as Hébridas Exteriores e as montanhas da costa oeste da Escócia organizam-se nos seus horizontes. Além disso, trata-se de uma terra fértil. Os mares estão repletos de alimento, desde peixe a lagosta.
Os cinco filhos de Adam visitam as ilhas desde que nasceram – a mais nova passou uma quinzena no local quando tinha três meses de idade.
A ligação que o pai de Adam o fez criar com este lugar tenta ele também fomentar junto dos filhos. E não só – esta conexão estende-se para lá da família a todos os amantes de natureza. Foi por isso que Adam criou um site onde qualquer pessoa interessada pode reservar a sua estadia por uma semana na ilha, de forma gratuita.
É um destino dirigido apenas a quem gosta de tempestades no mar, da recolha de água dos poços, do abrigo da fogueira depois de um dia de exposição aos ventos, dos assobios misteriosos vindos das colónias de aves e das noites de Verão com luar.
Quem experimenta a estadia, acaba geralmente em transe pela experiência de um pequeno fragmento do mundo onde a realidade se sente de forma tão crua. E é por isso que Adam diz: “Esta é a ilha da vida, que nos expõe à mais profunda experiência possível de estar vivo”.